PAIS DEPENDENTES FILHOS DEPENDENTES
Dr. Wagner Paulon
2009
No tempo em que, não se trata com cuidado da Biofilia (amor à vida) que é o princípio de existência, não é verdade que se possa cuidar das dos alheios, ainda quando esses alheios sejam a nossa legitima prole. Observado de outro modo, isso significa que um pai que assume sua vida sobre a base de uma visão insensata da existência de fato e de sua própria consciência, por mais boa vontade que pense empregar, não poderá evitar transmitir, através de suas atitudes ou de preceitos, essa mesma idéia sem fundamento a seus filhos.
Uma criatura para a extinção não o é somente para a própria, mas também para a extinção daqueles que o cercam.
Asseveração essa, que se aludi a uma cadeia delituosa, a um ajuste sinistro, não tem por objetivo julgar os culpados, mas sim tratar de apontar um dos pontos em que se depararam as origens de uma conduta dependente (necessidade de estar subordinado a outrem).
Grande parte das vezes as drogas dos pais fazem muito mais do que gerar filhos toxicodependente. Suficiente recordar que uma gestante que fuma 20 cigarros por dia está exposta a dar a luz a um filho de peso inferior ao normal, sem entrar nos detalhes horripilantes de heroinômanas (vício mórbido de tomar heroína) que geram filhos que ao nascer sofrem de convulsões ou apresentam quadros de lesões neurológicas muito sérias.
Atentemos agora para os modelos de procedimentos que os pais imprimem aos filhos e que, (parece ser, mas não o é), não os conduzem à destruição nem à deturpação, mas que de fato e através de eventos que se contemporizam ao longo de toda a sua vida inferem-no a uma vivência tóxica. Explicando melhor, trazem-nos para mais perto de hábitos que representam agressões a si mesmos e fazem-nos entrar em uma competição para o aniquilamento.
Indubitavelmente, os jovens e adolescentes que consomem drogas foram involuntária e passivamente induzidos a esse consumo pela dependência alcoólica dos pais. Eles sofrem uma predisposição que contraíram no lar.
É muito difícil encontrar algum jovem paciente dependente de drogas que não tenha chegado a esse estado depois de uma longa convivência com o exemplo dos progenitores, que são "alcoólatras sociais", e genitoras que são "viciadas em fármacos", consumidoras de todas as espécies de pílulas (calmantes de suas dores e tranqüilizantes de suas angústias e preocupações, inclusive as drogas usadas para combater a obesidade os fenoproprorex).
Pesquisadores afirmam que os pais são, por sua vez, as causas motrizes de uma "sociedade dependente de drogas", causadora do fenômeno atual da proliferação de pacientes crônicos adultos jovens, que a ciência psicanalítica e a psiquiatria não pode ignorar.
Adolescentes, geralmente agressivos ou, em sua deficiência, retraídos demais, infringidos por dificuldades afetivas e por uma interpretação deformada da existência de fato, freqüentemente apresentam dependências a algum tipo de droga, ou pelo menos contam com antecedentes desse modelo.
A família prefere designá-los de "dependentes espontâneos", (mas não o são), eles são o resultado de uma sociedade que trabalha suas ansiedades com álcool e medicamentos. Adolescentes que somente contam com esses exemplos que não opõe suficiente resistência e que com essa bagagem única devem enfrentar um mundo que lhes oferece poucas possibilidades de obter êxitos em seus estudos ou qualquer ocupação manual ou intelectual.
No Brasil como em muitos outros paises, o alcoolismo registra vítimas cada vez mais jovens. Começando pela cerveja, para depois passar a bebidas mais fortes, os estudantes universitários iniciam um caminho que, em uma porcentagem significativa, os levará a outro tipo de dependência. Se isso não ocorrer, não é para alegrar-se: o álcool é provavelmente a droga mais devastadora e mais amplamente difundida que se conhece.
Os progenitores costumam equivocar-se em sua valorização das drogas que podem atrair seus filhos. Se como conseqüência de um transtorno de conduta ou da participação de um de seus filhos em um distúrbio grave se lhes chama a atenção sobre o grau de álcool ingerido por esse jovem, a reação imediata será de alívio, "pois se trata de bebida e não de drogas".
Estudos e pesquisas recentes inclusive às estatísticas realizadas no Brasil indicam que em poucos anos a porcentagem de escolares entre 13 e 15 anos que se habituaram à bebida aumentou de 11% para 23% por cento. No que se refere aos estudantes dos graus superiores, de idades que vão dos 16 aos 18 anos, a porcentagem chega a 40% por cento, e as alunas mulheres não estão excluídas das estatísticas, embora registrem porcentagens menores de dependência entre seu renque.
Grande número dos progenitores desses jovens bebe álcool com constância: três doses alcoólicas no almoço, “outras três ao chegar em casa e pelo menos três ou quatro doses alcoólicas depois do jantar”.
O estado social evita a qualificação de alcoólatras para essas pessoas; prefere considerá-las "bebedores com problemas", embora não esteja clara a linha divisória, e embora não seja a quantidade, mas sim a conduta e os efeitos que permitem definir quando uma pessoa ingressou no alcoolismo.
Os jovens e adolescentes referidos nas estatísticas não apenas utilizam bebidas alcoólicas; freqüentemente combinam o álcool pelo menos com a maconha.
Alcoólatras que em seu anseio de se modificar procuram uma terapia específica confirmam que a aproximação da bebida se dá — em 80% dos casos — em idade bem jovem, particularmente na etapa de passagem entre a puberdade e a adolescência, quando a angústia tudo envolve e os modelos paternos são os únicos que eles têm à mão, mesmo que para assumir atitudes que pretendem inabilitá-los.
Dentre 60% e 70% por cento dos enfermos alcoólatras tiveram em sua família pelo menos um dependente da bebida. Mas isso não significa que esses filhos de dependentes sucumbam ao álcool através de uma história que é suscetível de uma só interpretação.
Ao passo que existem muitos casos de filhos de alcoólatras que apresentam sérios transtornos em sua vida de afinidade e na aprendizagem, com a saúde pública em geral consagrando a esses os maiores cuidados, outras crianças parecem ter-se salvo da má influência e aparecem como meninos-modelo, responsáveis, precocemente maduros, quase preparados para atuar como progenitores de seus pais.
Ótimos alunos na escola primárias, talvez inclusive populares, cercados pela simpatia de professores e colegas, são provavelmente meninos que realizam em seus lares mais funções do que lhes corresponderiam por sua idade, entre elas, por exemplo, a de cuidar dos irmãos menores, praticamente abandonados por uma mãe cotidianamente ébria.
Não obstante, em algum momento aparecerão as dificuldades; pode ser que esse "menino-modelo", ao chegar à universidade, durante seus estudos superiores, enfrente um estado de depressão e isolamento que, no melhor dos casos, o leve a profissionais que possam oferecer-lhe ajuda e, no pior dos casos, o induza a recorrer ao álcool.
Declarações de um dos diretores do Stanford Medicai Center Alcohol Clinic, dos Estados Unidos, publicadas na revista Newsweek há alguns anos, assinalavam esse fenômeno: "Existe um grande número de meninos que cresceram aparentemente bem, sem dificuldades para os objetivos desejados, e agindo de forma quase perfeita. Ao chegarem aos 20 anos, talvez ao aproximarem-se dos 30, começam de repente a afastar-se de seus amigos, a abandonar suas atividades e a cair em uma profunda depressão. As investigações revelam que pelo menos a metade deles se voltará para o álcool, resgatando e perpetuando um problema familiar que talvez tenha gerações de vigência”.
Pela observação de casos observados por assistentes sociais e unindo a experiência de tratar "meninos perfeitos", filhos de alcoólatras e paralelamente jovens abatidos e atraídos pela droga, frutos também de lares dependentes, comprovou-se coincidência em pelo menos dois pontos: as dificuldades para expressar seus sentimentos e o medo de perder o controle de si mesmos.
Dificuldades e medos evidentemente relacionados com os mecanismos de defesa que devem ter-se desenvolvido em algum momento da infância, a fim de mover-se em um lar caótico, agindo em torno da incoerência dos modelos ditados por um dependente grave e, ao mesmo tempo, do controle auto-imposto a seus desejos e sentimentos, para evitar transtornar seus pais.
Alguns meninos nessas condições desenvolvem um senso de responsabilidade exagerado, não referido exclusivamente a eles mesmos, mas sim aos restantes membros da família. Outros assumem o papel de "mediadores", para dar algum tipo de ordem na casa, ao passo que um outro grupo de garotos tende a atuar movido apenas pela necessidade de fazer com que aqueles que o cercam — em especial o alcoólatra com quem convivem — não se sintam mal. Inconscientemente, carregam a culpa de ser eles que induzem os pais a beber, com seu mau comportamento.
Na idade adulta, os papéis adquiridos quando jovens são difíceis de serem abandonados, e esses meninos responsáveis ou concessivos convertem-se em pessoas que preferem a solidão, pois a companhia lhes exige que se encarreguem indiscriminadamente do outro; que se casam por sua vez com um alcoólatra ou com um indivíduo problemático, pois precisam continuar sendo a sustentação de alguém; ou que emitem mensagens ininteligíveis, pois estão impossibilitados de demonstrar seus sentimentos.
As reflexões de um jovem estudante, citadas no mesmo artigo da Newsweek, oferecem uma síntese clara da angústia na qual crescem os filhos de mulheres ou homens submissos às suas dependências:
"Eu sempre achava que não fazia o suficiente para que minha mãe se sentisse melhor. Eu imaginava: se tivesse me comportado bem, minha mãe não precisaria beber. Pensava que se fizesse o esforço necessário, as coisas mudariam; e quando isso não ocorria, eu sofria por não ter sido capaz de consegui-lo. Freqüentemente volto a ver as coisas desse modo, embora creia que chegará o momento em que terei de aceitar que jamais teria podido mudar a situação. A lição mais dura que tive de aprender, como filho de uma alcoólatra, foi que eu devia esquecer minha mãe e percorrer o caminho sozinho”.
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