Nunca vou entender essa cultura vigente no nosso país de que o conhecimento está sempre nas mãos dos acadêmicos, dos bem nascidos, dos perpetradores do beletrismo, dos privilegiados. Somos uma nação que, infelizmente, não acredita em autodidatismo e sempre que pode os rotula de "falsos intelectuais".
O gênio e o louco, de Farhad Safinia, é mais um daqueles filmes que foi lançado nos cinemas tarde demais (digamos: um década pelo menos). Faz parte de um imaginário que se perdeu no circuito exibidor de cinema: o de filmes inteligentes, para aqueles espectadores que desejavam sair da sala de projeção transformados de alguma forma. Hoje em dia isso caiu em desuso por conta do sucesso de empresas como a Marvel, a DC, a Lucas Film, que visam como primeiro objetivo o lucro e a quebra de recordes de bilheteria.
Todavia, como não pertenço a esta geração que vê a sétima arte como mero entretenimento e sempre gostei do desafio de pensar (algo que anda em extinção na atual sociedade), foi com grata surpresa que me deparei com um longa que respeita os cinéfilos amantes da língua, da literatura como um todo e também de uma história bem construída.
O filme de Safinia conta a história da criação do dicionário Oxford. E tão difícil missão passa pelas mãos de dois homens cujas formações incomodam à sempre pedante intelligentsia britânica. O primeiro é James Murray (Mel Gibson), um autodidata escocês, tudo que as cabeças mais brilhantes de Oxford detestam, por considerá-lo um homem indigno (por não possui diploma de nível superior) para tal missão. E o segundo, ainda mais grave, é o médico William Chester Minor (Sean Penn, fantástico!), condenado a viver num manicômio após ter cometido um crime leviano.
Porém, o que entendem esses homens de terno-e-gravata, portadores de PHD, sobre estar realmente habilitado para realizar uma missão dessa magnitude?
Nunca imaginei que criar um dicionário pudesse dar tanto trabalho e gerar tanta política. O longa aborda toda a luta de Murray para construir um compêndio que pudesse representar toda a nação inglesa, e não somente a elite que considerava certas expressões e palavras populares desnecessárias. Houve, inclusive, um momento em que cheguei a correlacionar a saga de Murray à criação da Bíblia de Gutenberg, tamanho os interesses que estavam em jogo naquele momento.
A eterna mania opressiva e radical dos engravatados acadêmicos de exibiram seus diplomas como solução para o mundo resvala na inteligência nítida de Minor, um homem atormentado por sua própria loucura, o que o leva a um comportamento por vezes quase animalesco, mas sob certo prisma coerente com a sociedade maquiavélica na qual vive. E é esse homem o único que realmente entende o sonho - para muitos, um delírio - de Murray. Somente esta dupla e não um bacharel, mestre ou doutor conseguirá entender a grande provação que é criar uma obra literária deste nível.
Pena que os espectadores de hoje - os mesmos que acharam a adaptação de O código da Vinci, de Dan Brown, uma sucessão inesgotável de blá blá blás (pois é: conhecimento hoje em dia entrou para a categoria de desnecessário, vide o sucesso de certos "ignorantes" na indústria fonográfica e literária) - não tenham a paciência necessária para comprar o roteiro lúcido de John Boorman (criador de filmes memoráveis como Excalibur, Amargo pesadelo e Esperança e glória).
Mais uma vez (como já disse em outros artigos cinematográficos meus): quem perdeu foram eles mesmos!
O gênio e o louco não é franquia, remake, spin off ou sequel de nenhuma outra mercadoria gratuita que vem sendo feita nos últimos anos em hollywood. Pelo contrário: é filme para corajosos e sobreviventes dessa eterna mania do mundo globalizado de querer "esvaziar a cabeça das pessoas". Honestamente: não sou bexiga para comprar essa torpe realidade.
Dito isso, recomendo o longa para aqueles que não aguentam mais sair de casa para ver os mesmos filmes ou a continuação dos mesmos. E, sim, ainda há vida inteligente na sétima arte. A diferença é que agora é você mesmo quem tem de procurá-la.
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