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Veneramos monstros
(Vox lux: o preço da fama e o que transformamos em celebridades)
Roberto Queiroz

Volta e meia eu me pergunto se os artistas musicais de quem eu gosto são realmente flor que se cheire, se são aquilo que vendem para o público. E em muitos casos me desaponto com a resposta ou fico aterrorizado. E vocês, meus caros leitores, que acompanham meus devaneios e desabafos narrativos. fazem isso também? Pois deveriam. Urgentemente.

Vivemos uma era difícil em termos musicais. A todo momento são ofertadas ao público fraudes musicais aterradoras, artistas que não merecem sequer o rótulo de artistas, pois o que realizam é difícil de catalogar como arte. E mais assustador ainda: são aplaudidos, ovacionados por isso. Eu sei que vai ter muita gente que ficará puta com este parágrafo, mas não dá para fingir. Pioramos - e muito! - neste segmento. Aliás, em muitos outros também.

Mês passado me deparei com um filme que me deixou ainda mais estarrecido sobre o tema. Tanto que levei este tempo para expôr minhas impressões sobre o projeto. Trata-se de Vox lux: o preço da fama, de Brady Corbet. E só para constar um fato curioso: desde Precisamos falar sobre o Kevin, de Lynne Ramsay, não me deparava com algo tão macabro (e profundamente verdadeiro) sobre a sociedade contemporânea.

Vox lux conta a história de Celeste que, ainda adolescente, sobreviveu a um atentado no colégio onde estudava (observação: ela namorava o responsável pela tragédia). Durante o funeral em homenagem às vítimas, incentivada pela irmã mais velha que achava sua voz bonita, canta uma música inspiradora, repleta de fé e esperança por um futuro melhor. Pronto. Estava criado o terreno para que a inescrupulosa indústria fonográfica transformasse a jovem num ícone pop.

A artista que Celeste (vivida em duas fases pela jovem Raffy Cassidy e pela ótima Natalie Portman) se torna não difere em nada de invenções musicais na linha de uma Britney Spears, Rihanna, Sia e outras "divas". Ela não é a compositora de suas próprias canções, não canta ao vivo, e fomenta - e enriquece - ao seu redor uma entourage de abutres, capitaneados por seu empresário arrogante e impulsivo (vivido pelo ator Jude Law). E importante que se diga: exibe a arrogância e o desdém típicos de quem costuma fazer sucesso sem realmente ter mérito algum.

A trama ganha uma retomada insólita quando, após gravar um novo videoclipe, quatro jovens usando a mesma máscara que ela utilizara no vídeo, fazem uma chacina numa praia, tirando a vida de milhares de pessoas, e Celeste é indagada sobre sua responsabilidade na tragédia e os limites de fazer uma arte vazia, voltada ao lucro e ao hedonismo.

É nesse momento que meu cérebro me transporta da tela do cinema para o mundo real e me pego refletindo acerca dessa nova geração musical vigente. Lembro-me de ter visto tempos atrás uma entrevista com o escritor Paulo Coelho em que ele defendia a questão do gosto musical como uma "escolha que variava de geração para geração". Muitos, dizia ele, não veriam nada nos Beatles nos dias de hoje pelo simples fato de que não viveram o auge da beatlemania. Portanto, se sentiriam deslocados ao falar sobre a banda ou mesmo idolatrá-la. Faz sentido até certo ponto.

É bem verdade que não posso exigir das novas gerações a mesma percepção que eu tenho até hoje sobre a banda Queen ou Renato Russo. Não seria sequer justo. Entretanto, acredito que essa adolescência atual precisa rever seus conceitos. Principalmente o papel dos seus ídolos dentro do mundo em que estamos (sobre)vivendo dia a dia.

É visível a cultura blasé e afrontosa reinante no mundo pop de hoje. E em alguns aspectos até criminosa. Fico pensando com meus botões toda vez que assisto um clipe de artistas como 50 cent, Kanye West, Justin Bieber, Tupac Shakur, entre outros, que tipo de gente dá status de celebridade a esse povo arrogante, às vezes oriundo de um cenário marginal, que nada acrescenta ao planeta terra bem como aos seus respectivos países.

Fico possesso quando penso nisso.

A billboard, é triste afirmar isto, está repleta de Celestes. Pessoas vazias que chegaram ao sucesso por um caminho, digamos, tendencioso. E nós, fãs acéfalos, estamos venerando monstros ideológicos da pior espécie. E orgulhosos de nossas criações. Dizer "até quando?" já não responde mais a esta questão incômoda. É preciso acordar, antes que sejamos engolidos por nossas próprias más escolhas.

P.S: o único revés neste artigo e que, infelizmente, produções como Vox lux não são exibidas num circuito maior. Elas ficam fadadas à pequenos nichos, públicos segmentados. E isso é proposital, pois o importante é alienar as massas com filmes de super-heróis e franquias babacas. Isso também precisa mudar! Nem sempre o espectador quer só pão e circo.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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