Apesar de o livro apresentar-se como uma coletânea de contos, trata-se de um emaranhado de histórias passadas no centro da capital paulista, mais especificamente na região do Minhocão, que, assim como a alma das personagens, é uma ferida dolorida e sangrenta, que incomoda quem está por perto.
Nelson de Oliveira, no prefácio do livro, compara as narrativas a “dez cicatrizes que, entrecruzadas, marcam o verdadeiro rosto da cidade de São Paulo.” E o verdadeiro rosto da cidade é representado pelas tristezas e frustrações das pessoas que perambulam solitárias pela urbe.
Quem leu “Dores de Perdas”, primeiro livro do autor, encontrará aqui ecos daquelas duas histórias. A perda da identidade e a capacidade do ser humano em resistir à dor continuam presentes neste livro. A contundente fotografia de Arlindo Gonçalves ilustram as narrativas, em um perfeito casamento entre texto e imagem.
Contudo não é possível afirmar que se trata de uma leitura fácil. Não há alívio ou consolação. Nelson de Oliveira cita o “homem do subterrâneo, das famosas Memórias do Subsolo” para exemplificar a “voz raivosa desse sujeito doente, amargo, grosseiro, rancoroso, medíocre, arrogante, destroçado pela vida”. É o lado negro, que vem à tona quando somos provocados.
A cidade – apesar de servir como pano de fundo para as histórias – parece participar das desagregações de seus habitantes, transformando-se, desse modo, em uma personagem quase palpável da vida cotidiana. Peça por peça, as histórias vão se encaixando; religando os fragmentos perdidos em algum lugar do tempo-espaço; retomando, lentamente, uma imagem inicialmente desfocada, distorcida, até chegar a algo concreto, verdadeiro, uma figura quase esquecida: a esperança.
“Desonrados e outros contos”, de Arlindo Gonçalves, é uma publicação da Editora Marco Zero.
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