O passageiro ao meu lado falava alto e zombava dos passageiros que ousavam chegar ao fundo do ônibus. Todos tinham a garantia de ser ofendidos, porque o desembarque era na porta traseira. O “entertainer” da viagem dava sinais indiscutíveis de embriaguez. E alguém que não entendesse a situação, portanto, ficasse zangado com os impropérios, poderia tirar satisfação com o provocador do fundo do ônibus.
A embriaguez e a folga do sujeito impediam sua avaliação de quem deveria ser desrespeitado, de modo que ele mexia com pessoas de qualquer temperamento, tamanho e aparente força. O cara realmente parecia possuído por um espírito obsessor.
O protagonista de tudo o que está nos primeiros parágrafos era o meu amigo, isso me colocava no epicentro da ocorrência. Por, em muitos momentos, rir da situação, eu seria facilmente confundido como cúmplice. A disposição da nossa turma de amigos com mochilas não deixava dúvidas: estávamos viajando juntos, então, cabia a um dos amigos, do inconveniente passageiro, neutralizá-lo e estabelecer a paz coletiva no coletivo.
Voltávamos de Santa Isabel, interior de São Paulo, aquele era o terceiro ônibus que estávamos. Para meu amigo chegar àquele estágio, muitas garrafas de bebida destilada foram esvaziadas. Aquela viagem parecia não ter fim. Não adiantava tentar contê-lo, cada cidadão que se dirigia ao fundo do ônibus era brindado com uma zombaria de “boas vindas”.
No final, desembarcamos, meu amigo ébrio e eu. Eu estava contente por ele chegar com vida e sem escoriações. Entretanto, a complicação podia aumentar. Perto de sua casa, um bar tradicional estava aberto e isso era o suficiente para interromper a calmaria. Fui dissuadido pelo escândalo que o vazio da rua dava a qualquer discussão mais ríspida. Tomando cuidado com os ecos da rua vazia, eu preferi evitar que aquele drama se tornasse público.
O bar parecia exercer uma atração. Meu amigo não aguentou a sedução do bar e foi sugado para dentro dele...
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