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O Carregador de Malas da Rodoviária de Passos -MG
Onildo Rodrigues Soares

Resumo:
Zezinho era um carregador de malas que conseguia pouco trabalho porque era um deficiente físico que caminhava com dificuldades, mas a melhor cliente da rodoviária era sua.

O carregador de malas.

Zezinho era carregador de malas da rodoviária de Passos, uma importante cidade do Sul-doeste de Minas Gerais. Ninguém sabia quando ele começou a trabalhar ali, pois o seu gorro tinha uma data de fabricação de cem anos atrás. Também ninguém sabia onde ele morava e por isso diziam que ele residia ali mesmo se valendo do banheiro e do chuveiro público para fazer as suas necessidades fisiológicas. Na verdade, ninguém lhe prestava atenção, pois, a exemplo da Banca de Revista do Tino, tornara-se parte menos importante da paisagem. Ele estava no cartão postal da Praça Geraldo Maia, junto a qual ficava o terminal rodoviário da cidade, um lugar agradável para os passageiros aguardarem os embarques. Mas como deficiente físico, ele era uma das coisas que gostariam de ver longe dali, talvez a única. Os passageiros que desciam dos ônibus faziam de conta que não o ouvia perguntar:

-Carregador?

Entretanto, tinha uma cliente cativa chamada Maricota, filha da cidade que se mudou para Santos a fim de poder trabalhar de, segundo ela mesma, secretaria na beira do cais. Voltava à cidade para os festejos de fim de ano, uma recordista de bagagens.

Ela seguia na frente, afrontando as senhoras da sociedade com seu vestido decotado, girando sua sombrinha multicolorida, e ele ia atrás, equilibrando como podia os pertences dela nos ombros e na cabeça. Desciam à rua Presidente Antônio Carlos, passavam defronte o Hospital Santa Casa de Misericórdia e alguns minutos de caminhada debaixo de sol escaldante chegavam a um beco sem saída no bairro da Penha onde cercas de taquara separam as casas sustentando vistosos e produtivos pés de chuchus. Lá Maricota tinha mãe e outra pessoinha muito especial. Mas antes de vê-los e abraçá-los sempre cumpria uma importante obrigação com as outras pessoas daquele lugar, principalmente com as crianças que a cercavam na entrada da rua.

Pegava com Zezinho um imenso pacote e o rasgava ali mesmo. Dele retirava outros menores de variadas cores e tamanhos, bonecas, carrinhos, bolas que distribuía numa grande algazarra a cada dono indicado na etiqueta. Entretanto quando esse momento acabava e ela prosseguia o seu caminho era obrigada a ouvir de outras crianças que não foram contempladas com a sua distribuição de presentes uma cantiga que a magoava profundamente.

-Chegou a p!

Porém, fazia de conta que não dava ouvidos à provocação e seguia em frente, até chegar a casa onde uma senhora aparentando mais idade do que a real, lenço na cabeça, vestido molhado no pé da barriga denotando que passara o dia lavando roupa no tanque que a esperava frente à cancela de tábuas segurando nos braços uma criança. O melhor dos presentes estava reservado aquele menino, uma bola de capotão. Mas nem por isso ele recepcionava a mãe. Assustado com o incomum movimento da rua, chorava e agarrava-se a avô. Quase desesperada Maricota estendia-lhe as mãos e clamava.

-Venha filhinho, com a mamãe. Venha Marialvo!

Ali, naquela hora, sua vida passa-lhe na cabeça. Tudo lembra as desgraças que viveu. No entanto, esta forte emoção é incapaz de fazê-la chorar, pois Nossa Senhora Aparecida atendeu ao seu pedido de lhe secar as lágrimas no dia em que decidiu ir embora de Passos. Tudo de importante que a faria sofrer já teria acontecido; o sepultamento do pai morto a facadas numa venda e o do marido afogado no porto do Glória. Enfrentava agora o seu destino, aquele que Deus lhe reservou desde o seu nascimento conforme revelado num sonho. Tinha de ser muito forte para criar o filho que no futuro seria um famoso jogador de futebol. Depois dessa missão, ela podia morrer.

Zezinho assistia tudo impassível, por fim esperando Maricota afagar o sujo Marialvo contra o peito, acalentá-lo com o calor de mãe, porque faltava fazer o mais importante, receber o seu pagamento. E quando chegava este momento, era recompensado generosamente com algumas notas que a cliente separavava de um bolo retirado do sutiã, mas imagina ser muito que nem contava, mas também não agradecia. Virava-se e voltava para a rodoviária, para a sua infrutífera tarefa de perguntar:

-Carregador?






Biografia:
Escrever é fácil, o difícil é entender.
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