Eu costumo dizer que gostaria de morar em uma cidade onde tivesse inverno, mas até que esse ano fez frio no Rio de Janeiro! Choveu bastante também, pelo menos se comparado à secura dos últimos dois ou três anos. Aproveitei um desses friorentos dias chuvosos para uma ida até o quebra-mar da praia da Barra da Tijuca e ver as ondas.
Há beleza a ser vista nas ondas do mar durante a chuva. Acredito que a maioria das pessoas consideraria algo assim na melhor das hipóteses excentricidade, e na pior loucura mesmo, mas são as mesmas que passam tanto de seu tempo hipnotizadas pela tela de um smartphone, absorvidas pelas redes sociais.
Cheguei à Barra por volta das duas da tarde e pus as botas para trabalhar, caminhando até o quebra-mar, pelo longo calçadão de pedras portuguesas que margeia a orla, onde peixes negros destacam-se sobre um fundo branco. Caminhei olhando o mar, naquele dia de um tom de verde tão semelhante ao exemplar de fluorita que vi no Museu de Ciências da Terra na Urca.
Pouca gente na areia naquela tarde. Um pouco mais nos quiosques. Os pássaros parecem se importar menos com o dia nublado. Anu branco, biquinhos de lacre, um par de canários da terra, gaivotas de asas negras e um urubu devorando algo deixado na areia por algum banhista ou pescador, alheio do quanto sua presença ali não condizia com a imagem das praias do Rio ostentadas nos cartões postais. Ainda é grande a quantidade de pássaros que vejo na orla da Barra, mesmo com todo o crescimento pouco planejado que o bairro anos a fio e cujas maiores vítimas são suas lagoas.
Foi uma boa caminhada até o quebra-mar, fazendo apenas uma pausa na Praça do Ó para comer um sanduíche de pernil em um daqueles híbridos de mercadinho e lanchonete. A água da pequena enseada na foz do canal estava cor de terra, sua já estreita faixa de areia engolida pela maré alta. Maçarocas de plantas boiavam ou enroscavam-se nas pedras, cortesia da tempestade da madrugada passada.
Se não fosse a presença silenciosa de um pescador solitário, envolto em sua capa de chuva, o quebra- mar teria sido só meu. Passei um bom tempo lá, por vezes sentado no parapeito pintado de branco, por vezes em pé sobre ele. Visto da praia ou do calçadão, talvez alguém pensasse que eu tentava imitar a tela “Caminhante sobre o Mar de Névoa” de Casper David Friedrich, mas garanto que não sou nem de longe um romântico assim. Era porque o quebra-mar estava molhado e gelado mesmo.
Eu ainda observava as ondas pelo fim da tarde, quando um trio de rapazes aproximou-se do parapeito, tirando fotos com seus celulares. “Turistas”, deduzi- tanto pelo comportamento quanto pelo pulo de quase um metro que deram quando uma onda das mais fortes chocou-se contra o quebra-mar, partindo-se em espuma e respingos.
Refeitos do susto, foi a vez dos risos. Fotos voltaram a ser batidas. “E aí, mineiro? Gostou do mar?”, indagou um deles, aparentemente gravando um vídeo. “ô, demais!” respondeu o que se encontrava mais próximo da mureta, acrescentando em tom ao mesmo tempo galhofeiro e admirado “ Eu pensava que não era tão grande. Pensei que era do tamanho que aparece na televisão”.
Primeira vez que vêem o oceano, concluí. Um pensamento tolo cruzou-me a mente, enquanto os turistas continuavam a ver a água espalhando-se entre as pedras: “Como alguém pode viver sem nunca ter visto o mar?”. Realmente tolo, esse pensamento... talvez equivalente ao de um europeu ou canadense que pensasse “Como alguém pode viver sem nunca ter visto a neve?”. Eu nunca vi neve.
Gostaria muito de ver neve algum dia, embora o pensamento lúgubre de que isso nunca vai ocorrer tem se esgueirado cada vez com mais freqüência. Qual seria minha reação, se esse desejo acabar por se concretizar? Parecida com a dos três visitantes que nunca tinham visto o mar, talvez?
A chuva engrossou, os pingos batendo com mais força em meu casaco. Puxando o capuz sobre a cabeça, caminhei toda a extensão de volta do quebra- mar, enquanto os três continuaram por lá a falar, sobre o mar e a cidade por ele banhada.
Inverno, 2017
|