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O resgate de Coelho Rodrigues
Domingos Bezerra Lima Filho

AGUIAR, Antonio Chrysippo de. Direito Civil: Coelho Rodrigues e a ordem de silêncio. 1ª ed. Teresina: Halley S. A. Gráfica e Editora, 2006. 198p.

Pouco se fala ou se escreve sobre a contribuição de Antônio Coelho Rodrigues para a codificação do Direito Civil Brasileiro. Interesses escusos, estranhos e injustificáveis relegaram o nosso jurisconsulto ao esquecimento por longo período.
Entretanto, depois de publicações de João Pinheiro, Monsenhor Chaves, Francisco de Assis Couto Castello Branco, Cláudio Bastos, Ana Regina Barros Leal Rego, Celso Barros Coelho, Limongi França e Wilson de Andrade Brandão, dentre outros, vem a lume obra que resgata do limbo histórico o jurista responsável por inovações significativas no Direito Civil. Mesmo sem aprovação do seu texto no governo Floriano Peixoto – o projeto de Código Civil de 1893 -, muitas de suas sugestões ali formuladas hoje se inserem na legislação brasileira.
Residente em Palmas (TO), o advogado piauiense Antonio Chrysippo de Aguiar presenteia a cultura jurídica com Direito civil – Coelho Rodrigues e a ordem de silêncio, obra necessária aos cursos de Direito das faculdades locais. O esforço de Chrysippo deve ser louvado, embora sua obra não seja perfeita (esperamos que novas edições corrijam os breves equívocos ora cometidos, e disso o sabemos haja vista a responsabilidade moral e intelectual do autor).
A epígrafe que abre o livro traz excerto de Pontes de Miranda, um dos mais laureados estudiosos do Direito no país: “O Código Civil brasileiro, pelo que deve a Clóvis Beviláqua, é uma codificação para as Faculdades de Direito, mais do que para a vida. O que nelle (sic) vai morder (digamos) a realidade vem de Teixeira de Freitas, ou de Coelho Rodrigues.” (p. 5).
Em nove capítulos, incluída a introdução como primeiro – em que acusa a inveja e a competição de serem responsáveis pelo “esquecimento” imposto ao jurisconsulto piauiense – o livro de Chrysippo Aguiar relata momentos da vida de Coelho Rodrigues, informa sobre o Código de 1916, expõe a doutrina do jurista e desvela a luta empenhada por opositores para encobrir sua atuação na construção do arcabouço jurídico nacional. Explicita que toda a dedicação ao estudo e à confecção de uma estrutura jurídica pátria não foi suficiente para habilitar “o jurisconsulto a compor a galeria dos mais substanciosos juristas cultuados neste país.” (p. 15).
Qual o pecado de Coelho Rodrigues? Estudar, trabalhar, transformar, inovar, olhar para o futuro e tentar edificar um código em que os direitos e deveres dos cidadãos e as instituições políticas e sociais organizassem uma sociedade juridicamente justa. Suas críticas contundentes aos adversários não justificariam o silêncio. No trecho a seguir, o autor faz um alerta.


O jurisconsulto defendeu a unificação do Direito Comercial ao Direito Civil; sistematizou o Direito de Família, de forma mais adequada; regulou o direito dos empregados domésticos – inseminou o embrionário Direito Trabalhista Brasileiro – apresentou o Direito do Menor, dentre outras proposições, numa luta ostensiva em desfavor das desigualdades projetadas a partir da legislação civil. (p. 15).


O segundo capítulo situa o estudante, o jornalista, o político, os estudos, o reconhecimento público e o posicionamento crítico de Antônio Coelho Rodrigues, que nasceu em 1846 na fazenda Boqueirão, então localizada no município de Oeiras mas hoje integrante de Picos. Descreve seus estudos iniciais no Piauí, depois em Recife, para onde se transferiu aos 14 anos de idade e onde, em 1866, orador da turma, se graduou em Direito, tendo como colega José Maria da Silva Paranhos Júnior, o futuro Barão do Rio Branco, a quem mais tarde, no Rio de Janeiro, iria assessorar.
Ao retornar ao Piauí, Coelho Rodrigues desenvolve atividade política, jurídica e jornalística. Filia-se ao Partido Conservador, sai em defesa da alforria de escravos. Com 23 anos de idade foi eleito para a Assembléia Geral Legislativa do Império e, com o fim da legislatura, retornou ao Recife para se doutorar em Ciências Jurídicas em 1870. Nomeado professor da faculdade, envolveu-se, em 1873, numa disputa intelectual com Silvio Romero, positivista do grupo de Tobias Barreto que defendia tese na Congregação da Faculdade de Recife. Reprovado Silvio Romero, os positivistas abriram fogo contra Coelho Rodrigues por causa de suas convicções filosóficas.
Admirado por uns e odiado por outros, Coelho Rodrigues ocupa posições importantes nos cenários políticos local e nacional e integra a Comissão Revisora do Projeto do Código Civil elaborado por Joaquim Felício dos Santos.


Tendo alcançado notoriedade dentre os maiores juristas de sua época, em 4 de julho de 1881, mesmo sob o Governo de Ministério composto por adversários liberais, Antônio Coelho Rodrigues, juntamente com Lafayette Rodrigues Pereira, Antônio Joaquim Ribas, Francisco Justino Gonçalves de Andrade, Antônio Ferreira Viana e o próprio Joaquim Felício dos Santos, foi nomeado membro da Comissão Revisora do Projeto do Código Civil elaborado pelo Doutor Joaquim Felício dos Santos, que, por fim, recebeu parecer desfavorável. (p. 33).


Nota-se, portanto, que a ocultação histórica de Coelho Rodrigues não ocorre somente em virtude da ação dos seus adversários, como quer o autor, mas decorre da cegueira de historiadores que não valorizaram seu talento. Aliás, Chrysippo reclama que há breve menção a Coelho Rodrigues na exposição de motivos do Código Civil Brasileiro de 2002. “Como em poucas das obras que tratam da história da codificação civil pátria, verifica-se que Antonio Coelho Rodrigues ocupa espaço morno, de menor relevância, e sobre sua obra jurídica quase nenhum comentário existe.” (p. 15).
Trabalho exaustivo, Direito Civil – Coelho Rodrigues e a ordem de silêncio, ainda no segundo capítulo realiza percurso cuidadoso sobre a vida do jurista relembrando sua luta em defesa da liberdade, da educação e da inclusão social dos ex-escravos. Antes monarquista, nosso intelectual adere depois à República e se justifica aos piauienses em manifesto de 19 de novembro de 1889. Autor de várias proposituras, a convite, elaborou também a lei do casamento civil, de 1890, cuja autoria não é citada pelos historiadores e doutrinadores do Direito nacional.
A maior contribuição de Coelho Rodrigues, sem dúvida, foi a construção do projeto de Código Civil, contratado que fora pelo governo do marechal Deodoro da Fonseca na recém-inaugurada República dos Estados Unidos do Brasil. Para redigi-lo, demite-se de empregos e viaja para a Suíça, onde pesquisa e trabalha. Entregue em fevereiro de 1893, o documento, que tinha como “fonte imediata o Código Civil de Zurique”, com 2.734 artigos, não logrou aprovação em decorrência da mudança de governo – já estávamos no governo Floriano Peixoto –, das conseqüentes alterações nos conceitos políticos e filosóficos que orientavam a nova administração, além das inimizades que acumulara com membros da comissão revisora do projeto. É, então, acusado de imitador e seu projeto, de cópia.
Coelho Rodrigues não sossega. Eleito para a vaga de Theodoro Pacheco, apresenta seu projeto no Senado no mesmo ano. Seguem-se debates e revisões. O Senado aprova em 1896. Nova recusa. Nova apresentação, agora em setembro desse ano, pelo senador Justo Chermont. Coelho Rodrigues perde, acusado de beneficiar legislações estrangeiras em detrimento da tradição jurídica nacional.
O terceiro capítulo trata da formação e dos embates filosóficos. Afigura-se como verdadeiro o entendimento segundo o qual o jurista piauiense foi alijado do processo de efetivação do Código Civil por causa de suas idéias firmes ora contra os positivistas, ora contra os desmandos republicanos e os interesses regionais ou norte-americanos. Chrysippo menciona as batalhas travadas após a Proclamação da República “pelo poder político, nas quais Coelho Rodrigues engajou-se favorável à República, aos direitos e às liberdades individuais compostas e reguladas pela legislação civil.” (p.87).
O capítulo seguinte compara os códigos de Coelho Rodrigues e Clóvis Beviláqua. A história registra, é bom saber, que o Projeto Clóvis Beviláqua, de 1916, em muito deve ao texto de Coelho Rodrigues, mas pouco se lhe faz referência. Injustiça histórica que cabe aos pesquisadores comprometidos com a verdade corrigir. Dentre os poucos doutrinadores que deram crédito ao trabalho do piauiense citemos, recorrendo ao autor, Washington de Barros Monteiro, Duarte de Azevedo e Paulo de Lacerda. Recorde-se que ao ser contratado para elaborar o novo Código, Clóvis Beviláqua recebe a recomendação do ministro da Justiça, Epitácio Pessoa, em 1899, de aproveitar tanto quanto possível o Projeto Coelho Rodrigues. O trabalho foi concluído no mesmo ano, mas advêm debates, sendo mais comentados os que envolveram Ruy Barbosa e o gramático Carneiro Ribeiro. O projeto foi, enfim, aprovado. Pontes de Miranda, ao louvar a obra de Beviláqua, conta-nos Chrysippo Aguiar, nela vê a mão criativa de Coelho Rodrigues, “a principal de suas fontes imediatas” (Miranda apud Aguiar, p. 93).
Perpassa em todo o livro de Chrysippo Aguiar a intenção de corrigir o erro histórico de ocultar Coelho Rodrigues. Exemplifiquemos com o quinto capítulo, em que se mostram teses adotadas nos Direitos Civil, Processual Civil, Constitucional, Trabalhista e no da Criança e do Adolescente. Trata o autor, assunto por assunto, do Projeto Coelho Rodrigues, do Projeto Clóvis Beviláqua, do Código Civil de 2002, da inclusão do direito autoral – também idéia do jurista piauiense na tentativa de proteger as artes, as ciências e a literatura da exploração perpetrada pelos espertalhões de sempre.
As omissões praticadas em desfavor da família e da civilização brasileiras são tratadas com esmero no capítulo de número seis. A exemplo de Ruy Barbosa, Coelho Rodrigues considerava, na expressão de Chrysippo Aguiar, que a família se constituía “na mais importante organização de base da sociedade civil pátria, motivo pelo qual entendia que esta deveria ser acolhida e legalizada imediatamente, para que as resultantes refletidas em toda a sociedade fossem melhoradas.” (p. 123). Essa diretriz baseou-o na elaboração do Código de 1893. O autor faz, então, um breve histórico do direito de família na legislação brasileira a partir da Constituição de 1824, “que admite a família nascendo da ilegalidade e da ilegitimidade” (p.128), até alcançar a Constituição de 1988. Antes, a legalidade da família brasileira em formação fora omitida na codificação produzida por Clóvis Beviláqua, mas havia, sim, sido devidamente amparada no Projeto Coelho Rodrigues. Hoje, o Instituto da Família acha-se inscrito na Carta Magna, no Estatuto da Criança e do Adolescente e no Código Civil de 2002. Com relação ao menor, Coelho Rodrigues também dele se ocupara. Antecipando-se ao tempo, o jurista piauiense incluiu o divórcio na estrutura do seu código, embora suas convicções religiosas não o recomendassem.
No capítulo sete temos Coelho Rodrigues como precursor do Direito Trabalhista ao legislar sobre os direitos do empregado doméstico, dotando, assim, o ex-escravo “de instrumentos legais de inclusão social no ambiente pós-abolição” (p. 157) de tal maneira que, liberto, este pudesse firmar contrato de trabalho, ter direito a salário e a carteira de trabalho devidamente anotada. Além disso, o texto de Coelho Rodrigues trata do aviso prévio, da justa causa, do dever de urbanidade, das verbas e multas rescisórias, da proteção trabalhista, da justiça especializada, da previdência privada, da assistência médica, da proteção ao trabalho do menor.
O penúltimo capítulo refere-se ao desconhecimento da obra e ao anonimato histórico impostos a Coelho Rodrigues. Chrysippo Aguiar disseca sobre as ações engendradas para colocar Coelho Rodrigues na ignorância generalizada.
O capítulo nove é recheado de reflexões e conclusões sedimentadas ao longo da pesquisa. A ordem de silêncio imposta à obra de Coelho Rodrigues há de ser expurgada, defende o autor que, sem querer polemizar, mas desejando queimar o manto negro da ignorância, põe o dedo na ferida da cultura jurídica brasileira e exige reparo a descaso tão comprometedor.
Com inimigos a não lhe dar tréguas – entre eles se incluía Clodoaldo Freitas –, o jurista morre em 1912, após seis décadas e meia de muita luta, estudo e trabalho.
Importante obra, merece reedição para conhecimento da atual e das futuras gerações de operadores do Direito.

(*) Jornalista, ex-professor de Comunicação Social (Jornalismo) da Universidade Federal do Piauí e da Faculdade Santo Agostinho, em Teresina (PI), pós-graduado em Comunicação, Turismo e Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Federal do Piauí.


Referências

CHAVES, Monsenhor. Antônio Coelho Rodrigues. In:_____Apontamentos biográficos e outros. Obra completa. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998. p. 524-526.

FREITAS, Clodoaldo. O desembargador José Manoel de Freitas. In:_____Vultos piauienses: apontamentos biográficos. 2. ed. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1998. p. 15-53.

PINHEIRO. João. Fase romântica – prosadores. In:_____Literatura piauiense: escorço histórico. Teresina: Fundação Cultural Monsenhor Chaves, 1994. p-37-77.


Biografia:
Jornalista e professor universitário (Faculdade Santo Agostinho - Teresina - PI), nascido em Campo Maior/PI, em 1956. Ex-professor substituto (jornalismo) da Universidade Federal do Piauí; ex-secretário de redação dos jornais O Estado (Extinto) e Diário do Povo do Piauí; ex-editor de cultura do Jornal Diário do Povo do Piauí; ex-repórter,locutor, apresentador e diretor de jornalismo da Rádio Difusora de Teresina; ex-chefe da Divisão de Redação da Secretaria de Comunicação do Governo do Estado do Piauí; ex-repórter da Secretaria de Comunicação da Prefeitura de Teresina; ex-editor literário do Jornal do Piauí (extinto). Integrou o movimento de renovação literária, no Piauí, na década de 70, quando participou de dois livros reunindo poetas piauienses. Ainda inédito, é contista, cronista, poeta e romancista. É professor, na Faculdade Santo Agostinho, das disciplinas Sistemas Nacionais e Internacionais de Comunicação; Crítica da Mídia; Comunicação Organizacional; Técnica de Reportagem, Entrevista e Pesquisa. É editor-executivo do jornal-revista PRESS, de Teresina. e-mail: climacomunicacao@hotmail.com
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