Ela sempre adorara esculturas, mas seus gostos não eram muito comuns. Talvez, por morar muito perto de um cemitério, tinha tanto fascínio pelas lúgubres estátuas desses lugares.
Era uma garota simples, sem grandes ambições e levava uma vida relativamente normal. Depois da morte dos pais, passou a morar sozinha naquela casa, que todos achavam esquisita. Os vizinhos diziam que era assombrada e não tinham coragem, nem vontade, de se aproximar de sua – também estranha – moradora.
Por ser uma pessoa solitária, gostava muito de passear no silencioso cemitério, apreciando as esculturas que adornavam os túmulos. Mas, dentre todas, havia uma em especial que a impressionava, um anjo com aparência muito triste, pensativo e com enormes asas que envolviam todo seu corpo. Ficava horas admirando essa estátua e tentando adivinhar de quem poderia ser aquele túmulo, já que não possuía nenhuma lápide ou identificação.
Enquanto vagava pelas alamedas ouvindo o barulho das folhas levadas pelo vento, ficava lembrando os sonhos que tinha durante a noite. Desde pequena tinha sonhos intrigantes, mas nunca comentava o fato com ninguém.
Sonhava que passeava pelo cemitério a conversar com seus habitantes e até mesmo com suas estátuas. Às vezes, via também seus pais e parentes que já estavam mortos. Mas, atribuía esses sonhos à sua vida monótona sempre abrindo as janelas e porta com vistas para um cemitério.
Naquele dia, em especial, deteve-se por um tempo maior em frente à figura do anjo, lembrando-se do sonho da noite passada. Ela havia parado, como sempre, a observá-lo, quando, de repente, a estátua tomara vida e viera conversar com ela. Durante um tempo que lhe parecia eterno, eles conversaram e ela, finalmente, desvendara o mistério. Ele lhe contara que o túmulo era dele, um escultor desiludido, que se suicidara, e a imagem do anjo, que ela tanto admirava, era, na verdade, uma espécie de auto-retrato, que fora sua última criação.
Acordara naquela manhã fria com uma terrível sensação de solidão e decidiu passear pelo cemitério. Lembrando-se do sonho e olhando para a estátua, uma pergunta não lhe saía do pensamento: seria aquela realmente a imagem do artista? Se fosse, ele deveria ter sido muito belo, com aquele semblante melancólico... mas ela jamais saberia, pois não tinha coragem suficiente para sair por ali perguntando.
Depois desse sonho, outros vieram, bem como vários outros passeios, até que um dia, algo extraordinariamente estranho aconteceu: de longe viu, ao lado do túmulo do suposto artista, um movimento bastante anormal.
Só quando estava mais perto conseguiu distinguir o que era. Havia alguém esculpindo com extrema rapidez uma outra estátua no túmulo ao lado. Naquele clima irreal, ela foi se aproximando aos poucos e percebeu que o anjo não estava, mas não conseguia entender exatamente o que estava acontecendo.
Percebendo a presença estranha, o escultor virou-se para olhá-la. O susto foi tão grande que ela quase caiu. O escultor não era ninguém menos que o anjo, não a estátua, mas sim um ser de carne e osso e a surpresa maior veio quando olhou para o trabalho que ele acabara de concluir. Era um outro anjo, porém, a figura era feminina e se parecia incrivelmente com ela.
“Devo estar sonhando” – pensou ela completamente confusa.
Com o sorriso mais enigmático que ela já vira, ele disse:
“ Sim, querida, você está sonhando. A única diferença é que deste sonho você jamais acordará!”
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