Reflexão sobre Mãe
Minha mãe está quase no fim, ainda resiste ao sofrimento da velhice, a perda de suas forças, a sua incapacidade para se alimentar, conversar, se locomover e realizar suas funções...
Sempre a encontro encostada de frente, debruçada sobre uma revista, sua expressão é de que lê atentamente, porém sinto que somente tenta preencher um espaço, como o de uma fotografia.
Seus pés estão inchados, suas unhas começam a cair e o principal, seu cheiro começa a enfraquecer, aquele cheirinho gostoso de mãe, como se o espírito quisesse se desprender do corpo.
Acho que persiste em preencher esse espaço para manter o poder agregador de nossa família, minha família...
Nós estamos dispersando, perdendo o interesse de mantermos algum contato, estamos nos dissolvendo na vida, procurando relocar esse espaço que estamos perdendo.
É quase Natal, minha mãe sempre nos dava a ilusão com seu amor que receberíamos o que Papai Noel prometia, a felicidade condensada em presentes...O que você ganhou? Eu ganhei um disso outro daquilo, enfim, coisas que um estrangeiro não entendia muito bem.
Parece que em pouco tempo vamos ficar efetivamente sem ela, porém mais ainda, vamos encerrar o elo que nos unia e não sabíamos, sua imagem em nós, a imagem de sempre haver um lugar mais aconchegante que o mundo lá fora, um lugar onde podíamos mostrar nossa fraqueza e matar a nossa fome.
A sensação é que quando aquela casquinha de ovo se for, eu vou sentir o vazio que sinto como na casa de minha tia, sua irmã, onde todos morreram e eu tomo conta sozinho da casa, os móveis, os retratos que parecem ter-se desconectados da memória...
Em pouco tempo, meus filhos e mais ainda meus netos não vão saber quem foi aquela senhora, com aquele olhar caridoso e forte, em pouco tempo a vida vai somente deixar dentro de nossos corações a sensação de que recebemos o amor e devemos passá-lo à frente, todo aquele exemplo que aquela mulher, aquela mãe deixou em nossos corações.
Dois meses depois ela nos deixou, e se apossou mais que nunca de nossos corações!
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