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Aos poucos o verde das plantações de soja foi desvanecendo. Depois do tom amarelado as folhas ficaram enrugadas como a pele do rosto de uma pessoa idosa. Quando alguém colocava uma, duas ou mais delas na palma da mão, e fechava-a, ocorria uma espécie de trituramento em decorrência do emurcheço.
O resultado final dá estiola prolongada mostrava a cara desavergonhada. Seu efeito nocivo sobre um povo, já sofrido pelas injustiças sociais, parecia não lhe causar remorso.
As águas do riacho, antes abundantes, agora se restringiam a poucas poças aqui, ali, acolá. Numas o gado matava a cede, noutras as mulheres lavavam roupas. Outras eram destinadas ao banho.
Muitas fontes de água potável também não resistiram, e esvaíram-se lentamente. As poucas que se mantinham firmes no embate de forças com aquela anomalia, tornaram-se pontos para onde convergia a população do lugarejo. Curtas peregrinações com um só objetivo: encher baldes e latas, e sem delongas retornar aos seus pontos de origem.
A garotada continuava alheia a tudo, bem distante da realidade e das inquietações. Os caniços de bambu, as linhas e anzóis tinham perdido a serventia. Agora, o passatempo era os bodoques, e as arapucas.
Já os dias dos adultos eram tomados pelas preocupações. A safra daquele ano estava perdida. Como pagar os empréstimos contraídos junto aos bancos? Não havia outra saída a não ser entregar às terras as instituições financeiras para quitar os empréstimos, e juntar-se ao MST.
Naquele momento a afluência era pela água potável. Logo, logo seria pela terra. Uma odisseia regional, estadual ou talvez nacional. Por um período de tempo que, não estava em suas mãos, os mesmos seriam obrigados a viver como nômades, morando em assentamentos, aqui, e ali, como folhas secas levadas pelo vento.
Os dias começaram a findar com o céu enegrecido, e vez por outra com trovoadas esparsas. Nesses finais de tardes, inícios de noites, aumentavam a esperança de que, a qualquer momento iria cair um toró d’água. É claro que todos tinham ciência de que um aguaceiro aquela altura não os livraria dá calamidade, mas acabaria com a escassez de água. Porém, quando a noite, deveras, assumia o seu turno o céu ficava estrelado, e não se via mais, se quer resquícios de nuvens carregadas. Quando a esperança acaba a realidade faz do fraco uma piada, e era isso que a mesma fazia com os moradores do povoado. Gracejava como quem diz bem feito pra vocês.
O gorjear alegre dos pássaros pulando de galho em galho fez com que aquele alvorecer fosse diferente dos outros. Até mesmo a criançada sabia que, quando a passarada fazia um alarido como aquele era porque sem delongas a chuva chegaria, por isso, a certeza de que os meses de sequidão estavam prestes a findar era inabalável.
Depois de muitos trovões e coriscos os primeiros pingos atingiram o solo, deixando pequenas marcas nos locais onde uma fina camada de poeira encobria o chão duro. Na medida em que foram se intensificando uma enxurrada, inicialmente um pouco tímida, tomou forma, e arrastou consigo ladeira abaixo aquela fina camada de pó, junto com pequenos galhos e folhas secas.
Depois de praticamente uma semana de chuva, o sol um tanto acanhado apareceu entre as nuvens, mas já não era mais motivo de preocupação. A seca havia acabado, e se ouvia de longe o barulho das águas do riacho, agora, transbordando.
Aos poucos o verde voltou a predominar. Onde antes havia plantações de soja, agora imperava o verde dá erva daninha.
De acordo com o esperado, muitos moradores do vilarejo se viram obrigados a entregar suas terras às instituições financeiras para quitar empréstimos, e juntar-se ao movimento dos sem terras (MST).
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