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A madrinha do samba
(R.I.P Beth Carvalho)
Roberto Queiroz

Roberto Cabrini, jornalista responsável por dar em primeira mão o anúncio do falecimento do piloto de fórmula 1 Ayrton Senna há 25 anos, estava certo: tem certas notícias que não gostaríamos de dar. De jeito nenhum. Porém, como às vezes não tem outro jeito...

Pois bem: na última semana o mundo do samba perdeu Beth Carvalho. E mesmo aqueles que não são amantes do gênero sentiram o golpe. Beth foi uma mulher como poucas na história da MPB e, cá entre nós, não me recordo de tê-la visto na boca da mídia por más notícias e escândalos (coisa muito natural nos dias de hoje, que preferem promover artistas de plásticos, posturas arrogantes e produtos baratos para atender a um mercado efêmero!).

Beth era conhecida como a madrinha do samba e seus afilhados, assim como ela, tornaram-se também notórios com o passar do tempo. Que o digam Zeca Pagodinho (o mais famoso deles), Diogo Nogueira (filho de, para mim, um dos maiores nomes que o mundo do samba já teve: o eterno João Nogueira), Dudu Nobre, dentre tantos outros. E mesmo quem não foi amadrinhado pela eterna musa do samba, reconhecem publicamente sua admiração e referência em suas carreiras.

Alguns dividem a importância de Beth entre ela e Dona Ivone Lara, outro pilar fundamental do samba e da música brasileira em geral. Ambas eram geniais no que faziam e não cabe a este mísero autor de esquina escolher uma dentre as duas como "a melhor" (as aspas aqui já falam por si só). Sempre considero certos debates insignificantes, quando não melodramáticos em excesso.

Ver na televisão o funeral da cantora ao som de fãs e amigos extasiados cantando seus maiores sucessos me fez lembrar de uma história pessoal: minha irmã, quando realizou a formatura de graduação, escolheu como música tema para sua entrada no palco a canção "Coisinha do pai", uma homenagem à nosso pai então recém-falecido, que vivia chamando-a assim. Ao vê-la cruzar o corredor, o rosto coberto de lágrimas, para receber seu diploma, imaginei o mundo de Beth Carvalho, mais do que isso, a cantora embaixo da tamarineira do Cacique de Ramos numa descontraída roda de samba. Ela certamente teria adorado a homenagem (bem como meu pai).

Porém, Beth não foi só a coisinha do pai. Não, ela também fez andanças por todos os bairros, avisou que camarão que dorme a onda leva, foi festejar até o raiar do dia, subiu 1800 colinas (mais até), viu caírem as folhas secas, cantou a tristeza e muito mais. E tudo isso muito bem acompanhada pelos bambas com quem compartilhou uma era de ouro (Almir Guineto, Jorge Aragão, Arlindo Cruz e Sombrinha, Leci Brandão, etc etc etc e haja etc).

Suas paixões primordiais: a Estação primeira de mangueira - com quem algumas vezes se desentendeu, mas faz parte: amor é assim mesmo! - e o Clube de Regatas Botafogo. Por sinal, seu funeral foi lá, na sede da estrela solitária. Seu modus operandi para viver: alegria, muita alegria.

Numa recente entrevista para o apresentador Pedro Bial, Zeca Pagodinho contou-lhe da visita que fez à madrinha e da grande festa que realizaram no quarto onde estava internada. Beth era isso. Não tinha tristeza, mesmo quando a barra pesava.

Quando trabalhava no cinema dentro do Shopping Fashion Mall, em São Conrado, volta e meia ela aparecia nos corredores acompanhada da filha (isso bem antes dos problemas recorrentes que teve na coluna na última década). Sempre sorrindo e dando autógrafos. E gostava de entrar nas últimas sessões, disfarçada, para não chamar a atenção, não atrapalhar o filme.

Em contraste a isso, foi uma enorme tristeza ver essa mulher guerreira fazendo seu show deitada num sofá. Por mais sobrevivente à dor que ela fosse, por maior que fosse o seu desejo de dar prosseguimento à carreira (e isso por si só é louvável), era inevitável pensar que o fim estaria próximo. Eu disse fim? Não. A passagem. Não existe fim para mulheres como Beth Carvalho.

Certamente a esta hora Beth canta no outro plano existencial. Deve estar ganhando aplausos até de São Pedro. Vai com Deus, diva!

Porque aqui embaixo você matou a pau.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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