Lars von Trier
O filme anticristo
O início do filme favorece uma bela fotografia em movimento, com aquela música maravilhosa; cena surpreendente, uma aula de cinema arte revisitando os grandes mestres do cinema, feito Antonioni e por aí vai. Trágico e contundente o filme vai moldando e tomando corpo e mente. Digo isso, pela escolha maravilhosa de Willem Defoe como psicanalista, que sempre atuou muito bem. O papel de Charlotte Gainsbourg fazendo a dobradinha e juntando o quebra cabeça. Uma atriz com traços esquisitos e que dispensa o romantismo francês; bem articulada e sem o glamour das grandes estrelas sensuais francesas.
Podemos dizer; que o filme apresenta símbolos, metáforas que vão moldando aquelas cenas trágicas. O fato da perda do filho ser tão estúpida e o casal estar simultaneamente naquele ato em que a razão não comanda mais, que os sentidos anulam qualquer vontade contrária aquilo, aonde vai se travar uma luta contra a natureza. O filme vai nessa direção, analisando a dor quando se perde um ente querido e atravez dessa dor, revirando a psique humana, questionando a nossa natureza, nossos medos e pirações.
É isso que os personagens tentam iluminar com uma atuação esplendorosa. O filme é difícil e muito simbólico. A analise é; eles poderiam chegar aquele caos, mesmo sem que acontecesse a perda. O casal modelo europeu formado por uma doutorando e um psicanalista classe média, causa um mal estar intencionado pelo diretor Lars von Trier, afinal, ele está falando da vida de uma família normal européia ou americana, “com formação e inteligência para superar esses problemas”. Pergunto-me pela indignação que o filme causou nas salas de cinema. Lars simplesmente ignora as classes “letradas” e avança desconstruindo esse tipo de status social.
Como ele faz isso, primeiro colocando a psicanálise em cheque e contrapondo a natureza ou vise e versa. Aquilo que não é capaz de apaziguar e nem acalmar o ser humano. Aquilo que não conhece a dor, nem o desespero. Aquilo que aprendemos na tragédia e faz do ser humano um desconhecido, um estrangeiro exilado de si mesmo.
Então vejo a razão e método sendo confrontado com natureza. Quando a mulher diz; a natureza é satã, aquilo que não pode ser domado. Entendemos que essa visão faz parte de uma formação católica e representa uma idéia, que a natureza tem que ser anulada, apaziguada, logo, a natureza é anticristo. E quando o inconsciente vira uma espécie de daimom, estabelecendo um estado de caos entre os personagens, essa idéia de daimom resulta no mal ou anticristo e anticristã.
Psicose para os trágicos é Mania, manifestando-se na personagem, por conta da dor que não cessa. As pesquisas da personagem e estudos em relação à violência e do sadismo ao longo do século contra a mulher, trasbordam de certa forma no personagem, que se coloca nessa posição de açoitada e mutilada devido à culpa e o remorso. Desvendaremos naquelas fotos comprometedoras, se olharmos com atenção algumas daquelas fotos, identificaremos mulheres que foram acusadas de serem bruxas, sendo torturadas, desfiguradas e mutiladas, pode-se ver uma atitude anticristã nessas simbologias.
Os animais da floresta só falam com o personagem do Defoe, claro, é a própria natureza dizendo: você não entende nada do que somos, somos o caos; deixa clara a visão racional e metódica de um psicanalista.
Lars trabalha com três significados muito fortes para estruturação do filme, essas três formas de sentir e ver o mundo é que vão desestruturar os personagens: aceitar a condição humana e seu acaso. Quando alguém diz; eu nunca aceitarei isso. A tristeza, seja ela adquirida pela dor, seja pala perda ou incompreensão das coisas do mundo. E a perspectiva escolhida por Lars o sentimento de culpa, o filme direciona-se nessa perspectiva. A culpa paralisa, racionaliza mais não resolve. Quando alguém diz; foi minha culpa, por isso que aconteceu.
Quando o personagem expõe esse sentimento, foi minha culpa, minha máxima culpa. Daí em diante seu psicológico não trabalha mais com a idéia de salvação e aliado a isso, a histeria, a confusão e o sofrimento ininterrupto, vão arrastando-a para alta flagelação. Ou seja, a trajetória dos três mendigos a dor, o sofrimento e desespero, quando reunidos, desencadeiam o processo de inanição humana.
Enquanto ele o personagem de Defoe, não identifica a que ponto está o estado psicológico de sua mulher, negligenciando certas carências, fazendo correções desnecessárias tipo; porque você colocou os sapatos trocados no menino. Junto com tudo isso, surgi o surto psicótico na mulher, dando margem, o que a de pior no ser humano, aflorando seu lado sádico, alto destrutivo irreversível. Onde essa ação trilhará uma saga desesperadora e sangrenta até o fim.
Nenhum dos personagens se salva no sentido psicológico, até porque, tudo o que eles vão sentir do meio em diante, naquela trama de Lars é, absolutamente anticristã; doença, raiva e intolerância. O personagem de Defoe que tinha alguma chance de salvação, não consegue resignar-se, nem entender a natureza quando ela é generosa. Não basta falar com os animais, tem que compreendelos, o caos não é necessariamente ruim, quando sabemos que existe no caos sua própria ordem. Desconhecendo isso, ele se volta contra a mulher porque, não entende O Sacrifício que tem que ser feito quando se está na condição humana. O personagem de Defoe não aprende com a natureza, nem em termo de compaixão, nem no termo resignação. Da vazão a sua raiva desenfreada e perde a razão que é tão preciosa para ele.
Compreendo que essa temática cinematográfica não seria possível, sem a ajuda e colaboração de Andrei Tarkowski, realizador do filme O Sacrifício de1985; a quem o filme foi dedicado. Para entender lars von trier e o seu anticristo, será necessário, compreender O Sacrifício de Tarkowisk, o filme é uma descida pavorosa da alma humana para aprendizado da resignação e conciliação em relação à condição humana, esse gesto tão humano. No caso do anticristo Lars não se importa de ser expulso do jardim do Eder, como que dizendo; quem não consegue suportar a condição humana e não aprende com ela. Quem nunca fez o sacrifício de Tarkowisk, não reconhece o paraíso, natureza, quiçá o que é humano demasiado humano.
Ass, Lathea
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