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Aconteceu. De novo.
(uma crônica triste sobre a tragédia de Brumadinho)
Roberto Queiroz

O Brasil é um país especialista em tragédias. E o pior legado delas é que aprendemos a nos acostumar com cada detalhe sórdido (e quando não nos acostumamos, vemos nossa raiva virar incômodo e o incômodo, impotência. Impotência diante de um Estado que nada faz de fato na prática para coibir, minorar ou combater esse mal-estar profundo).

Pois bem: assim como aconteceu na cidade de Mariana, mais uma vez o estado de Minas Gerais foi afetado pelo rompimento de uma barragem (desta vez pertencente à Vale do Rio Doce), levando o caos e à morte de cidadãos que não aguentam mais tanto sofrimento. Desta vez o alvo foi a cidade de Brumadinho e a notícia apareceu na frente, nos tablóides, de forma quase abrupta.

Afinal de contas, são tantas as tragédias recorrentes no país nos últimos anos (que o diga a violência que tomou conta do Ceará nos últimos dias!) que não somos mais capazes de nos dar conta de quando aconteceu uma nova.

Tragédias viraram clichês no Brasil.

E toda vez que uma ocorre (lembram do morro do Bumba, aqui no RJ? Do Palace, na Barra da Tijuca? Da Boate Kiss, em Santa Luzia? Do acidente aéreo que matou o time de futebol da Chapecoense? Listar é uma tarefa inglória e levaria toda uma vida...) fica na boca um gosto amargo, um desejo de gritar: "o culpado é...". Então travo meus pensamentos e a resposta se perde no ar. Quem é o culpado? Quem será julgado, condenado, preso? Quem será responsabilizado?

Todas perguntas sem resposta. E sem resposta a longo prazo.

Vivemos num país onde empresários inescrupulosos e políticos tendenciosos ditam as regras, o modus operandi desta nação falha, sem identidade, que não conhece a própria língua, que dirá o hino nacional... Somos reféns da inversão de valores, onde cidadãos ditos de bem usam igrejas e ONGs para fazer a limpa no dinheiro suado de pobres fiéis (que pagam de otários com o maior orgulho!) e nos cofres públicos, através de tramóias muito bem urdidas.

Estamos no auge do triunfo da mentira e não nos damos conta. Enquanto isso, mais e mais inocentes perdem a vida em "tragédias ambientais" que nada mais são do que disfarces para acobertar a canalhice de uns poucos que se julgam acima do bem e do mal.

Perguntar até quando não me satisfaz mais (e acredito que muitos que lerão este artigo também não). Procurar soluções, com o passar do tempo, tornou-se tarefa cansativa e inconclusiva, pois somos um país de governos que não produzem legado. E por isso estamos ao léu, abandonados, o tempo todo olhando para o céu, à procura de uma resposta de Deus (provavelmente, o único que AINDA nos ouve).

A tragédia de Brumadinho traz em seu bojo, mais do que uma catástrofe como tantas outras deste país, um elemento ainda mais negro: a sensação de inconformismo eterno. De que as eleições mais uma vez não trouxeram ares de nada novo. E pior: já não dá mais para falar apenas "que pena!".

Não me considero um homem que coloca tudo na conta da esperança e do excesso de expectativa. Na verdade, sou descrente de muitas das convicções - prefiro chamá-las de reles ilusões e exageros - que andam em voga no país nos últimos anos.

Tenho visto muita coisa errada, muita gente saindo do país, muita gente falando mal de tudo, acusando todo mundo de alguma coisa (às vezes, só para sair bem na fita), muita gente posando de inocente e, no entanto, causando tanto mal-estar.

Em poucas palavras: tenho visto muito fingimento. E Brumadinho é mais uma trágica consequência dessa eterna mania de cruzarmos os braços e empurrar com a barriga, quando deveríamos chamar a responsabilidade para si. E não digo isso somente às autoridades. Falo também ao povo omisso e umbiguista, que tanto posa de patriota, mas só lembra do Brasil em dia de jogo da seleção de futebol.

É preciso mudar (já disse isso em outros textos meus). Caso contrário, viraremos novas vítimas desse teatro do bem e do mal em que vivemos.

Meus sinceros pêsames aos familiares das vítimas e que o ocorrido (garanto que isso também está sendo pedido por outras pessoas em todo o território nacional) sirva para que nossa sociedade tome vergonha na cara o quanto antes. Pois já passou da hora...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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