Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Alaide
Diego Araújo

Resumo:
Alaide é uma menina sonhadora, de vida simples e de muitos calos no dedo. Ela desiste de continuar a ter a vida que tem e foge para a capital e tentar viver uma vida totalmente diferente da que a família tinha planejado para ela.

Alaide
Aos doze anos de idade, fugiu de casa e veio para a capital alagoana pois não suportava mais a vida no roçado. Amava os pais, porém não dava mais para continuar.
     Nascida no município de Anadia, em Alagoas, não demorou muito na cidade e logo se mudara para Arapiraca. Filha de dona Amélia e José, aos dez anos já levava a vida na roça entre as plantações de milho, mandioca para fazer farinha, e com uma pequena foice que seu pai lhe ensinava a cortar mato para alimentar os animais.
     Mesmo com uma grande família de vinte e três irmãos, sendo ela uma das mais novas. Uma das poucas diversões que tinha eram as idas ao rio com o pai para pescar alguns peixes para comer, e quando acabava logo tinha que voltar para o roçado, quer fosse para as plantações de mandioca e milho ou para arrancar mato e alimentar os animais.
     Apesar do pouco tamanho, sua agilidade e a traquinagem de uma criança a levaram a fugir para a casa do avô, pensando em ter uma vida melhor e sair do roçado. Mas a vida que tinha não era diferente da que levava quando morava com seus pais, pois seu avô a tirou do roçado e a colocou para apascentar o gado e cortar palma para alimentá-los. Onde não aguentou e novamente fugiu, agora para a casa de um tio, que também a colocara nas mesmas funções e condições que seus pais e avô.
     Depois da última fuga e resultando em nenhuma mudança, Alaide não pretendia mais voltar, decidiu então fugir de vez para não mais voltar.
     Com uma penca de banana na cabeça, Alaide correu para a estrada e conseguiu uma carona com um caminhoneiro, não se sabia de onde vinha e nem mesmo o seu nome, mas logo se sentiu confiante e segura para utilizar de sua grande criatividade para contar que seus pais tinham ido embora para Maceió e a abandonara. Apesar de o motorista ficar desconfiado, afinal era uma criança, naquele lugar era algo muito comum, já que a maioria não conseguiam sobreviver mais do roçado, tentavam a vida na capital e muitos ficavam para trás, inclusive a própria família, mas a menina foi muito boa de papo, tanto que conseguiu convencê-lo com a história que contara. Chegando a Maceió, descera no mercado, local esse chamado de Praça dos Martírios e sem conhecer nada na cidade e nem ninguém, resolveu andar pelas ruas em busca de alimento e de um lugar para ficar. Sem saber para onde ir bateu na primeira porta que viu e como por milagre foi recebida por um senhor de nome João Azevedo e sua esposa, no qual ela perguntou sobre a vida de Alaide, onde morava, o que fazia em Maceió, onde estava sua família e ela dissera a mesma história que contara ao caminhoneiro. Com uma certa compaixão pela situação da menina, o casal decidiu dar-lhe abrigo e como forma de pagamento resolveu fazer uma troca, Alaide trabalhava para eles nos serviços domésticos como, lavar pratos, varrer a casa e cuidar do quintal e eles davam-lhe roupa, comida e um teto para morar.
     Alaide chegara aos seus vinte anos e se tornou uma bela jovem, seus cabelos eram longos e caíam na cintura, lindos olhos verdes, sem marcas de enxadas e foices, que tão bem conhecia em sua adolescência no roçado. Cresceu continuando a ajudar nos serviços domésticos na casa do senhor João, mas até este momento a situação já mudara, pois agora ele já a tinha por filha. Mesmo com tudo que lhe era dado, infelizmente não aprendeu a ler e escrever, mas cedo aprendeu a escrita e a linguagem do amor.
     O senhor João tinha muitos funcionários e um deles era Waldecy, um carroceiro onde além de jogar fora as folhas de seu “pé de jambo”, ia ao mercado e trazia as compras em sua carroça. Alaide se encantara pelo jovem e belo rapaz, no qual a cortejava e sempre que vinha à casa, a chamava junto com as amigas para dar um passeio de barco. Foi em um desses passeios que começaram a se engraçar um com o o outro e começaram a namorar, após alguns anos de namoro resolveram casar. A “filha” do Dr. como ela era vista, casou-se com um carroceiro, aquela típica história da dama e o vagabundo. Quem poderia imaginar, pois imaginavam em suas cabeças que tinham a criado tão bem, que casaria com um ,bom, partido, eles a criaram como uma filha, tudo do bom e do melhor a deram, era loucura imaginar que tudo tinha sido em vão e que ela tinha se deixado cair na lábia de um carroceiro. A princípio João foi contra, não aceitava e pedia para que Alaide acabasse com o namoro, pois não achava que lhe era um bom partido e que seria infeliz. Porém mesmo relutando, não poderia fazer mais nada, pois ambos já estavam apaixonados e para deixar tudo nos conformes, Waldecy pediu a mão de Alaide e João cheio de amor pela sua filha, acabou aceitando em dar a mão de sua única filha, que um dia batera em sua porta, supostamente abandonada pelos pais, com fome, mal vestida, sem ter o que comer, onde morar e que agora iria casar com o carroceiro.
     O dia tão aguardo pelo casal havia chegado, tão rápido quanto o sol que nasce no sertão alagoano. Seu pai João fizera a festa, não deixou-lhe faltar nada, fez questão de arcar com tudo e como sempre ofereceu o melhor. Passada a grande festa onde contava com os vizinhos e circunvizinhos, porém nem seus pais biológico e nem seus irmãos foram informados do casamento de Alaide. João ficou muito debilitado em sua saúde, para ele, a partida de sua menina foi como se tivessem lhe arrancado um pedaço, estava incompleto, e essa saudade que apertava e doía só tinha um nome, Alaide.
     De “casa” nova, a vida acabava de iniciar, porém não imaginava que seu sonho mais tarde se tornaria seu maior e pior pesadelo.
     Waldecy deixou a carroça e conseguira um emprego numa indústria de produtos químicos. A principio tinha uma vida boa e ela com o tempo acabou deixando de lado o que seria uma simples dona de casa e começou a fabricar e vender bolos que aprendeu a fazer com a esposa de seu pai João, porém não deu muito certo e começou a vender sururu e ainda assim não vingou. Então decidiu fazer o que desde de sempre lhe parecia ser o que melhor fazia, trabalhar como doméstica na casa de outras pessoas, e ela o fez para ajudar nas despesas de casa, apesar da moradia simples, em uma casa que se dividia entre barro e tijolos, dava-se para viver bem, pois estava com quem amava e nada mais importava, era no que acreditava.
Passados dez anos de seu grande sonho do casamento, Alaide já mudara sua vida por completo, perdera completamente o contato com seu pai, sofria agressões e traições, seus vizinhos pediam para ela denunciar o esposo, mas por amor e por medo não o fazia. Até que chegaram os primeiros filhos, mas junto com eles as primeiras dores, pois perdera ambos os bebês para doenças, onde era um tanto quanto comum naquele tempo de tanta dificuldade e assistência tão frágil. Com o passar dos anos e após novas tentativas tiveram seu primeiro filho, Vinicius, logo em seguida nasceu sua menina, Maria, o amor crescia pelos filhos, mas quanto ao marido, a cada dia diminuía, morria aos poucos. Waldecy aprendera a beber e tomou jeito pela coisa e por noites chegava em casa bêbado e agredia cada vez mais, os filhos e Alaide. Mesmo com tantas agressões, ela esperava o seu quinto filho, pois já tinha nesse intervalo perdido dois bebês. Enquanto isso, Maria e Vinicius cresciam saudáveis. Mas infelizmente Waldecy se embriagava muito mais, chegando ao ponto de correr na rua com uma faca, atrás de Alaide para matá-la. Entre tantas brigas e agressões o bebê não resistiu e ela perdera mais um filho, agora não mais para a doença, mas pelas mãos daquele que um dia lhe jurou amor.
A essa altura já se passaram mais quinze anos e ela estava com seus trinta e cinco quando decidira voltar a Arapiraca para visitar seus pais, que até então a tinha como desaparecida, não sabia de nada que ocorrera com Alaide, eles a buscavam e não desistiam de encontrá-la, mas pouco se ouvia falar dela, o tempo, porém eles nunca a esqueceram. Quando menos se imaginava, ela os reencontra, mas seus pais não a reconheceram. Ela se identificou, falou quem era e pedira perdão por ter desaparecido e por tudo que tinha feito e por tanta dor que causou. Apresentou-lhes os filhos, marido, mas nunca os contou tudo o que passava. Eles a perdoaram e continuavam a amando ainda mais. Poucos anos depois, seus pais faleceram e seus irmãos foram se espalhando por esse mundão a fora, cada um seguindo um caminho e Alaide continuava na sua penitência silenciosa e silenciada.
     Após um ano desde o falecimento dos seus pais e sua vida turbulenta entre bebedeiras e espancamentos do marido, suas vizinhas sempre alertavam ela de que o marido a traia, que exibia por aí a amante nas mesas de bar. Até que um dia Alaide deixou de lado tudo o que acreditava e descobre o local onde Waldecy estava com a amante e resolve conferir, porém ele correra e ela não conseguiu encontrá-lo com a outra. Diante de tanto sofrimento, Alaide não suportava mais, o marido já não dormia em casa, tirava do alimento dos filhos e do sururu que ela vendia para levar para a amante, comprar joias, presentes e encher de tudo o que a esposa não tinha, mas a amante possuía. Não suportando mais Alaide pega sua filha Maria, já adolescente e decide mais uma vez ir atrás do marido e pega-lo no flagra, mas desta vez ele não conseguiu fugir, Alaide o encontrou sem nem pensar foi para cima da amante, aos tapas, chutes e puxões de cabelos as duas foram separadas por Waldecy. Após toda a confusão, ela não suportou mais, foi a gota d´água, decidiu então expulsá-lo de casa, sem medo do que aconteceria, jogou todas as roupas dele na rua e não mais o viu.
     Apesar de sua vida sofrida, começara a viver melhor, cuidava de seus dois filhos e quando saía para vender sururu, os levava. Até que em um dia, Diva, uma antiga patroa, tinha uma empregada que acabara de dar a luz a um menino, porém não resistiu e veio a falecer, então perguntou a Alaide se ela não gostaria de criar o bebê e de bom grado, ela o pegou pra criar e deu o nome de Valdehi. Nesse mesmo ano, Alaide decide sair para comprar sururu, mas algo a leva seguir por um caminho diferente do que costuma seguir, e ela ouve um choro que vinha de dentro de uma caixa dentro de uma caçamba de lixo, quando ela abriu estava dentro uma bebê, ainda com seu cordão umbilical, cheia de formigas no seu corpo e chorando desesperadamente. E mais uma vez, Alaide decide criar mais uma criança, dando seu amor e cuidado, a batizou com o nome de Valderez. Parecia que o destino dava a ela a oportunidade de ser mãe de alguns dos filhos que um dia perdera.
     A vida seguia, as crianças cresciam e sempre que possível Maria buscava dinheiro na casa de seu pai Waldecy que continua bebendo e vivendo com a amante, até então agora esposa. Porém o dinheiro mandado por ele eram apenas trocados, mal dava para comprar comida, mas isso não a desanimava, pelo contrário, ela vendia cada vez mais sururu e as crianças também a ajudavam vendendo.
     Passado muitos anos da separação, Alaide decide fazer uma viagem a Juazeiro no Ceará, ela sempre foi muito ligada a fé e as cresças católicas, sua maior admiração era o Padre Cicero, ela o venerava. Nessa viajem a juazeiro entre um passeio e outro ela recebe uma ligação na qual informam que Waldecy acabara de falecer. Ela perdeu o chão, parece que tudo estava girando e desmaiou. Acordou chorando chamando por ele, pedindo para voltar para Maceió, pois precisava vê-lo uma última vez, mas infelizmente sua volta estava programa apenas para dois dias após o falecimento. Alaide muito se entristeceu, apesar de tudo que passara com Waldecy, ela não o tinha esquecido e ainda o amava todo esse tempo.
     Forte e seguindo em frente, o sururu não fazia mais parte de sua vida. Até chegar em sua velhice, ela não parou e começou a vender milho. Agora com a família maior, entre filhos, netos e bisnetos, reconstruiu toda a sua vida, mas não se apaixonara e não se casara mais uma vez.
Apesar de tudo, parecia que suas tristezas não teriam um fim, não tinha acabado as dores e ela precisaria ser forte para o que estava por vir. Seu filho, aquele que lhe tinham dado para cuidar, falecera, vítima de um infarto aos trinta e oito anos, infelizmente não pôde dar um último adeus, abraça-lo e dizer que o amava. Seu maior pesar, além da morte do filho, foi de que ambos haviam se desentendido e não estavam se falando, mas esse acontecimento foi um choque em sua vida, adoeceu, não tinha mais ânimo para nada, até que entrou em uma depressão tão forte que a fez passar um período de cama, sem conseguir mexer as pernas, braços, nenhum movimento, mal se alimentava, suas filhas Maria e Valderez com a ajuda de seus sobrinhos Diego e Marcelo, foi quem a alimentava, dava banho, trocava suas roupas e a cada dia perdia mais as forças e o ânimo para viver, até seus filhos chegaram a pensar que ela não resistiria.
Porém Alaide, já tinha passado por tantas coisas e apesar da dor da perda, ela continuou a seguir a vida. Atualmente com setenta e nove anos, Alaide ainda mora no mesmo endereço com sua filha Valderez, seu neto Marcelo e a esposa, e seu bisneto Victor. Deixou de vender milho e hoje está aposentada, mas sua veia pulsa pelas vendas e mesmo aposentada ela não parou de vender. Na porta de sua casa construiu uma barraquinha na qual utiliza para vender feijão verde, jogar conversa fora e continuar vivendo.
Anos de lutas, perdas, ganhos e ainda hoje vive firme e forte, pronta para enfrentar o que mais a vida lhe tiver reservado e só dizer adeus quando assim, Deus permitir.

Diego Araújo.


Biografia:
Número de vezes que este texto foi lido: 61630


Outros títulos do mesmo autor

Crônicas Alaide Diego Araújo


Publicações de número 1 até 1 de um total de 1.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Jornada pela falha - José Raphael Daher 63476 Visitas
Os Dias - Luiz Edmundo Alves 63468 Visitas
O Cônego ou Metafísica do Estilo - Machado de Assis 63266 Visitas
Insônia - Luiz Edmundo Alves 63220 Visitas
Namorados - Luiz Edmundo Alves 63215 Visitas
Viver! - Machado de Assis 63196 Visitas
A ELA - Machado de Assis 63087 Visitas
Negócio jurídico - Isadora Welzel 63039 Visitas
Eu? - José Heber de Souza Aguiar 62975 Visitas
PERIGOS DA NOITE 9 - paulo ricardo azmbuja fogaça 62904 Visitas

Páginas: Próxima Última