Sapatos, calça com remendos, camisa xadrez, lenço amarrado no pescoço, chapéu de palha. Pronto, a vestimenta estava providenciada, só faltava o bigode rabiscado com carvão. Foi com esse involuntário cosplay de Mazzaropi que fui despachado para a festinha junina da escolinha do pré-primário.
Isso não se faz com ninguém. Aceitei porque não tive escolha nem chance de defesa. Eu não sabia bem o quê, mas algo estranho havia com aquela roupa, eu nunca vestira nada parecido. Não era missa, festa de aniversário, mas algo inédito e embaraçoso estava para acontecer. A movimentação e o clima eram diferentes, as risadas entregavam. Eu tinha certeza que eu era o protagonista do “mico” e o motivo das gargalhadas.
Na verdade, eu já havia patrulhado cada cômodo da minha residência à procura de uma pista. Não era Natal, Ano-Novo, Páscoa ou qualquer outro feriado. Aparentemente, nada diferente. Entretanto, o mistério ainda continuava. Não restavam dúvidas, sobraria para mim.
Numa celebração de Natal da igreja, meio sem entender, burocraticamente tive que distribuir balas às outras crianças. Eu acho que deixei de acreditar em Papai Noel quando me fantasiei do velho farsante.
Voltando ao episódio em que me transformaram num caipira. Me senti constrangido, como um bovino indo para a fim. O trajeto até a escolinha durou uma eternidade, foi como o Corredor da Morte. Acho que só olhei para o chão e arrastei de pés.
Chegando lá, eu esperei a iminente humilhação, o bullying histórico. Entretanto, lá dentro, não foi o que vi. Quanto mais eu explorava a escolinha, maior era o desfile de amiguinhos igualmente ridículos, alguns piores. Comecei a me sentir melhor e até a rir de alguns. As meninas eram as únicas que ficavam bem, vestidas de caipira.
Depois, a surpresa: uma notícia boa e uma ruim. A boa: a Soraia seria meu par; a ruim: ela rolaria de rir ao me vir usando aquela roupa, aquele lenço, aquele chapéu e com aquele bigode postiço. Logo no dia que dançaria com ela, eu estava a cara do Chico Bento!
Não tinha escapatória, dancei a quadrilha. A vergonha só foi aumentando. Plateia e câmeras fotográficas registraram aquele momento para a eternidade. Nem os fungos e as traças dariam fim àquele disparate. Se acontecesse um ataque nuclear, tenho certeza, sobrariam as baratas e aquele retrato.
Ali, compreendi que a vida não era como eu queria. Tive que, literalmente, entrar na dança.
|