I
Chegada a velhice cabe escolher entre a bengala e a fisioterapia. Eu optei pela última e comecei cheio de esperança. Qual fênix das cinzas eu iria renascer, aprenderia o caminho para a eterna juventude e conseguiria até mesmo driblar a morte. Foi o que eu pensei durante as primeiras semanas do tratamento. Um problema no joelho que a fisioterapeuta resolveu rapidamente, reforçou a minha fé.
Depois veio o problema do ombro, uma dor no ombro direito que não me deixava mais carregar nem peso, nem sacolas e que me lembrava persistentemente que o tempo não anda para trás. Desconfio que a dor foi uma consequência de uns exercícios posturais que a fisioterapeuta me ensinou e que eu pratiquei com um afinco excessivo para a minha idade e para a minha condição física. Tudo tem o seu ritmo, tudo tem o seu tempo e é preciso deixar as coisas fluir naturalmente.
Exame, diagnóstico, me ensina daqui, me ensina dacolá, exercício assim, exercício assado, massagem, aperto, amasso, nada adiantava, nada resolvia aquela dorzinha renitente que não largava do meu ombro direito. Foi o primeiro despertar do sonho. A dura realidade confrontava a ilusão.
Como a dorzinha não largava o meu ombro, larguei o sonho da eterna juventude e parti para a velha e milenar sabedoria oriental. Sem exame nem diagnóstico, sem se preocupar com causas e encadeamentos lógicos, sem indagações sobre histórico ou passado, sem perguntas nem respostas, o shiatsu, a moxa e a acupuntura, em poucas sessões, resolveram o problema do ombro.
Acho que aprendi mais alguma coisa. O caminho não é o da eterna juventude. A menos que esta consista em parar o tempo. Hoje, o que eu quero é parar, aprender a parar, aceitando a minha finitude. Com o tempo parado, o tempo não passa e eu, parado no tempo, não vejo o tempo passar.
II
É necessário envolver-se para poder criar e é necessário distanciar-se para apreciar a criação. As duas coisas são fundamentais e compõe a dialética do processo criativo. Sem a aproximação, a obra não existe porque ela é consequência deste chegar perto, do fazer, do tocar e do manipular. Por outro lado, nada é perfeito, é preciso trabalhar em cima da obra, modificá-la e para isto é preciso senso crítico. Crítica é distanciamento.
Tento levar você para o meu mundo e é importante que você o conheça para me entender e, assim, poder me tratar. Mas você não pode se tornar parte deste mundo, sob pena de não mais conseguir fazer o tratamento.
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