Nessa semana ocorreram várias comemorações em homenagem aos cem anos da imigração japonesa para o Brasil. Repetitivas reportagens falam sobre o heroísmo, sobre as dificuldades e a ascensão dessa gente que atravessou um oceano inteiro para se instalar em uma terra completamente desconhecida. Eu, particularmente admiro muito o povo japonês. Cultivam valores importantes na formação do caráter, são muito trabalhadores e respeitam muito as suas origens. Possuem um postura enquanto povo e indivíduo que seria vitoriosa em qualquer lugar do mundo.
Relembrando as parcas e tênues aulas de história que eu tive no segundo grau da Escola Estadual Cidade de Curitiba, percebi que a maioria das reportagens exibidas durante toda a semana negligenciam uma informação importante, determinante para a vinda dos japoneses e outros povos para o Brasil. Essa dado talvez explique a realidade social que vivenciamos atualmente. Dá pistas das causa da miséria, da pobreza, da ascensão de uma classe e da decadência de outras. A informação a que me refiro diz respeito ao fim oficial da escravidão. Digo fim oficial porque essa praga é inerente à história desse país. Não pode ser considerado livre um sujeito que tem que trabalhar até à exaustão para ganhar um salário mínimo.
Quando foi “abolida” (abolida é ótimo!) a escravidão no Brasil, os donos das “Casas Grandes”, que não coincidentemente também eram os donos das cadeiras do parlamento e, com a instauração sistema republicano, e tornaram-se também presidentes, preferiram importar mão de obra do outro lado do mundo só para não ter que pagar um salário a quem antes trabalhava de graça. Não sei se o critério utilizado para fazer essa escolha foi fundamentado numa perspectiva de maior produtividade ou simplesmente a vaidade mesmo. Thomas Skidmore, em seu livro “Uma História do Brasil”, dá pistas sobre a possível resposta. Segundo ele, ocorreu uma tentativa de “branquear” a população brasileira. Esse foi um dos motivos da vinda dos imigrantes.
E aí você me pergunta: onde fica o negro nessa história? Fica onde sempre esteve nesta terra que vivemos: nos morros, nas periferias e, mais recentemente nos presídios e nas estatísticas criminais. “Mas que triste escolha!” pode pensar alguns. É amigo, o negócio não foi brincadeira não. Entendo como escolha a situação em que você tem mais de uma opção. E não foi exatamente isso que aconteceu. Depois de terem sido escravizados por mais de trezentos anos pelo simples fato biológico de terem a tez da pele escura ( quer desculpa mais esfarrapada do que essa para poder fazer os outros de escravo né rapaz...?), não puderam, enfim trabalhar sob condições dignas e receber um salário por isso. Preferiram trazer uma galera de lá do fim do mundo para não ter que pagar aqueles considerados e vistos como inferiores.
Outro dia eu li uma reportagem da revista Superinteressante sobre a proibição da maconha no Brasil. Hoje em dia se utiliza o argumento de que esta droga é um perigo para a saúde pública. Mas a primeira motivação foi pura e intencionalmente baseada (bom trocadilho, não?!) no preconceito. Há registros de que a galera depois de um dia inteiro de trabalho forçado fumava um à noite para relaxar. Era um hábito mais relacionado aos negros. O baseado tinha até um nome engraçado: “Cigarro de Índio”. Era vendido nas farmácias até a sua proibição. Quem vendia, pagava multa (os farmacêuticos). Quem fumava, era preso (os negros). Pois é, nesse país sempre se arruma um pretexto para empurrar o “fumo” no mais fraco.
Quando olho as principais listas de aprovados nos vestibulares, nomes de juízes, empresários ou outra classe de pessoas tidas como bem sucedidas, sinto a falta dos “Silvas”, “Souzas” ou ”Santos”. Normalmente estes últimos aparecem mais nas páginas policiais. Nas melhores listas os nomes estrangeiros são os mais constantes. Não estou emitindo qualquer tipo de opinião xenófoba, bem como não estou querendo diminuir o mérito de pessoas que estudaram muito e possuem gabarito para figurarem em determinadas listas de sucesso. Faço apenas uma alusão da importância que teve a dignidade conquistada pelos avós e bisavós dessas pessoas. Tiveram a oportunidade de quebrar o ciclo cruel que condena os descendentes à pobreza. Oportunidade é diferente de ajuda. Ajuda é dar mais força ao fraco. Oportunidade é dar uma chance ao corajoso. Muita gente de sobrenome estrangeiro não aproveitou essa oportunidade há muito tempo atrás. Mas é fato que foi negada ao negro essa oportunidade. A gente pobre desse país até hoje não tem o direito à educação. Também são condenadas à morte nas filas de hospitais. São condenadas aos piores empregos, e o que é ainda mais grave, são os que mais sofrem com o desemprego. São esquecidos, discriminados e vistos com indiferença. Freqüentam as sinaleiras e as calçadas frias. Amontoam-se nos morros vivendo com os ratos, com o esgoto e mais uma série de eventos capazes de depreciar a auto estima de ser humano.
As piores perversidades não são físicas. São as psicológicas. Aquelas que perpassam o corpo e machucam a alma. Durante muitas gerações conseguiram destruir a esperança de um povo, que se sente brasileiro somente de quatro em quatro anos. Conseguiram condicionar uma multidão de seres sem perspectivas, sem auto-estima e sem identidade. Pessoas tão laceradas emocionalmente a ponto de não sentirem-se ninguém. Quantas vezes já ouvi um pai dizer ao filho: “estude para ser alguém na vida”. É uma frase muito dolorida de ouvir, porque, normalmente, as pessoas que dizem isso já se entregaram ao ciclo cruel que se repete há imemoráveis tempos.
Muitos podem até dizer: mais um demagogo, mais um falastrão. Realmente é muito fácil falar. Pior é ficar calado, e consentir que a injustiça não é ruim, contanto que se esteja do lado menos prejudicado. Não sou militante. Meu único partido é “o coração partido”. Também não participo do movimento negro. Às vezes até discordo de alguns posicionamentos, apesar de considerar a causa profundamente justa. Sou apenas um cidadão que observa tudo isto inerte e vencido, no sentido de não poder fazer grande coisa. Então expio minha culpa escrevendo um texto que eu sei que somente meia dúzia de pessoas vão ler e talvez nenhuma delas dê grande importância ao conteúdo.
Para finalizar, gostaria de congratular toda colônia japonesa por cem anos de trabalho e de Brasil. Gostaria muito que os nossos líderes seguissem o exemplo povo japonês de dedicação respeito e justiça para com seu filhos. Ficaria muito feliz também se, um dia, esse povo sofrido e humilhado do nosso país tivesse também tantos bons motivos para comemorar.
Rafael Dias.
Amigo de Sophia: www.amigodesophia.blogspot.com
|