Década de 80. Periferia da cidade de São Paulo. Comemorações de São Cosme e Damião. Santos considerados protetores dos gêmeos e das crianças, por isso, o costume de distribuir doces para homenageá-los ou cumprir promessas feitas a eles.
Ah, era puro êxtase! Doces grátis. Todas as crianças recebiam sua sacolinha, cheia de guloseimas. Menos as crianças de famílias evangélicas. Estas não podiam comer os doces... era pecado.
Sarah, então com 9 anos, sempre achou isso injusto. Que culpa ela tinha se a sua família era evangélica? Por que todas as crianças podiam pegar a sacolinha e ela e o irmão não? Que mal havia em dar doces para crianças? Como isso poderia ser errado?
Ser de uma família evangélica havia privado Sarah de algumas coisas. Não podia usar calças nem cortar os cabelos. Falar um palavrão, nem pensar! Tinha que ouvir as piadinhas dos colegas e não reagir, afinal, ela era crente.
Até aí, tudo bem, ela aceitava. Mas não poder comer os doces de São Cosme e Damião? Isso já era demais. Assim, ela decidiu: este ano eu pego.
Sarah observa a movimentação de crianças e logo identifica o local de distribuição.Então faz a proposta ao irmão Eduardo:
- Vamos pegar uma sacolinha?
- Não. É pecado. A irmã da igreja falou que a gente não pode comer estes doces. Isto é coisa de Santo.
- Edu, pense bem: o mundo tem um monte de gente. Você acha que Deus vai conseguir ver nós dois comendo os doces? Ele tem muitos problemas para resolver...
- Acho melhor não... – disse Edu, ressabiado.
Sarah não ia desistir. Olhou para os lados e não identificou nenhum adulto conhecido. Foi para a fila. Pegou uma sacolinha para si e outra para o irmão.
- Toma Edu. Vamos comer estes doces bem rapidinho, nem vai dar tempo de Deus ver a gente. Se ele não perceber, não vai ser pecado e ele não vai castigar a gente.
E os dois comeram os doces enlouquecidamente. E mantiveram segredo. Sarah passou vários dias tensa à espera do castigo divino. Ele não veio. Deus devia estar mesmo ocupado.
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