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CUIDANDO DOS OSSOS
Cuidando dos ossos
Henrique Pompilio de Araujo

Resumo:
Um espírito materialista faleceu e ficou ali cuidando do seu corpo até que o mesmo se acabou.

MORREU E FICOU CUIDANDO DOS OSSOS
     - Faz muito tempo que o senhor está cuidando dos seus ossos?
     - Sim, faz, quase 30 anos, desde que faleci que estou aqui?
     - Por que cuida tanto dos seus ossos?
     - Por que foi com eles que tive um corpo formidável, era feliz e fazia tudo o que eu queria.
     - Nunca tentou sair daí?
     - Já saí várias vezes. Ando por aí, mas de repente estou aqui. Não sei o que me puxa aqui.
     - Quer dizer que o senhor viu toda a sua decomposição desde o início?
     - Sim, não tive escapatória. Me jogaram aqui. Você não imagina como o meu corpo fedia. E os vermes me corroendo até o cérebro. Até cobra apareceu por aqui e engoliu meu coração. Vi tudo isto e não pude fazer nada.
     - Pra ver amigo, não adianta ficar adorando ossos. O senhor foi uma pessoa inteligente, famoso, bem apessoado. Tinha uma memória excelente, olha só o que virou? Olha bem suas mãos finas, acostumada a assinar sentenças sofredoras aos que lhe procuravam, olha só no que restou do seu cérebro, que nem existe mais. Que adiantou seu rosto maravilhoso. Por que ficar adorando ossos?
     - Para me relembrar do tempo feliz que eu vivi. Tinha tudo o que eu queria, fazia o que queria, passeava por todos os lugares, e as mulheres... quantas belas mulheres eu tive. Hoje estou aqui completamente abandonado.
     - Vai ficar aí até quando?
     - Até que o último osso acabe. Aí sim, vou saber que eu não existo mais.
     - Mas o senhor vai continuar existindo. O senhor não é este monturo de ossos que está aí. Não vê está aqui falando comigo. Acha que seus ossos fariam isto? Não tem vontade de sair daí?
     - Ter até que tenho, mas toda vez que saio daqui, encontro uma multidão de pessoas querendo me dar paulada. E se você visse a posição deles: todos maltrapilhos, com roupas rasgadas, mal cheirosos, a pele descarnada e a fisionomia de bicho.
     - São todas as pessoas que o senhor ofendeu na sua bela existência de juiz. Não tinha dó de ninguém. Mandou muita gente ao suplicio, à prisão, ao sofrimento.
     - Mas isto foi há muito tempo e eles mereceram, ou você acha que condenei só santinhos?
     - Não é este o caso. Quem tem o direito de julgar é só Deus. Como juiz, devia aplicar a lei com mais brandura e caridade. Condenou pessoas que não fizeram nada, favoreceu bandidos, amigos íntimos. Por falar nisto, cadê os seus famosos amigos?
     - São todos uns covardes. Estão muito piores do que eu e mesmo se quisessem me ajudar não poderiam. Devem estar queimando nos infernos.
     - Ou adorando ossos como o senhor. Não quer sair daí?
     - E para onde eu vou? Levar paulada e viver neste lamaçal juntos aos meus inimigos?
     - Não, eu te levo a um lugar melhor, mas precisa ainda combater os males que vivem no senhor. Por exemplo, ter mais humildade. Estas pessoas que estão aqui são seus irmãos que vós mesmo tiraste do caminho. Irás comigo, vai se melhorar e depois você voltará aqui para resgatar a todos eles.
     - Vou com o senhor, eu me melhoro um pouco e venho aqui para apanhar de novo?
     - Não. Você surrupiou todos eles. Precisa ter alguma coisa para oferecer a eles agora. O que você tem?
     - Nada. Não tenho nem pra mim.
     - É isto. O senhor vai comigo para adquirir conhecimentos, fazer um tratamento geral e só quando estiver melhor voltará aqui. É provável que eles já tenham te perdoado e encontrado um caminho.
     - Não sei quem é você amigo, mas foi a única pessoa que se importou com meus ossos, aliás comigo. Vou com o você. Estou mesmo muito cansado de ficar aqui. Que Deus tenha pena de mim.
     Assim partiu o nosso juiz para um lugar melhor depois de purgar seus pecados nos devidos lugares.


Biografia:
Henrique Pompilio de Araújo, nascido em Campo Mourão PR e radicado em Cuiabá MT. Começou a escrever desde cedo. Professor aposentado, bacharel em Direito e Teologia. Trabalhou em diversas escolas em Cuiabá e alguns jornais do Estado. Publicou sua primeira obra em 1977: Secos & Molhados - Poemas. Ultimamente publicou outros livros: "Flores do Além" Poemas, "Contos da Espiritualidade" - Contos, "Nas curvas da vida" Memórias, "Cinquenta contos" Contos. Há muitas obras ainda esperando edição.
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