Ao se falar na formação da política enquanto ciência, pressupõe-se a autonomia do fazer político, o que significa que apesar de a política estar presente em muitas esferas da sociedade, como na atividade social, econômica e religiosa, seu estudo científico decorreu de uma cisão entre esses âmbitos e a política em si, em uma tentativa de torná-la analisável e específica, o que contribuiu com seu desenvolvimento e garantiu o surgimento oficial da ciência política. Para situar seu estudo no tempo, é importante retomar os pensamentos de exímios pensadores da antiguidade. Aristóteles, por exemplo, com sua célebre frase “O homem é um animal político”, convida a refletir acerca da organicidade do poder e da organização social na Grécia antiga. Sua afirmação só recebe pleno significado quando considerada no contexto em questão, uma vez que a política consistia em uma atividade direta e fortemente presente nas relações entre os cidadãos, sendo que havia inclusive um lugar da pólis destinado a tal atividade, que a caracterizava como um espaço político e social a um só tempo. No entanto, o conceito de ambiente social será mais explorado posteriormente pelos romanos. A partir disso, estabelece-se uma diferenciação entre o fato de os gregos antigos participarem da pólis enquanto os cidadãos modernos constituírem a sociedade, pois a pólis evoca uma dimensão de coletividade, preservando o individualismo mas convidando a integrar-se ativamente no social-político, enquanto que a vida em sociedade promove um distanciamento da vida política, notando-se assim uma clara separação antes inexistente. Desse modo, é natural que a ampla dedicação do povo ocorra no nível da sociedade, e a política fique relegada a um grupo mais seleto. Avançando na história, durante a Idade Média, a atividade política independente alcançou percalços de ordem institucional, visto que o poder estava vinculado à igreja e confundia-se a ela, o que dificultava o entendimento de que a política é um sistema lógico e sustentado por regras próprias.
O historiador grego Heródoto buscou discutir a melhor forma de governo, de modo prescritivo e apresentando seus respectivos problemas e vantagens. A classificação resultou em três modelos distintos de poder: o governo do povo, ou isonomia, que possibilitaria a distribuição igualitária do poder e o controle do mesmo pela maioria, mas por outro lado, a massa estaria manchada pela ignorância, pela prepotência e pela corrupção; a oligarquia, ou governo de poucos, que selecionaria os mais aptos a gerirem o espaço social. No entanto, o mesmo governo poderia resultar em desavenças que conduziriam ao seu declínio; e a monarquia, que apesar de tornar propício o desvio de caráter dos governantes em razão da ausência de controles, se mostraria superior à isonomia e à oligarquia, em razão do fracasso dessas e da necessidade de estabilidade. Inovando a concepção de poder, o pensamento de Aristóteles sugeriu um tom mais descritivo ao atribuir um aspecto qualitativo à questão do poder, ao utilizar como critério não somente a quantidade de governantes, mas sim lançando a pergunta “como governar? Para o interesse particular ou para o bem comum?” Assim, o pensador definiu três formas de governo: monarquia, aristocracia e democracia ou politia, sendo que a monarquia seria a melhor opção. Do mesmo modo, teorizou sobre suas formas degeneradas: tirania, oligarquia e oclocracia, respectivamente. Com o despontar da modernidade, a razão estabeleceu-se como fator principal, pois é a partir dela que os seres humanos reconhecem-se como iguais, ao compartilharem tal característica fundamental, assim como assegurou a consciência e a possibilidade de livre arbítrio, ou seja, a concepção de liberdade e a não aceitação de imposições infundadas que levam à dominação. Pode-se portanto afirmar que a frase “a essência do homem é a razão” condensa os princípios que guiaram o pensamento moderno, gerado a partir do Iluminismo e da prevalência da racionalidade como meio de se alcançar o progresso da humanidade.
No pensamento político moderno, a igualdade adquire um sentido de que o bom funcionamento da sociedade só ocorrerá no momento em que todos os indivíduos estiverem no mesmo nível político e poderem gozar dos mesmos direitos. Ou seja, as diferenças entre os cidadãos não podem ser favorecedoras da supremacia de um grupo de pessoas sobre outro. São Tomás de Aquino teve um papel importante na modernização da concepção de poder, ao afirmar que embora o princípio originário do poder tenha raízes divinas, o seu uso é essencialmente humano, tendo o povo como sua fonte. Certamente tal pensamento suscitou divergências entre a nobreza e o clero durante a Idade Média, anunciando uma nova perspectiva acerca das faculdades políticas. Posteriormente, o filósofo inglês Thomas Hobbes se consagraria com sua frase “O homem é o lobo do homem”, estreitamente relacionada ao poder, uma vez que alude à ideia de que sem um aparato que ordene a vida entre os homens, esses entrarão em conflito pela busca de seus interesses pessoais, visto que são maus por natureza. Em contrapartida, a máxima hobbesiana significa ainda que sendo o homem o limite ao próprio homem, ele é também uma forma de libertar-se. Daí, advém novamente a chance de libertação, perpetuando o ciclo razão-liberdade-igualdade.
O pensamento de Maquiavel é muitas vezes resumido a uma frase que já sofreu tantas distorções em sua interpretação: “Os fins justificam os meios”. Entretanto, o pensador não a utilizou com o intuito de afirmar que os meios podem ser totalmente livres desde que sua finalidade seja nobre ou seu resultado, benéfico à vontade geral, pois a partir da interdependência entre os meios e os fins, conclui-se que os meios podem comprometer os fins. Outro erro do senso comum é atribuir o termo “maquiavélico” para caracterizar suas ideias. O significado da expressão adquiriu um viés negativo e radical, denunciando a defesa da tirania, mas Maquiavel não compactuava com essa forma degenerada da monarquia, pelo contrário, ele teceu duras e claras críticas a esse respeito. O propósito no qual o pensamento do filósofo florentino estava centrado era o progresso social pautado na estabilidade do poder e nos melhores meios para alcançá-lo. É natural que ao analisar os dois grandes pensadores políticos citados, Thomas Hobbes e Nicolau Maquiavel, pode-se perceber semelhanças entre seus pensamentos, como a ideia de que o regime monárquico constituía uma solução à problemática do poder e do bem-estar comum, ainda que Hobbes não defendesse declaradamente uma monarquia absolutista, mas sim um exercício absoluto de poder. Além disso, ambos concordavam que o homem era mau por natureza, e que o exercício da política, dissociado das demais instâncias, seria imprescindível para assegurar a estabilidade social.
A visão oposta sobre o fenômeno de poder, é vista com o despertar do liberalismo político, uma vez que essa doutrina se opõe ao absolutismo ao considerar os valores individuais e a mínima intervenção estatal como forma de garantia da ordem. Posicionando-se de modo contrário ao poder político, o liberalismo visa à defesa das liberdades individuais, uma vez que o absolutismo pode ser um meio para cerceá-la. Os direitos individuais inalienáveis são aqueles que são naturais ao indivíduo, que devem ser assegurados a todo custo e não devem ser transferidos ao Estado. Um nítido exemplo, é o direito à propriedade. A defesa desses direitos pelo liberalismo decorre da importância superior que é atribuída ao indivíduo em detrimento do poder estatal. No entanto, essa ideologia guarda consigo um caráter utópico, tanto quanto é comum designar os grupos de extrema esquerda, visto que utilizando o exemplo do direito à propriedade, é perceptível que apesar de o liberalismo conceitualmente fundamentá-lo, nem todos os indivíduos dispõem de meios materiais para adquiri-la. Esse é somente um caso da face ambígua de tal modelo político. Contudo, não se pode negar as contribuições do liberalismo à política moderna, como a elaboração de recursos de proteção aos indivíduos, como o direito de expressão e o habeas corpus, visto que se atribuiu uma importância imensurável aos valores individuais, ao passo em que também auxiliou no combate ao autoritarismo e ao Estado totalitário, elementos muito presentes em governos devotos ao absolutismo.
Advinda do grego “demokratia”, a etimologia da palavra democracia remete ao governo do povo. Todavia, não é fácil definir essa forma de governo, pois no decorrer da história, muitos povos adotaram seus princípios de modo muito variado. Até mesmo o conceito de povo se modifica conforme o viés político que se adota. Por exemplo, o conceito de democracia para os liberais é diferente daquele utilizado na Grécia antiga. Enquanto que na Antiguidade, a ideia de democracia estava muito mais vinculada à participação popular direta nos assuntos da pólis, o liberalismo enfatiza o aspecto da liberdade que é indissociável ao meio democrático, o que se justifica pela discordância dos liberais em relação à designação de povo como um todo orgânico, visto que segundo eles, na democracia não há espaço para a individualidade, além de a coletividade abrir brechas para o totalitarismo, o que os leva a definir a um modelo de democracia regido pelo princípio da maioria, sendo que de acordo com os liberais, o melhor governo democrático sustenta-se pela maioria limitada. A democracia tem uma meta muito nobre de eliminar a violência. Para isso, ela valoriza os meios, ao invés de atribuir excessiva importância aos fins e reitera as regras referentes à disputa política, contando com a prestação de contas por parte dos governantes, e com a efetiva representatividade dos grupos sociais considerados minoritários, que assim como os demais, merecem ter sua voz ouvida e seus direitos políticos assegurados.
Nitidamente, discorrer sobre democracia é uma tarefa ampla. Para classificá-la, pode-se dividi-la entre democracia liberal, que visualiza os indivíduos como cidadãos dotados de liberdades individuais que se sobrepõem ao poder absoluto, em posição defensiva e mais distanciada da política, e em democracia direta, que conta com a participação ativa dos segmentos populares e considera a coletividade e o conjunto de sujeitos integrados ao meio social como superiores aos indivíduos isolados. Jean-Jacques Rousseau, um dos maiores defensores da democracia direta, reuniu ideias que divergem dos pensadores liberais como Thomas Hobbes. A discordância já se inicia na concepção rousseauniana de que o homem é bom no estado de natureza, mas que por meio das consequências do contrato social, como a regulamentação do direito inalienável à propriedade privada, corrompeu-se. Com sua frase “estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a terra não pertence a ninguém”, o pensador iluminista procurou criticar a propriedade privada como fundadora artificial das desigualdades sociais, posto que seu pensamento baseia-se na coletividade e na garantia de igualdade entre os indivíduos. Posteriormente, nota-se que suas ideias influenciaram o ideário socialista, uma vez que a noção de propriedade é também um dos principais pontos de crítica dessa ideologia, além de seu aspecto coletivista sustentado pela igualdade. Certamente, Rousseau foi alvo de muitas críticas em um contexto cujo raciocínio liberal já estava consolidado. Alguns exemplos são: o caráter utópico e impraticável de seus objetivos e convicções, visto que seria impossível atender igualmente à demanda de todos; a defesa de que o povo não está apto a participar diretamente da esfera política, e que o mesmo poderia aniquilar os preceitos individuais, propiciando um cenário tentador para o totalitarismo radical. No entanto, as reflexões de Rousseau vinculam-se primordialmente à ética e ao retorno da benevolência do Homem, possibilitando a análise sobre os limites da democracia representativa e o poder das elites e ressoando na atualidade, a partir do incentivo à participação política popular.
Quase sempre, verifica-se a tendência do senso-comum em confundir potência e poder. Todavia, existe uma tênue diferenciação entre esses conceitos. A potência diz respeito àquilo que pode vir a ser, ao qual se depositam expectativas e que está apto a se efetivar. Já a conceituação de poder abrange muitos prismas, sendo visto como algo a ser combatido e exterminado, ou como um meio constitutivo das relações sociais, relacionando-se com a ideia de força. Para Max Weber, o significado de disciplina é teorizado e relativo à dimensão do poder e alude à hierarquia involuntária presente nas relações humanas, em que ocorre a inclusão de comportamentos. Associada à condição de poder como meio de influenciar outros indivíduos, está a teoria subjetivista de poder, que relega ao segundo plano a ideia de poder como ferramenta externa aos cidadãos e foca nas qualidades intrinsecamente humanas que podem garantir um bom exercício do poder. Nesse contexto, um dos pensadores da teoria subjetivista, Talcott Parsons, é citado como o responsável por ter dissolvido o poder na autoridade, pois ele não reconhece a coerção como pilar para sociedades democráticas, mas atenta-se para a importância do consenso, do interesse comum e dos compromissos mútuos que guiariam as autoridades. Tal pensamento foi muito criticado por Gérard Lebrun, que considerava as ideias de Parsons como convergentes a um não-poder e de dominação negativa.
Não se pode falar sobre Estado sem considerar as relações que seu conceito estabelece com entes externos a ele, como sua inseparabilidade com o meio social e o comportamento da instituição estatal diante da coletividade. Ou seja, sua noção não se resume aos formalismos de um aparato que o caracteriza como Estado de direito. É por esse motivo que o Estado é entendido como relacional. A ampla maioria das mudanças históricas ocorreram em períodos de instabilidade reinante, e com a transição do estado liberal para o Welfare State, não foi diferente. A crise econômica no início do século XX substituiu o princípio do laissez faire pelo fortalecimento da instituição estatal. Assim, estabeleceu-se um contraponto, visto que no Welfare State, o Estado passou a atuar como um importante regulador da economia e estabeleceu condições para o modelo capitalista de produção. Tal visão sobre o Estado discorda dos pressupostos de Estado mínimo e de baixa regulação externa, tão prezados pelo liberalismo. A concepção marxista de Estado divide a ordem social em dois planos: o superestrutural, que compreende o meio cultural, político e jurídico. É nesse patamar que se insere tanto o Estado quanto as instituições políticas; e o infraestrutural, no qual está inserida a base econômica juntamente às relações produtivas, e cujos fenômenos explicam as intercorrências no mundo político, ou seja, na superestrutura.
É no contexto histórico da modernidade que surgem os partidos políticos, sendo o fruto da separação entre meio político e moralidade privada. Seu surgimento está associado à ascensão das democracias e aos elementos chaves da nova época: a participação popular e o consentimento como elemento fundante do poder. É desse modo que se torna evidente a problemática entre Estado e povo. Como resultado, irrompe um formato partidário conhecido como partido dos notáveis, caracterizado por um restrito nível de participação, uma vez que seus adeptos compartilhavam a ideia de que a elaboração das leis deveria ser uma tarefa assumida por pessoas competentes ao invés de ser relegada à classe popular, que não era considerada apta a tamanho empreendimento jurídico. Em relação ao eleitorado, a escolha do presidente ocorria com um forte viés pessoal sustentado pela confiança, ao invés de considerar suas propostas e sua ideologia de modo parcial. Por outro lado, o partido eleitoral de massa, de forte caráter socialista, é originário da esquerda operária. O partido mantém um distanciamento da massa e insiste na questão pedagógica como meio de conscientização. Sua presença política é marcante, e tem como meta a efetivação de decisões internas ao partido, no âmbito do Estado, concentrando-se em estratégias de cunho eleitoral que não visem às profundas transformações sociais ou a uma ampla identificação política.
O tema da cultura política associa-se à democracia, pois a cultura refere-se a um conjunto de práticas, símbolos e comportamentos próprios de determinado grupo, os quais impactam no comportamento político. Ou seja, ela tece vínculos entre indivíduos de uma mesma sociedade, proporcionando uma mútua identificação que não hierarquiza os cidadãos entre superiores e inferiores, mas os posiciona no mesmo patamar. É partindo dessa premissa, que se estabelece uma conexão entre cultura e democracia, uma vez que a democracia sugere uma ampla participação popular e se rege por princípios da igualdade entre as pessoas. Todavia, para que se alcance uma sociedade plenamente democrática, não basta que haja o bom funcionamento das instituições públicas, pois há muitos exemplos de sociedades ao redor do mundo que se auto afirmam democráticas, mas o são apenas em nível formal, visto que simultaneamente, verifica-se a exclusão social refletida em processos decisórios na política, o escasso capital social, e a desigualdade de acesso a serviços e direitos. Assim, torna-se fundamental a elaboração de princípios e valores que reforcem a integridade em todos os âmbitos das pautas e em todas as camadas da sociedade. Em relação à cultura política na modernidade, pode-se diferenciar dois tipos de solidariedade: a tradicional, de caráter privado e hierárquico, e a política, de viés público e que luta pela correção das injustiças sociais. No entanto, é comum a equivocada compreensão da solidariedade tradicional como uma ação de cidadania, em razão de sua face de dádiva e caridade, posto que a solidariedade tradicional apela à afetividade e ao moralismo, além de aliviar o sofrimento alheio. A cidadania, contudo, insere-se no ramo da solidariedade política, já que compete ao direito, e objetiva alterar a situação dos desassistidos e eliminar efetivamente as desigualdades sociais.
Para finalizar, é importante mencionar a importância da participação política como atividade cidadã. O conceito de participação política refere-se a uma ação pública que tem como intuito interceder na relação entre poder e Estado. Em muitos casos, abster-se de determinadas situações também pode ser considerado uma ação política. O nível participativo, no entanto, é o mais elevado entre os que compõem o exercício político, que passa pelo patamar da presença e posteriormente da ativação, para então ser considerado uma participação efetiva. Para muitos pensadores, o exercício político tem uma face orgânica e recorre ao ideal de equilíbrio, na tentativa de tornar a participação mais comedida. Por esse motivo, os adeptos de tal pensamento são chamados de funcionalistas. Contudo, o pensador Habermas teoriza seu parecer político na contramão da perspectiva funcional, visto que segundo ele, o funcional vincula-se ao liberal, com um forte tom de apatia política regada pelo conservadorismo. De acordo com o pensador, é errôneo reduzir a democracia aos aspectos técnicos da participação popular, que somente garantem a manutenção do estado de direito e do status quo. Por outro lado, percebe-se que muitas organizações de esquerda igualmente não contribuíram com a participação política democrática, ao invés disso, fortaleceram ainda mais a dominação, pois romperam totalmente como a ideologia oposta, o liberalismo, sem aproveitar os benefícios anteriormente adquiridos com ele no plano da sociedade e das instituições públicas e incentivando uma submissão acrítica a um ideal de igualdade que infelizmente não foi reproduzido, o que criou hierarquias e desprezou a autonomia individual. A verdade sobre o destino da luta histórica pela concretização dos mais nobres ideais de democracia, juntamente com as hostilidades que marcaram a batalha pela autodeterminação da humanidade tem suas raízes no período colonial do Brasil e se estende em ecos que clamam por um futuro emancipador em nível político, social, educacional e democrático.
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