Vinte e quatro de agosto de mil novecentos e oitenta e nove. Dia ventoso. Passa das cinco horas. A tarde cinza e fria já quase se despede. Na casa o silêncio é absoluto. Já está na hora de ir. Cuidadosamente coloco na valise o pijama de seda, peças íntimas, material de higiene e roupas bem pequeninas. Olho ao redor à procura de algo que possa ter esquecido. Mas tudo que preciso levar já está comigo.
Numa das mãos a bolsa e na outra uma tv, velha e sem imagem. No ventre, o ser tão desejado.
Pego o telefone e chamo um táxi. Abro a porta. Enquanto espero, acaricio meu filho. Só nós dois, meu menino.
O táxi se aproxima. Para o hospital, seu Eloí. Ao passar pela casa de meus pais reparo que as janelas estão abertas, mas nelas não há ninguém. Melhor assim.
No trajeto, de certa forma curto, nenhum pensamento ocupa minha mente. Apenas olho as pessoas que andam apressadas, como assistindo a um filme mudo. Sinto-me tranqüila e serena. Já instalada no quarto, deito na cama. E logo o sono chega.
De manhã sou acordada muito cedo com a movimentação característica dos hospitais. Pela fresta da janela vejo um dia cinza, ventoso e frio. Logo as enfermeiras chegam e me levam para o encontro mais importante de toda a minha vida.
Lá estavam o cirurgião, assistente, anestesista, enfermeira e o pediatra. Enquanto me operam, a conversa e piadas correm soltas. Até que separam Maurício de mim. Fisicamente, pois sei que não mais nos afastaremos. Acolho meu filho nos braços. Seus olhinhos escuros olham bem dentro dos meus. Bem vindo a este mundo, querido! Meu amor será incondicional e eterno. E o guri pisca para sua mãe.
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Vinte e cinco de agosto de dois mil e dez. Dormi mal a noite anterior, acordando por diversas vezes. Passa um pouco das cinco horas. Estou ansiosa e agitada. Na casa o silêncio é absoluto. Embora muito cedo, rapidamente coloco as bagagens no carro. Alguns presentes. Um telefone celular, máquina fotográfica, um pedal para o contrabaixo. Fiz a lasanha e o bolo que ele gosta. Mousse de maracujá. As inigualáveis queijadinhas da Biquinha. Mas o que vai agradar mais, certamente, é a camiseta do Inter com o Bi da Libertadores tão suado. Pouco tempo depois, já está na hora de ir.
Pego a estrada. Escutando Beatles, vou vencendo os quilômetros que nos separam. O dia está ventoso. E a manhã, fria e cinza.
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Com as chaves, que trago comigo, abro a porta do apartamento. E aspiro o perfume que está preso naquelas paredes. Esta é a saudade que eu sinto. Do cheiro.
Vou até o quarto. Meu filho dorme sereno. Seguro. Ali, bem ao meu alcance. Aproximo-me da cama, e ele pressente minha presença. Abre os olhos. Sorri. E me acolhe em seus braços. Ficamos assim por alguns instantes. Então ele diz no meu ouvido: Oia, mãe!!! Como eu posso te agradecer tudo que tu faz por mim? Tu és a melhor mãe do mundo. Não, tu és a melhor pessoa do mundo.
Passo a mão no seu rosto. É um homem! Vinte e um anos. Lindo de corpo e alma. Ah! Como tenho orgulho dele! Seu braço forte me envolve. É proteção pura. Meu Pitica sou eu quem tem que agradecer por seres tão especial como és.
Mais tarde entrego os presentes. Afinal é seu aniversário. E aniversário sem presente não é aniversário.
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