A Clarice mal se casou e ainda na sua lua de mel, foi surpreendida
por uma notícia prá lá de triste. Seu esposo foi convocado para ir para a
guerra. Não tinha como dizer não. Nunca dar para dizer não. Não nos per-
tencemos. E ele se foi entre prantos e soluços.
A Clarice no seu desespero foi procurar uma cartomante muito
famosa que atendia com hora marcada - e de preferência com pagamento
adiantado. Clarice adentrou a sala à meia luz, sentou numa cadeira amarela.
A cartomante sentou-se à sua frente.
- O que você quer saber minha jovem?
- Bom, é que meu esposo foi para a guerra e eu preciso saber se ele
vai voltar! Por favor, me fale!
A cartomante fez lá a sua macumbinha básica, jogou as cartas, olhou,
analisou, pensou, repensou... A Clarice apreensiva:
- Fala logo, pelo amor de DEUS!
- Eu não costumo falar para meus clientes o que as cartas me dizem.
Esse é o meu diferencial. Dou o resultado por escrito; como um resultado
de exame, entende?
- Claro.
- Bom, espera lá fora que minha secretária te levará o envelope com o que
você quer saber.
A Clarice saiu. Ficou na sala de espera. Sala de espera tem
um "Q" de desespero, não? Eu acho. A cartomante chamou sua secretária.
Falou e ela escreveu. Lacrou o envelope e mandou que o entregasse à Clarice.
Clarice recebeu o envelope e não se continha de tanta curiosidade. Estava
angustiada, em total agonia. Mesmo assim se conteve e deixou para abri-lo
em casa. Ao chegar ao seu lar, correu para o quarto, sentou-se na sua cama
vazia, abriu o envelope e...
- Graças a DEUS! - Clarice saltou, riu, gritou, cantou. A mensagem: IRÁS VOLTARÁS NUNCA MORRERÁS.
O tempo passou. O tempo que passa e amassa a beleza do homem
e sucumbem suas forças, impondo-lhe limitações. Um ano se foi e a guerra
acabou. Passaram-se os dias e nada do soldado voltar. Passaram meses
e o soldado não voltou. Clarice correu na casa da cartomante tomada por
uma grande fúria, disposta a tudo. Chegou xingando a cartomante.
- Calma minha filha. Calma.
- Como calma? Você me disse que meu marido iria voltar e cadê? Além
do mais te paguei uma fortuna e era tudo mentira sua vagabunda.
- Calma. Deixa-me ver o papel.
- Ta aqui... Sabe ler? Olha: IRÁS VOLTARÁS NUNCA MORREARÁS.
A cartomante pegou o papel, olhou e com um sorriso tímido nos lábios
explicou:
- Não minha filha; eu não te enganei.
- Como não?
- É que a minha secretária esqueceu-se de colocar as vírgulas no texto. Olha aqui:
irás voltarás nunca morrerás. Vamos por as vírgulas: IRÁS, VOLTARÁS NUNCA, MORRERÁS!
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Biografia: O poeta Lavinsk Vetter vem assegurando seu lugar ao sol graças a sua maneira simples e bem elaborada de organizar palavras. Assim ele se define: um organizador de palavras. Tem dois livros editados. É membro correspondente da Academia de Letras de Teófilo Otoni, MG; é ator, comediante, contista, romancista, admirador de cultura popular, um sonhador. Seu mais recente livro foi lançado na Bienal de São Paulo em agosto de 2008. Mais sobre o autor acesse: WWW.lavinskvetter.com. Lavinsk Vetter: certeza de bons textos, prazer de uma boa leitura.
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