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O hércules do rock
(Rocketman, Elton John e a música nunca mais foi a mesma)
Roberto Queiroz

"Certas pessoas vieram ao mundo para brilhar", li certa vez num livro sobre cultura pop de autoria de um famoso pesquisador do gênero. Eram os anos 90 e muitas pessoas da antiga me diziam que o que era bom já havia passado há anos e eu não tivera a oportunidade de apreciar. Não concordei com o argumento (até hoje não concordo), mas mesmo assim o ouvi por uma questão de educação e respeito aos mais velhos (embora nem sempre eles estejam certos!).

O tempo passou, meus cabelos infelizmente se foram (por minha culpa, confesso) e continuei lendo e absorvendo a cultura pop como um lunático, um delirante, um apaixonado pelo tema. E dentre as inúmeras pessoas que povoaram - e povoam até hoje - a minha cabeça há um capítulo especial reservado à Reginald Dwight. "Eu não sei quem é", você está doido para dizer. Mentira. Você sempre soube quem era, só não conhecia o seu nome de batismo. Falo de Sir Elton John, o mago do piano ou, como gosto de chamar toda vez que o ouço no you tube, capitão fantástico (nome de um de seus álbuns mais foda!).

Pois bem: há anos quero ler uma biografia dele, mas nossas editoras não me ofereceram esta oportunidade até agora (parecem mais preocupadas e interessadas em auto-ajuda, livros místicos, de colorir, entre outras bobagens editoriais que povoam nosso mercado atualmente). Quem sabe agora, após a realização da cinebiografia Rocketman, do diretor Dexter Fletcher, também responsável por consertar muitas das asneiras contadas no longa Bohemian Rhapsody que concorreu ao Oscar esse ano, eles - os editores - enfim tomem coragem.

Mais do que uma mera cinebiografia, Rocketman é um grande musical (algo que eu vinha sentindo falta há algum tempo, pois hollywood anda confundindo o gênero com tolices na linha La la land). Trata-se, no caso da história do cantor, de uma grande viagem do céu ao inferno com toques de fábula e surrealismo, e mostrando o quanto o tão alardeado e idolatrado show business pode ser maléfico e destrutivo.

Fui ao cinema com um ponto de interrogação na minha cabeça, pois já sabia que o ator Taron Egerton (que interpreta Elton John) cantava todas as canções no longa e eu queria ouvir a voz do próprio Elton. Podem me chamar de chato ou antipático, mas às vezes críticos são cheios de pequenas manias incômodas. Acreditava eu que o filme poderia ser estregado por qualquer um cantando. Ledo engano! Taron se mostra sublime com uma voz precisa, que me surpreendeu. E não somente isso: fiquem de olho no rapaz, pois acredito que sua carreira deslanchará de vez a partir de agora.

Desfeita a primeira má impressão, é com olhos marejados de lágrimas que vejo o diretor passear por nuances do artista, sem a preocupação de seguir uma cronologia exata ou metódica. O que importa aqui é a jornada pela qual o jovem Reginald teve que passar para se transformar em Elton John e chegar ao estrelato. Elton é fruto de uma família disfuncial, cheia de problemas, um pai omisso, uma mãe preocupada única e exclusivamente com a própria vida. E tudo o que ele viveu pós-relacionamento familiar foi meio que uma extensão desses problemas.

A parceira com Bernie Taupin (vivido por Jamie Bell, não mais o garoto de Billy Elliot), o romance escandaloso com o opressor John Reid, a luta para se impor como homossexual (algo que, no início da carreira, impossibilitou sua jornada), a incerteza sobre o futuro, já que acreditava que seu talento só era possível por conta do envolvimento com o álcool e as drogas... Ser Elton John nunca foi fácil. Na verdade, uma tarefa para um verdadeiro Hércules (sobrenome que ele próprio assume no filme).

Alguns espectadores enjoados reclamarão da abordagem do filme (a história é contada do ponto de vista do artista numa clínica de reabilitação, procurando refazer sua vida após tantas más escolhas). Eu, confesso, gostei da postura de Fletcher porque durante anos li matérias sobre Elton John em que ele se dizia "lutando contra demônios pessoais" para se manter de pé dia a dia. E, além disso, somente alienados e fanáticos sem conteúdo esperam realmente que a trajetória de um artista desse gabarito seja feita só de alegria e satisfações.

Em outras palavras: nunca acreditei na vida artística sem deslizes ou tropeços. E quando me deparo com a terrível tentativa de me convencerem disso, fico achando que o mundo ou a sociedade está tentando me lobotomizar, isso sim. E isso, meus amigos, é perda de tempo.

Sempre vai ter algo ou alguém faltando na história de um ídolo para que os fãs mais xiitas possam dizer: "está vendo? ele escondeu...". Dêem tempo ao tempo e os detratores do filme aparecerão. Eles sempre aparecem.

Para os demais espectadores, os não interessados na polêmica (grupo do qual faço parte), recomendo Rocketman com euforia. Se em Bohemian Rhapsody reclamaram da falta de coragem em abordar certos aspectos da vida de Freddie Mercury, aqui o que vejo é uma produção cheia de ousadia, com números musicais esplendorosos e preocupada em retratar as aflições de um dos maiores artistas do século passado (e deste também). Que o diga as cenas de sexo cuja exibição foi proibida em alguns países. Que babacas! Querem transformar Elton John em algo que ele não é. E ainda se dizem democráticos.

Ao final da sessão, leio que o cantor está sóbrio há 28 anos, casado e com dois filhos adotivos. Ou seja: venceu a batalha, decidiu seguir em frente, contra tudo e contra todos. Bem fez ele. Somente um Hércules do rock n' roll para vencer uma batalha dessas!

Longa vida a ele.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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