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PARAÍSO INVADIDO
ivete tôrres

Sexta-feira. Lazinha acordou como sempre o fazia às seis horas da manhã. Em seguida, despertou seu gato siamês Sebástian, que dormia ao lado numa caminha azul.

- Vem comigo Sebástian.

Enquanto seu amigo tratava de alimentar-se para enfrentar o novo dia, Lazinha o admirava. Era um lindo animal. Grande, esguio e muito companheiro. Tinha algo para lhe comunicar, mas resolvera dizer, quando voltasse do trabalho.

Fim de tarde. Lazinha voltou para casa, após o expediente. Sebástian estava a sua espera. Como sempre, miou para ser colocado no colo. Mas a dona mal lhe fez um carinho, passando por ele com a bolsa e uma caixa de madeira, arredondada, estranha para ele. Não sabia o que era aquilo, mas o faro não lhe enganava: cheiro de gato. Gato?

Eis que Lazinha abriu a tal caixa:

- Gi-Don Átila Krystalis este é o Sebástian. Sebástian este é o Gi-Don Átila Krystalis. Mas podemos chamá-lo de Átila.

O gato não escutou. Pela primeira vez em suas sete vidas ficou sem fala. Dos cinco sentidos apenas o faro e a visão estavam em pleno funcionamento. Só sabe que diante dele estava uma criatura enorme, de cor amarela, imensos olhos, nariz achatado, parecendo uma bola de pelos. Com uma cara antipática, que só vendo. E agora?

Lazinha, normalmente tão sensível, parecia não entender a extensão do problema que criara.

- Viste, é um gato exótico vermelho, campeão de várias exposições. Ficaremos com ele até minha colega voltar de viagem. Espero que te comportes bem. Ele não é lindo? Lindo? Como teve coragem de fazer esta pergunta?

Enquanto Sebástian estava tentando entender o que acontecia, Átila se acomodou na sua poltrona. O desastre estava apenas começando. Pior do que uma visita inesperada, só um hóspede inesperado, diz o ditado.

Sebástian pensa que o dito popular deva ser modificado: pior do que uma visita inesperada, só um hóspede inesperado, mas pior ainda, só um hóspede indesejado, por pelo menos parte da família. E que Sebástian não havia convidado o tal Átila, já se sabe.

A Lei de Murphy, diz: quando uma coisa tem tudo para dar errado, ela dá errado mesmo. O que pode dar mais errado do que juntar dois gatos, até então desconhecidos, numa mesma casa?

E foi assim que o éden - de um feliz gato siamês - se tornou mais inferno do que aquele de Dante.

Lazinha era só atenção para com o dito cujo. E ele, de nariz arrebitado, nem bola dava. Só se ouvia: Átila, Átila, Átila... Para o pobre Sebástian era um sofrimento.

- Quero só ver onde vai dormir o esnobe! Se ela colocar na minha cama, vai acontecer o Apocalipse antes da hora. Nostradamus que me perdoe.

Não sabia se sua dona estava feliz com o hóspede ou aceitara trazê-lo só para ser agradável com a amiga. A verdade é que, como morador daquela casa, deveria ter sido consultado sobre dividir o teto com mais alguém, mesmo que fosse por alguns dias. Por falar nisso...

Lazinha havia dito até minha colega voltar. Mas de onde, pelo amor de Deus? E o mais importante: quando? Sebástian nada descobriu. De pernas abertas, o sapo estava custando a descer.

Lembrou de dois ditados: aquilo que não tem remédio; remediado está e se não puder vencer o inimigo, junte-se a ele. Sebástian raciocina. Se tiver que suportar a presença do tal Átila, que pelo menos pareça, para Lazinha, que estava adorando. Não deu resultado. Tentou algumas vezes travar amizade com o bendito, mas ele se manteve em seu pedestal e nem sequer olhou para baixo. O receio de haver uma briga já estava descartado. Ele, certamente, se achava muito superior até para isso. Mudança de tática. Também sabia ignorar.

A rotina, algo quase sagrado para os moradores daquela casa, fora totalmente esquecida. Nada de tocar piano no fim-de-semana, o tradicional iogurte de Sebástian nem havia sido comprado; sua ligação com o mundo, a janela do banheiro, estava fechada. Átila pode sair, o que seria um desastre, diz Lazinha. Isso é relativo, depende do ponto de vista, pensa Sebástian. Para ele teria sido a solução dos seus problemas.

Estava vivendo o pior fim-de-semana de sua vida. Não perdera o direito à cama, mais por esperteza dele mesmo do que por atitude da dona, mas os prejuízos foram inúmeros e as queixas se fossem relacionadas, seriam muitas. Mas o mal maior ainda estava por vir.

Na segunda-feira Lazinha abriu a janela do banheiro, Sebástian saiu como de costume. Deu umas voltas, checou as novidades e voltou para casa. Voltar, voltou. Mas não entrou. A tal janela estava fechada. Ficou na rua. Sem comer nem tirar um cochilo na sua poltrona, e só entrou em casa depois que Lazinha o chamou, já quase noite. Beirava à loucura ao pensar que Sir Átila estava refestelado na sua vida.

Todo esse inferno durou mais três dias. E então, na sexta-feira, Lazinha tirou de cima do armário a caixa arredondada. Sebástian não queria acreditar no que seus olhos viam. Exultou de alegria quando Gi-Don Atila Krystalis, e toda a sua pompa, foram colocados dentro da fatídica.

- Sebástian se despede do Átila, vou levá-lo para casa.
       
O sofrido Sebástian não se fez de rogado. Miou, o que foi entendido como uma despedida. Mas se pudesse teria dito: adeus, good bye, au revoir, arrivederci, adiós, auf wiedersehen, em todos os idiomas e dialetos existentes neste mundo de meu Deus.
       
Saíram. Foi até a janela para ter certeza. Haviam dobrado a esquina. Ele, com satisfação, constatou que o ar parecia mais respirável.

Enfim, a casa era sua novamente. Foi até o banheiro e viu a janela aberta, mas resolveu dar um tempinho por ali mesmo. Afinal, merecia curtir o retorno ao paraíso.

- Esse Átila não é muito diferente daquele que, por onde passava com seu cavalo, nem a grama crescia. A minha dona vai ter que dedetizar isso aqui. Tudo está impregnado dele, que nojo!

É, meu amigo, esse gato até poderia mudar seu nome para Gi-Don Átila Krystalis, o Flagelo de Sebástian, não concordas comigo? Ainda bem que não há mal que sempre dure...




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