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O riso torto
(uma crônica sobre comediantes e a falta de tato)
Roberto Queiroz

Este texto poderia, nas mãos de um profissional inescrupuloso do ramo de comédia, se transformar numa grande distorção, acusando este mísero autor de difamar a classe. Longe disso. Longe de mim difamar uma classe que apresentou ao mundo tantos gênios (e eu fui espectador assíduo de vários deles). No entanto, o fato crônico que muitos desta distinta classe não querem debater é: pioramos como realizadores de humor.

A recente condenação na justiça do humorista e apresentador do The Noite, no SBT, Danilo Gentili, me fez pensar nos rumos que a classe humorística vêm tomando nos últimos anos. Em outras palavras: se o ex-vj da MTV, PC Siqueira, já dizia lá atrás que "está foda ser brasileiro", imagine então para quem vive do riso e, principalmente, quem confunde humor com baixaria e/ou passar do tempo.

Estamos atolados até o pescoço, como nação, numa realidade fúnebre. Vivemos tempos amargos - já disse isso em outros artigos - em que o roto fala mal do esfarrapado e se orgulha de exibir o que não é. Mais do que isso: passamos a idolatrar o ridículo e a difamação como arte nobre. E o resultado desta equação é que nunca antes na história deste país o humor esteve tão a serviço do que existe de mais sórdido e nojento. E não me refiro única e exclusivamente ao território nacional, não!

Faço parte de uma geração (já sei, já sei... vocês dirão que "esse papo de geração não tá com nada", mas vou falar mesmo assim) que se orgulha de ter visto Jô Soares em Viva o gordo e O planeta dos homens, Chico Anísio em Chico City, Agildo Ribeiro em Cabaré do Barata - com sua sátira política aos presidenciáveis -, que ligava a tv dia de semana para assistir os filmes do Jerry Lewis na Sessão da tarde, que assobiou a trilha sonora de Henry Mancini para a franquia de filmes da Pantera cor-de-rosa, parceria do ator Peter Sellers e do diretor Blake Edwards e que quase quebrou o sofá de casa vendo as maluquices de Mel Brooks em O jovem Frankenstein e Drácula: morto, mas feliz, com o extraordinário Leslie Nielsen. Ah! E quase me esqueci dos eternos integrantes do grupo Monty Python...

E após olhar para um passado tão glorioso quanto este, é com vergonha que vejo o mundo da comédia assimilar verdades mórbidas, cafajestes notórios que se escondem atrás de piadas sexistas e misóginas e realidades cruéis (quando não fantasiosas ao extremo).

Os talk shows, antes palco de homens sábios e inteligentes, entregou-se de vez a piadistas sem noção que não reconhecem a diferença entre maldade e homenagem aos outros. É o tal "humor a qualquer preço", como gosto de chamar. O problema é que comédia não é tão gratuita assim. Pergunte a quem faz o gênero de verdade e corrija-me se eu estiver enganado.

Comédia não se limita a risos e gargalhadas e sempre a considerei um dos melhores atos políticos já criados pela humanidade. Ela não se presta unicamente a elogiar ou plagiar pessoas públicas e instituições. E muitas vezes mostra um outro lado dessas figuras e corporações que você, espectador, jamais imaginou que estivesse ali, presente ou simplesmente não quis dar a mínima.

"A comédia é a guerra nas entrelinhas". Li isso anos atrás num livro (que, infelizmente, não me recordo do título), e nunca me esqueci da frase. Robin Williams - outro gênio do humor - sempre falou em enfrentamento, em não deixar a peteca cair, não importa o quanto estejam acusando ou difamando você. E Jim Carrey, que de uns tempos para cá andou se revendo como artista do gênero, me provou com folgas que não existem regras ou parâmetros que contenham o discurso.

Em suma: ninguém pauta a agenda dos comediantes (não importa o quanto tentem). Contudo, isso não é motivo para tanta vulgaridade e descalabro no setor. Até que ponto podemos chamar de engraçado um apresentador de talk show que ouve às gargalhadas seu entrevistado explicando como realizou uma orgia dentro de sua casa? E o quadro da peça Nós na fita, que foi sucesso nos teatros do subúrbio à zona sul, em que a dupla de "humoristas" celebra uma multiplicidade de palavrões, delimitando o uso perfeito para cada um deles? Isso é de morrer de rir? Tenho minhas dúvidas.

Acho que a verdade aqui presente é que nos entregamos a uma indústria do grotesco, do falar mal de nossos semelhantes. O humor virou um discurso exibicionista com o claro intuito de colocar o outro no seu devido lugar (como se eles, perpetradores desse discurso, fossem seres humanos muito melhores, idôneos, acima de qualquer suspeito). Sinto muito, mas não compro esta falácia.

E quando me apresentarem uma versão real do gênero, por favor me avisem aqui. Porque de desgosto eu já ando cheio nesses últimos anos...


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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