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O FANTOCHE
ANTONIO LUIZ MACÊDO E SILVA

Zé dos bonecos herdara este nome do pai, artesão e criador de um número incontável de fantoches. Pesquisara muito à procura de um material resistente e de fácil modelagem que caracterizasse o seu trabalho como obra perfeita. Acalentava em seu coração o dia em que as pessoas pudessem exclamar: “Fala! Fala!”
Com grande esforço procurava a cada dia aperfeiçoar-se mais. A cada obra concluída maior determinação em atingir o alvo estabelecido.
    
Em uma tarde Leco estava prontinho. Zé colocou-o sobre a mesa e, ora de perto, ora de longe, contemplava a sua criação. Extasiado. Embevecido. Boquiaberto. Ali estava diante dele o boneco que sonhara. Face amorenada, cabelos lisos, boca com dentes alvíssimos, nariz arrebitado, olhos aquilinos, orelhas de textura similar aos humanos, face simetricamente perfeita... Leco só faltava falar. Também querer que ele falasse!...
    
Apenas um detalhe chamava a atenção. Por detrás de toda aquela beleza, as feições de Leco denotavam uma certa tristeza. Uma tristeza quase que imperceptível, mas uma tristeza. Nem mesmo seus olhos vivos e penetrantes seriam capazes de escondê-la. Zé preocupou-se. Não havia notado antes este sentimento como que de solidão que se irradiava através de sua fisionomia. Pensou alto:
- Ah, se o Leco falasse!...
- Ah, o quê?! Ah, se o Leco falasse? Você ta surdo, Zé? Ta surdo?
Zé ficou branco. Tremia feito vara verde. Não conseguiu correr. Parecia que o piso estava encharcado de cola. Estático. Imóvel. Olhos esbugalhados de espanto. Respiração presa. Coração acelerado a mil...
- Zé, você tá surdo? Não tá ouvindo a minha voz? Sou eu, Leco. Ou é você que agora é o boneco?
    
Minutos e segundos somaram-se. Pouco a pouco, Zé vai voltando devagarinho à realidade. Desgruda-se do chão, vai até a geladeira, toma um pouco d’água, senta-se calmamente, olha ainda com certo espanto para Leco e expressa-se afirmativamente:
- Leco, você fala! Que bom que você fala!
- E falo mesmo. Zé eu tô triste! É uma tristeza que vem daqui de dentro (e apontava como se tivesse coração).
- Você não tem nem coração!...
- Oh, desculpe!... Mas eu tenho cabeça. Eu penso, eu sinto, eu choro, eu até falo...
- Você não tem motivo pra ficar triste. Você nasceu ainda há pouco,Leco. O mundo espera você. Eu quero ver você cheio de alegria.
- A-l-e-g-r-i-a?! O que é alegria?
- Ora, Leco, alegria é alegria. Pronto, já descobri: é o contrário da tristeza.
- Ah, agora eu entendi. Só pode experimentar a alegria quem está triste! Se a gente não conhece a tristeza, como pode provar da alegria? É isso?
Zé dos bonecos respondeu afirmativamente com um meneio de cabeça.
- Zé, eu quero ser alegre. Eu quero ser alegre.
Ferramentas à mão, o bonequeiro pôs-se à obra. Coloca um pouco de material aqui, retira um pouco dali, para, corta, lixa, pinta... E a expressão de Leco é outra.
- Pronto Leco. Que tal? – e colocou o espelho diante do boneco.
- É... A alegria faz a gente mais bonito! Os olhos, o rosto, a boca, o riso... Lembrei de uma coisa agora, Zé. Quando a gente tá alegre a gente ri; e quando a gente tá triste?
- Quando a gente tá triste, chora.
- Eu nunca chorei!... E o que é chorar?
- Chorar é deixar cair lágrimas dos olhos. São gotinhas de água salgada que molham o rosto para não molhar o coração; o coração tem outro jeito de chorar. Os homens têm vergonha de chorar. Eles não choram nos olhos, choram no coração. Por causa disso o coração deles não agüenta e pára.
- Eu nunca vou ter vergonha de chorar! E o que é sorrir, Zé?
- O sorriso é a maior e mais simples expressão de alegria. Sorrir ilumina os olhos e irradia luz. Luz que contagia. É como um grande clarão que atinge a todos.
- Eu quero ser este clarão. Eu vou ser este clarão.
    Zé dos bonecos estava muito feliz com a felicidade do Leco.
- O que é felicidade? – indagou.
- Felicidade, Leco...
Estava g-r-a-t-i-f-i-c-a-d-o. Um olhava nos olhos do outro. Zé sorria. Leco sorria. Eram risos, risos e mais risos que escapavam pela janela aberta que dava para a rua. Os risos continuavam ininterruptamente. As crianças, os jovens, homens e mulheres eram atraídos por aqueles risos contagiantes. E mais pessoas chegavam e mais gente sorria. Zé e Leco saíram rua afora. A multidão sorria e os seguia. A rua estava em festa. E mais gente foi se achegando, se somando à multidão. Com a noite a cidade inteira sorria, a lua sorria, as estrelas sorriam...
    
Pela madrugada os risos cessaram. Também os risos precisam dormir. Não é a alegria que se cansa, somos nós que nos cansamos. A multidão recolheu-se. Zé e Leco voltaram para casa. Adormeceram fatigados, mas felizes.
    
Quando acordou bem cedinho, Zé lembrou-se da pergunta do Leco que ficara sem resposta:
- Leco, Leco... Felicidade é ter criado você. É ter vivido estes momentos lindos ao seu lado. Felicidade é sorrir com você irradiando alegria e luz.
    
Esfregou os olhos, uma, duas, três vezes e por fim exclamou:
- Por que tudo isso não passou de um sonho?

ALMacêdo



      



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