Há uma música que gosto muito do cantor e compositor Jorge Benjor (dos tempos em que ainda era intitulado Jorge Ben) que é parte integrante do álbum A tábua de esmeralda (de 1974), de nome "Os alquimistas estão chegando". Volta e meia eu a reouço no site de vídeos youtube e que esta semana me fez pensar no quanto estamos fodidos em termos de sociedade.
Pronto. Falei a palavra mágica necessária para que os patriotas de meia-tigela (aqueles que adoram exatar o exterior a todo momento e fingir de nacionalistas durante os jogos da seleção, com direito a mão no peito para ouvir o hino e tudo) me acusem de mal amado, de vergonha nacional, de câncer da sociedade. Desculpem-me, mas não consigo - nunca consegui - entender o significado da palavra patriotismo para um habitante de nossas terras. Será patriotismo sinônimo de "aquele que gosta de apanhar calado"? Deixemos, por ora, a resposta vagando. Quem sabe em breve eu regresse em outro artigo para destrinchar o tema.
Dito isto, vamos a um fato crônico e devastador: viramos uma ditadura religiosa, movida pela desculpa estapafúrdia de denominações tais como politicamente incorreto, indignação seletiva e crentes versus ateus. Minha avó, que Deus a tenha no plano superior!, se estivesse viva, certamente estaria dizendo: "que m&¨%$* é esta que aconteceu com o mundo?". Provavelmente não desta forma ácida, mas com um efeito similar.
Os extremistas estão chegando. De mansinho. Com suas vozes macias e seus planos sádicos de dominação cultural. Prometendo evangelizar, cuidar das pessoas, melhorar a vida dos cidadãos, revolucionar o mundo. Mas, na prática, não passam de belos (belos? fala sério!) contadores de histórias. Sofistas pós-modernos do mais alto gabarito. Fariseus elegantes esperando o momento derradeiro para dar o bote, prender as presas na carcaça podre de trabalhadores e trabalhadoras do meu Brasil Varonil (como bem dizia o célebre humorista José Loredo, o eterno Zé Bonitinho, o perigote das mulheres).
O hétero agride o homo, o bi, o trans; o branco, neo facista, agride o negro, o asiático, o muçulmano, então, nem se fala; o magérrimo, que flerta com a anorexia, agride o obeso, o plus size, "não existe esse papo de fofinha", atacam eles; o político agride o cidadão comum, a sociedade civil, com decisões arbitrárias; o corintiano agride o palmeirense, o flamenguista agride o vascaíno, o cruzeirense agride o atlético, e quem não faz parte de torcida organizada, para eles nem é torcedor. "Torcedor de fim de semana não é torcedor", salienta o fanático de estádio; e o bandido agride o trabalhador assalariado e ganha status de anti-herói nas telenovelas e na vida pública.
E tem quem defenda, quem ache isso o máximo. Afinal. vivemos tempos de reality shows e civilização do espetáculo. Guerra e videogame são primos próximos. Procurem saber mais...
Logo, o que sobrará de nós (e do mundo) depois da última gentileza proferida pelos extremistas. Será que dá para falar em sobrevivência ainda? Às vezes, tenho minhas dúvidas. E duvidar, na atual conjuntura, me parece ter mais valor do que toda essa gente odiosa e cheia de preconceito que anda tão certa de tudo, cuspindo a verdade em conversas de botequim, supermercados e filas de bancos.
Prestem atenção! Olhem para os lados, olhem para a frente. Principalmente: olhem para trás, e de maneira frequente. Os extremistas estão de olho em você. Principalmente se você é sinônimo de "sou negro", "sou gay", "sou macumbeiro", etc etc etc... Opa! Um detalhe: não esqueçam da expressão "homem de Deus". Ela está muito em voga nos tempos atuais, e anda à serviço das maiores tragédias e agressões da chamada pós-modernidade.
Lembram do que eu falei lá em cima sobre a palavra patriotismo? Pois bem: serve também para o conceito de modernidade. O que é ser moderno agora, neste momento? Será que eu faltei tanto à faculdade assim e não me dei conta? Será que meus pais não me educaram direito? É, eu sei... Eu sou velho. Sou do tempo em que os pais - e não as escolas - tinham a obrigação de educar os filhos. Será que o mundo virou mesmo de ponta a cabeça?
Ou será que os 40 anos bateram agora na porta e eu fiquei foi esclerosado precocemente?
Voltando a canção de Benjor, ele diz que os alquimistas "são discretos e silenciosos, moram bem longe dos homens, escolhem com carinho a hora e o tempo do seu precioso trabalho... São pacientes, assíduos e perseverantes; Executam, segundo as regras herméticas, desde a trituração, a fixação, a destilação e a coagulação...". E mais: "Evitam qualquer relação com pessoas de temperamento sórdido". Pergunto-lhes: mera coincidência? Ou serei eu um reles teórico da conspiração? (Observação: lembro-me que na época de segundo grau esse quase virou meu apelido por parte de "colegas-cabeça" que, naquele tempo, acreditavam em figuras como Moreira Franco e Lindbergh Farias).
Coincidências e conspirações ou não, estamos mal. E muito mal, galera! Como diriam nossos antepassados (por que eu não nasci naquela época, meu Deus?), entregamos o ouro ao bandido. E o bandido modernizou-se, não abre mão de um terno e gravata, de um diploma universitário - o que não significa em tempo algum que ele tenha frequentado as aulas -, de um carro importado, uma mulher turbinada (e mais nova do que ele, de preferência) e o que mais ele inventar de mordomia nesse novo século que mal começou e já vem mostrando que vai dar o que falar. No pior sentido, até agora!
Assim como as partes I e II, essa nova reflexão não se pretende uma palestra, aula, muito menos um serviço de utilidade pública. Ela está mais afinada com o quesito provocação. E tenho gostado cada dia mais das pessoas na rua que me rotulam de provocador. Será que o Antônio Abujamra, se ainda estivesse vivo, me convidaria para o seu programa Provocações? Acho que eu iria às nuvens se fosse convidado.
O problema: não tem mais Abujamra, o Provocações acabou e os extremistas viraram assunto de talk show.
Quer saber? Já deu...
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