A curiosidade infantil chegou ao limite quando eu participei, como espectador, de uma sessão de tortura. Apesar da Ditadura estar nos seus estertores, nada justificava aquele ato, mesmo tratando-se de um grilo (ou gafanhoto). O inseto (grilo ou gafanhoto) foi preso numa lata que foi colocada no fogo. O ruído dos pulos aumentou de intensidade, de repente cessou de vez. O serviço cruel havia sido feito. O animalzinho ardeu até virar cinzas.
Ano passado, uma nuvem de gafanhotos ameaçou parar por aqui para o almoço — provavelmente, o lanche e a janta também. Era o que faltava: uma praga bíblica, que nas Escrituras invadiu o Egito, quase veio atacar o setor que não ficou em casa confinado e por isso deu certo: a agricultura. A safra sempre é recorde. Quase a sanha desses insetos frustrou a expectativa. O País nem bem saiu do ímpeto da quadrilha petista por roubar, vem uma praga de gafanhotos com uma voracidade igualmente prejudicial e quase passa por aqui devorando tudo. Eu nunca confiei em quem só come vegetais.
Se o inseto sacrificado tiver sido um gafanhoto melhora a situação. Se viessem ao Brasil, os bichinhos devorariam plantações, portanto deixariam um enorme prejuízo. Despertariam tanta raiva, que seriam exterminados. Isso seria considerado “genocídio”, fazendo daquela tortura mortal mera brincadeira de criança.
Os gafanhotos esfomeados, apesar das previsões, não vieram saciar seu apetite com nossas plantações e isso foi bom. Mas a imolação, involuntária, que presenciei não perdeu o impacto perante o iminente assassinato em massa. O que seria um bicho (gafanhoto ou grilo) em comparação com incontáveis, asquerosos e famintos gafanhotos?
Desde então, espero a visita noturna do espírito do animal. Nessa madrugada, vamos sentar frente a frente, cara a cara, olhar olhos nos olhos e tirar a limpo aquele infeliz episódio. O grilo — ou gafanhoto, nunca sei quem é quem — saberá, enfim, que o martírio não consensual dele não foi em vão. Após esse capítulo catártico e muitas lágrimas, entregarei o endereço do meu irmão (outra testemunha da triste “brincadeira”) e mandarei o grilo (ou gafanhoto) tirar satisfação com ele. Por último, nosso amigo, o autor e principal estrategista do “crime” acertará as contas com o grilo (ou gafanhoto).
Acho que resolvi o meu lado, mas muitos demonstram traços de psicopatia com maus tratos a pequenos animais. Sei que não é o meu caso, já que o sacrifício compulsório do gafanhoto (ou grilo) me acompanha até hoje, mas esse capítulo serviu para forjar o meu caráter. Independentemente da espécie que assassinamos, o que ficou na minha cuca foi o grilo.
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