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A vida dela, agora, é um céu estrelado.
MAAL

Resumo:
E eu? Bom... estou apenas tentando lhes falar sobre um assunto que os poetas evitam, os músicos fogem, os autores temem e os escritores esquivam-se. Eu estou apenas tentando mostrar-lhes que aquela garota pode ser qualquer um de nós... seu amigo, seu colega, seu pai, sua mãe, aquele conhecido ou aquele estranho que tentou se comunicar, qualquer um, gritando no silêncio... eu só anseio que aprendamos a escutá-los.

Certa tarde estava passando por uma pequena praça da cidade, era um dia de sorte para mim, pois finalmente em muito tempo consegui ter um momento livre. Vi que era um lugar calmo, com apenas o som dos pássaros e das risadas das crianças que ali brincavam. O lugar perfeito para terminar o livro que há muitos meses queria – pensei. Já antecipo que não consegui ler o livro, o motivo? Uma garota.
Antes de prosseguir tenho que alertá-lo, se você está pensando que essa é uma história amor, de casais apaixonados ou de qualquer coisa sinônima a isso, lamento dizer, você está enganado. Se você espera uma história com um final feliz, lamento informar, mas tem de parar de ler agora. Se você aguarda uma história fantasiosa, lamento decepcioná-lo.
Voltando à história...
Sentei no banco daquela praça e peguei o livro, alguns segundos depois uma garota sentou ao meu lado. Não falou nada, apenas sentou. Ela tinha um olhar diferente, um olhar que nós vemos raramente. Não sei explicar o que aquele olhar transmitia, era como se ao olhar nos olhos dela eu enxergasse sua alma – ou algo assim. Ela viu que eu estava olhando e me cumprimentou, respondi com um sorriso de canto de boca.
- A vida é uma droga, né? – Ela falou
Eu não sabia o que responder e disse:
- Às vezes, sim.
- Você é feliz? – Ela me perguntou
Eu simplesmente não sabia o que responder para aquela estranha.
- Felicidade é uma coisa muito complexa. Acredito em momentos de felicidades, mas não que uma pessoa seja feliz por completo, até por que às vezes temos momentos de tristeza. – Respondi
Ela apenas concordou com a cabeça. Após alguns instantes, levantou-se do banco e antes de ir disse:
- Página 234 – E foi embora
Abri o livro na página 234 – aquele livro era uma reunião de vários contos. Como eu ainda não tinha lido aquela história – e a curiosidade tomou de conta – comecei a ler. O conto da página 234 era um diálogo com uma estrela, e provavelmente aquela garota estava contando a história de sua vida – mas às vezes, muitas vezes na verdade, me identifiquei e acredito que muitas pessoas se identificaram.
Página 234
Então acordei, assim mesmo, do nada e no meio da noite. Ainda era cedo, mas tinha perdido o sono. Fiquei deitada olhando para o céu. Sempre fui seduzida pelo brilho que as estrelas têm, gostava de refletir enquanto às admirava. Passei algum tempo olhando para elas, até que uma me chamou a atenção, ela brilhava mais que as outras, era algo mágico.
Não sei se eu estava sonhando – pois penso que estava acordada – ou se estava apenas tendo mais um devaneio, – sim, era comum – mas aquela estrela falou comigo. Parecia tão real. Ela me cumprimentou, e perguntou como eu estava, respondi que estava bem.
Ela sabiamente falou:
- Durante o dia, eu costumo observar as pessoas. Sempre que os outros perguntam como elas estão, já tem uma resposta pronta: “Oi, eu estou bem e você?”. Quando chega a noite, em suas camas, choram. Então eu aprendi que o significado das palavras “estou bem” é que na verdade não estão. Então, volto a perguntar, como você está?
Então tentei explicar a ela, o motivo de as pessoas – inclusive eu – terem uma resposta pronta para o “você está bem?”.
Eu disse:
- A sociedade impõe a nos sentirmos insuficientes. Eu me sinto assim. Quando uma pessoa me deixa por outra, quando eu não tenho assunto com aquela pessoa na qual quero conversar, quando o professor sabe o nome do colega, mas não lembra o meu, quando tiro uma nota baixa, quando um amigo passa a ser um desconhecido, quando o olhar dos meus pais exterioriza decepção, quando a resposta de outra pessoa foi melhor do que a minha, e por vários outros motivos, sabe o que eu sinto? Insuficiência.
E continuei:
- Mas admitir que estou triste, que sou frágil? Não, isso nunca. Eu não posso passar uma imagem de que sou fraca. Se isso acontecer, seria como cair na cova dos leões, serei devorada.
Ela respondeu-me:
- Sabe a ideia de que a grama do vizinho é mais verde? Hoje, vocês humanos vivem perdendo tempo cuidando da grama do jardim. E para que? Para ela ser mais verde que a do vizinho. Qual o sentido disso?
Página 235
Então aquela estrela sábia me perguntou:
- Vocês ainda são humanos, não são? Ou a incessável convivência com as máquinas os transformou nelas? Eu os observo aqui de cima e vejo que vocês estão o tempo inteiro com a sensação de que deveriam estar fazendo mais. Vocês vivem em uma incansável competição de quem é o melhor, mas não é a ideia de ser melhor para o outro, de fazer a vida de outra pessoa melhor, mas a ideia de superioridade, de mostrar para o outro que sua vida é melhor do que a dele. Vocês querem sempre ser reconhecidos, vistos, serem importantes na sociedade e exaltados por ela, mas de que vale isso? Vocês não conseguem nem ter reconhecimento pelas pessoas que fazem de vocês uma pessoa melhor e ficam se martirizando por não se sentirem bons o suficiente. E por falar em suficiência, já pensou que vocês são sim suficientes? Talvez só não tenham encontrado as pessoas certas que valorizem a sua suficiência e inclusive, a sua inutilidade.
E continuou:
- Vejo muitas pessoas se aproveitando das outras por elas serem uteis naquele momento, entende? As pessoas são úteis para aquela outra, mas depois não são mais e se tornam inúteis, insuficientes e descartáveis. Por isso te proponho um desafio, se você tem a curiosidade de descobrir se o outro te ama de verdade, e que ele vai ficar ao seu lado até o fim, você tem de se questionar: se eu ficasse totalmente inútil para aquela pessoa ela toleraria a minha inutilidade ou eu seria “jogada fora”? Eu só sou interessante até o momento que eu posso proporcionar ao outro algo de bom para ele ou quando eu disser que não posso fazer mais nada para ajudá-lo ele me descartará?
A estrela disse que a minha grama está mais verde que a do vizinho – fiquei feliz – mas é porque do lado de lá tem mais festas – aquilo me devastou.
Eram 06:30 quando o despertador tocou. Eu passei a noite acordada em mais um devaneio, conversando com uma estrela – de fato, eu estava muito paranoica.
No caminho para a faculdade toca uma música que eu ouvi algumas vezes, mas nunca tinha realmente escutado o que ela queria dizer. A música era “Não é sempre” da banda Engenheiros do Hawaii, e o trecho era o seguinte “às vezes parece que eu não tenho nenhuma razão pra chorar, você esquece que eu não sou de ferro, até o ferro pode enferrujar. Você esquece que eu não sou de aço, e faço questão de provar: olhe pra mim, enquanto eu me quebro".
Página 236
Eu estava estranhamente diferente naquela manhã rotineira de faculdade, como se algo em mim tivesse mudado – uma estrela me fez mudar.
- Mas o que mudou? – pensei alto.
Eu passei uma boa parte da minha vida tentando criar laços com as pessoas nas quais eu admiro, pois concordo plenamente com uma frase que li uma vez “qualquer pessoa que te motiva a ser melhor é alguém que vale a pena manter por perto”. Eu tentava manter as pessoas por perto, mas não entendia por que elas insistiam em continuar apenas como passageiras em minha vida – ou seria eu que sou apenas uma mera viajante na vida dos outros? Indaguei-me.
E de novo senti aquela sensação de insuficiência – o que mudou? Queria perguntar isto para a estrela. Mas é como dizia Engenheiros – ainda naquela música – “às vezes tudo muda e continua no mesmo lugar”.
Então conclui o quão desleixada – para não dizer, idiotas – são as pessoas que insistem em apenas me deixar passar por suas vidas. Agimos como se fossemos de ferro, de aço, mas nós enferrujamos e quebramos, e por quê? Porque somos frágeis – apenas não admitimos.
A minha estrela – sim, ela era minha – me ensinou que eu não precisava ser forte o tempo inteiro. Que demonstrar fragilidade não era sinônimo de fraqueza. Que as pessoas precisam recuperar o seu lado humano. Percebi que na vida estamos sempre rodeados pelos olhares das pessoas, mas que poucas realmente se esforçam para nos enxergar. Entendi que em nossas vidas só devemos levar conosco aqueles que querem nos fazer melhor, porque de pessoas que nos diminuem já estamos fartos.
Como nos transformamos na geração dos autossuficientes? Indago-me. Nos enchemos tanto de si que transbordamos solidão. Perdemos a capacidade de olhar o outro com amor. Perdemos a capacidade de enxergar... nós olhamos mas não enxergamos. Perdemos a capacidade de escutar... nós ouvimos mas não escutamos.
Perdemos a sensibilidade de ver no outro a fragilidade de SER humano, e não só no outro, perdemos a sensibilidade de nos vermos como seres frágeis.
Com sorte em meio aos meus devaneios eu ainda encontre alguma estrela, que me faça lembrar que podemos ser frágeis, e ainda assim sermos suficientes para algo ou para alguém. Que encontraremos pessoas que suportarão nossa inutilidade. Que tenhamos a capacidade de enxergar o quão deslumbrante é uma noite estrelada, o quão sedutor é o crepúsculo, o quão irresistível é a visão do mar e o quão fascinante a vida pode ser, basta a capacidade de acreditar que o amanhã sempre vai ser melhor e que as pessoas ainda valem a pena - sim, algumas ainda valem – assim espero.

Aquela foi a leitura mais breve e profunda que li, parecia que algo em mim estava se devastando, um aperto no peito, um sentimento de falha. Mas por que falha? Eu não falhei, ou será que falhei? Falhei com as pessoas ao meu redor? Falhei com aquela garota? Eu deveria ter tentado ouvi-la ou ter ido atrás dela quando ela se levantou, saber o que ela estava passando, ela tentou se comunicar, mas eu não a escutei, e agora era tarde? Questionava-me se ela estava querendo falar algo e não dei importância. Mas, eu nem a conhecia, então, para mim não importava. Deixei o sentimento de culpa e falha de lado, guardei o livro e segui.
Havia, perto da praça, uma velha casa na árvore que costumava ir quando criança, mas, estava completamente abandonada. Resolvi subir e entrar, a poeira tomava de conta do local, porém, ainda conseguia sentir o mesmo cheiro que sentia quando brincava ali.
Fui olhando o local, até que ouvi um ruído, fui ao pequeno quartinho que havia e aquela garota estava lá, me senti um pouco tímida por não saber o que falar depois da profunda leitura de seu conto.
Ela, de novo, me cumprimentou. Respondi, novamente, com um sorriso de canto de boca.
- Gostou do conto? – Perguntou
- Sim, muito profundo – Respondi – É sobre você? – Perguntei timidamente
- Não, é sobre você.
- Sobre mim? – Perguntei assustada
- Sim, sobre você, minha família, meus amigos, colegas, sobre aqueles que sou apenas “conhecida”. Todos que já me olharam e fizeram um pré-julgamento.
- Eu fiz um pré-julgamento seu? – Perguntei
- Sim, provavelmente deve achar que sou estranha e problemática.
- De fato... sinto muito. É como se fosse da condição humana julgar antes de conhecer. Agora me sinto mal por isso. – Falei
- Tudo bem, a gente acostuma – Ela disse
Olhei para o relógio e vi que já estava ficando tarde. Disse para a garota que tinha que ir embora, ela consentiu com a cabeça e também saiu logo após. Antes de ir para casa, passei em uma lanchonete, fiquei pouco mais de uma hora. Já era noite e tinha de ir para casa.
No caminho havia uma ambulância e alguns policiais em uma casa, corri para saber o que havia acontecido.
A casa era daquela garota.
Eu nunca tinha me sentido tão mal quanto me senti naquele momento. Eu realmente tinha falhado com ela? Eu não conseguia acreditar ela tinha feito aquilo.
Naquele instante procurei um lugar para sentar, pois todo meu corpo estava adormecido, exceto meu coração, ele batia tão forte que eu o escutava e o sentia... doía. Um aperto no peito e um nó na garganta tomaram conta de mim. Neste momento, desmaiei.
Falar sobre sonhos geralmente é algo complicado, você nunca entende o que está acontecendo nele e muito provavelmente o esquece 5 minutos depois que acorda, isto é, quando você não o confunde com um devaneio, e era exatamente o que eu não conseguia distinguir naquela situação – um sonho ou devaneio? Não faço ideia, mas a estrela do conto daquela garota falou comigo.
- Você poderia ter sido a estrela que aquela garota procurava – Ela disse – Você sabe o que estrelas são? São guias, iluminam a escuridão da noite, clareiam o caminho daqueles que estão perdidos.
E continuou:
- Vocês humanos são uns completos desleixados – para não dizer, idiotas – com as pessoas ao seu redor. Todos os dias vocês passam por pessoas que estão prestes a acabar com a própria vida, que por dentro já estão mortas, que por fora apenas sobrevivem. Passam por vocês todos os tipos de pessoas, as que são felizes, as tristes, as bem sucedidas, as que estão entrando em falência, as que vivem, as que sobrevivem, todos os dias e nunca se dão conta do quão desleixado são. Não é que vocês tenham que sair falando com todos e perguntando se eles precisam de algo ou se estão bem. É só que, vocês são desleixados com os seus próprios familiares, amigos e colegas. As pessoas estão simplesmente passando por suas vidas e vocês não se dão conta do quão idiotas são com elas, vocês olham, mas não enxergam, ouvem, mas não escutam.
E com uma bela colocação aquela estrela encerrou a maior lição da minha vida, lição na qual faço questão de compartilhar com vocês que estão lendo este conto: “Prestem atenção nos gritos daqueles que estão em silêncio, no estardalhaço que aquela noite calma faz, no quão transparente é aquilo que está no implícito, a vida acontece nas entrelinhas.”
Algumas semanas depois do ocorrido, fui visitar os pais daquela garota, resolvi contar tudo que havia acontecido naquela tarde em que ela me encontrou.
A mãe começou a chorar, disse que não tinha visto os sinais, que não tinha entendido, ela parecia sempre tão bem, cheia de vida, de amigos, vivia fazendo piada e sorrindo. Ela simplesmente não compreendia o porquê.
Eu tentei explicar para ela o que tirei de lição de toda aquela situação:
- O problema está em cada um de nós, em cada vez que olhamos estranho, debochamos, julgamos... quando não escutamos ou enxergamos o outro... o problema, o real problema, é que nós julgamos mal tudo que há no outro, falamos por que achamos que sabemos, mas não sabemos, porque não somos capazes de sentir como o outro sente. Talvez a gente até não tenhamos feito nada ruim, mas possa ser que tenhamos deixado acontecer. Que vimos os julgamentos, as criticas e não falamos nada, ou falamos e ainda criticamos junto. A gente nunca sabe o quão criticada e julgada aquela pessoa já é, ninguém precisa disto, de ser julgado e criticado, só precisamos de pessoas que tentem nos entender, nos compreender. O problema é que é difícil de encontrá-las. Estamos tão acostumados com críticas que quando pessoas nos admiram, elogiam, achamos que elas estão querendo algo, que é só por interesse ou sei lá o que passa pela nossa cabeça. Nos tornamos seres humanos estranhos...
A mãe da garota concordou comigo. Ficamos um tempo conversando, até que, perto da hora do almoço a campainha tocou, o pai levantou-se e foi abrir a porta. Aquela garota entrou, estava com a farda da escola, livros e mochila, ela se assustou quando me viu, porém, sorriu. Eu correspondi e desta vez não foi um sorriso de canto de boca.
Bem... ela não conseguiu terminar o que queria, digo... o suicídio. Eu disse que não teríamos um final feliz? Desculpe o equívoco… Felizmente, a ambulância foi rápida o suficiente para salvá-la a tempo. Ela mudou as pessoas que lhe rodeavam, aquela garota encontrou várias estrelas no decorrer de sua vida, e sim, aquelas estrelas permaneceram. A vida dela, agora, é um céu estrelado.
E eu? Bom... estou apenas tentando lhes falar sobre um assunto que os poetas evitam, os músicos fogem, os autores temem e os escritores esquivam-se. Eu estou apenas tentando mostrar-lhes que aquela garota pode ser qualquer um de nós... seu amigo, seu colega, seu pai, sua mãe, aquele conhecido ou aquele estranho que tentou se comunicar, qualquer um, gritando no silêncio... eu só anseio que aprendamos a escutá-los.

E aí, vamos falar de suicídio?

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