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Felicidade corporativa
(um mal-estar contemporâneo)
Roberto Queiroz

Eu não me considero um antipático ou mesmo um misantropo, mas esse tema do artigo de hoje precisava ser abrodado aqui nesse portal o quanto antes. Há um ar de felicidade exagerada (e combinada) no mundo. Prestem atenção! Nunca vi tantos sorrisos falsos e elaborados para vender uma imagem de "sou bem-sucedido", "sou o cara", "minha vida é o máximo!" nas redes sociais. O problema: todos esses sorrisos não refletem a realidade da vida dessas pessoas. Trata-se de uma felicidade forjada para convencer os outros de que a pessoa está bem.

O que significa sorrir atualmente? Lembro de quando a Sessão da Tarde exibia o filme Caravana da Coragem e havia uma menininha loira encantadora, com um sorriso que até hoje não vi igual na história do cinema (e olha que eu procurei!). Aquilo era espontâneo. Aqui no Brasil o comediante Costinha produziu os melhores sorrisos e gargalhadas que um artista do humor foi capaz de oferecer (e muitas vezes contando piadas cabeludas, até sujas!). Já em Simplesmente Feliz, do diretor Mike Leigh a personagem Poppy (interpretada pela atriz Sally Hawkins, atualmente em evidência pelo ótimo A forma da água) exagera - a meu ver - a querer extrair sorrisos de cada segundo de sua vida. Pois bem... Desde que assisti Simplesmente feliz venho percebendo com mais frequência o exagero em que se tornou tal prática.

Vivemos a ditadura da felicidade. E ai daquele que mostrar sua tristeza e seus problemas em público, pois será visto como um mal-amado ou coisa pior.

Nos filmes da Marvel - coqueluche do cinema americano atual - batalhas sangrentas e sórdidas são entremeadas por piadas às vezes sem noção, completamente descontextualizadas da história ou fugindo completamente do bom senso. Os vingadores podem guerrear, desde que façam a plateia rir ao mesmo tempo!

Não faz muito tempo o cantor Guilherme Arantes, num programa de entrevistas, se disse preocupado com essa moral festeira e feliz do mundo contemporâneo. "As pessoas parecem fugir ou evitar qualquer tipo de responsabilidade", diz ele num determinado momento, "parecem engessadas pela sua própria felicidade obrigatória.

Ele chegou ao ponto em que eu queria chegar. Tiremos como exemplo o facebook. Tirando uma ou outro desabafo contra a atual política nacional, visite os sites de seus amigos (ou adicionados). É um festival de sorrisos, caretas, gargalhadas... Gente saltando de boogie-jumpie e rindo, almoçando e rindo, dentro do cinema vendo um filme de terror e rindo, fazendo compras e rindo, na fila do banco e rindo. É como uma espécie de imposição social, fruto desses tempos (e levo aqui em consideração o final do século XX para cá) em que mostrar-se alegre 24 horas por dia tornou-se uma obrigatoriedade para se viver em sociedade.

Pergunto-me a todo momento qual o futuro da humanidade. Nos tornaremos um filme babaca dirigido pelo Judd Apatow? Viveremos de piadinhas sem graça, como as do Agildo Ribeiro ou do Kevin Hart, aquele que se esforçou para ser engraçado no remake de Jumanji? Haverá espaço, em meio às novas gerações, para preocupações e questionarmos o que está em jogo? Ou tudo continuará sendo uma grande festa sem hora para acabar?

Nunca vivemos tempos tão tristes quanto o atual. Guerras se transformaram em videogames de última geração em que soldados limitam-se a apertar botões de joysticks e destruir cidades inteiras; a corrupção assola todos os segmentos da sociedade, do futebol à política; mulheres bonitas transformando em armaduras capazes de fazer inveja ao Robocop; religião virou um negócio astronômico, de proporções gigantescas. E encaramos tudo isso como hienas histéricas que nada mais fazem do que exibir seus sorrisos e vidas falsas.

Meu Deus! Tenho medo do que ainda vem por aí...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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