Ontem, já se fazia tarde
Caminhei, fui até a porta
Me demorei olhando a parede
Havia um enorme silêncio
Me decidi, abri a porta
Senti o sopro gelado da noite
Ouvi passos na escuridão
Mas ainda havia silêncio
Continuei caminhando
Abri outra porta
Senti o gosto amargo dos sonhos
Fiquei mudo, em pensamento, gritei
Ninguém ouviu
Eu ainda dormia
Corri desesperado, acordei
Eu ainda caminhava
Encontrei uma porta
Hesitei, não abri
Pensei melhor
Desisti de pensar
Sorri, dei as costas
Me deparei com uma porta
Novamente sorri
Olhei para mim, me calei
Abri a porta, me assustei
Não havia ninguém
Só eu, olhando para mim
Um imenso vazio
Já não havia paredes
Senti saudades
O vazio é pesado
Esmaga, consome
Pedi ajuda, em vão
Ninguém soube me explicar
Mas consegui entender
Não há nada aqui
Só outra porta
Corri para ela
Parei no caminho
Fiquei indeciso
O pavor é infantil
Como eu
Ouvi risos
Ouvi aplausos
Me aproximei e abri
Era uma porta
Que dava para a vida
Tentei entrar
Não consegui
Só via pessoas
Muitas pessoas
Brincando e sorrindo
Brigando e dormindo
Matando e morrendo
Sem dúvida, era a vida
Me esforcei, implorei
Chorei, chamei
Parecia tão perto
Reparei que se distanciava
Assustado olhava
Não acreditava
Magoado pensava
Era só mais um passo
E eu não consegui
Cansado voltei
Parei numa porta
Era escura
Abri, entrei
Segui um corredor
Todas as portas abriram
Havia silêncio
Encontrei uma cadeira
No alto meu nome
Sentei, alguém se aproximou
Me estendeu a mão
E se apresentou
Seu companheiro eterno
Em forma de porta
Não se abriu
Vi que não precisava
Nada se abre
Nada se vê
Hoje sou prisioneiro
Deste mundo escuro
Quieto e fechado
Que é a morte...
®Valtencir – jun_1991
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