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De Cabelos Soltos
Lasana Lukata

Resumo:
Dia da "Professora"

Ela era a minha professora de Literatura. Na verdade não era. É que uma vez a professora titular passou mal e a chamou para ficar no seu lugar, à noite, até sarar. A infeliz sarou. Quando a vi chegar, de vestido salmão e meias brancas, pensei em jogar umas alcaparras sobre aquele salmão e devorá-lo. Ela, doce feito salmão. Carinhosa. E fiquei interessado nas leis que regiam aquela professora de cabelo preso, sempre de cabelo preso e muito ágil no quadro. Em silêncio, guardava as aulas dela nos meus rins, não aquelas que dos livros ensinava, mas as aulas bem escritas sob o jeans...
Daquela noite em diante estava resolvido a estudar à tarde também. Tornei-me seu aluno oficioso com a coerente desculpa de a professora da noite ser muito exigente e precisava de reforço, ouvir mais de uma vez a mesma coisa por sofrer do efeito retardado. Citei para ela Murilo Mendes: ver, rever, ver, rever... Baixou a cabeça, com a língua umedeceu os lábios e consentiu a minha presença.
A cada aula terminada eu ia para casa ruminando a sua imagem, procurando nos movimentos algo que me desse uma certeza para dar mais um passo até a Kelly. Professora Kelly Cristina.
Os primeiros vestígios vieram da turma vespertina, quando nas tardes as meninas da “turma do gargarejo” disseram estar a Kelly andando muito bonita em sala de aula e coisas estavam acontecendo. Reparei no seu vestido preto, no colar dourado satelitizando-lhe o pescoço. As meninas faziam tais comentários e olhavam para mim, para ela e sorriam, mas para um Tomé não basta ver, é preciso tocá-lo. Tomé nunca ligou para Platão e seu mundo das idéias. O negócio era tocar, apalpar a professorinha. Eu precisava de mais, mais, entende? Até porque diz a mulher, que se arruma para si mesma. A elefanta rebola para o elefante, mas a mulher saracoteia para si mesma. Não tem nada a ver de atrair os homens, não! Tá bom! Deveria andar nas ruas com dois grandes espelhos, um na frente e outro atrás. O da frente para funcionar como retrovisor e ver no de trás o seu narcíseo rebolado.
Mas precisava observar os sinais por mim mesmo e foi nos meus atrasos involuntários que me veio a certeza: ela também estava trabalhando do lado de lá para eu me aproximar. Eu não estava vivendo unilateralmente. Havia um tácito acordo, um amor bilateral se desenvolvendo, ainda passarinho sem asas, precisando de alimento na boca. O passarinho dessa literatura se alimentava dos cabelos e cantava cada tufo perfumado, imaginado em seu nariz.
Os sinais vieram: Fiquei sabendo que ela dava aulas pela manhã e também me tornei seu aluno da manhã. O trem de Belford Roxo atrasava sempre e quando eu chegava, a aula já estava pela metade. Sentada, lá estava ela de cabelos presos. Bastava eu entrar e mal sentar, num piscar de olhos, como as mulheres fingem! Kelly Cristina já estava de cabelos soltos: Uma índia tamoio de cabelos negligenciados sobre os ombros, parecendo nunca arados pelos dedos de um homem. Seus cabelos eram um Ipiranga transbordando, desobedecendo as margens dos ombros. Diante dela eu era um Sansão que perdeu as tranças.
Passei a chegar atrasado de propósito para verificar se o fenômeno se repetiria. Fingi não vir a algumas aulas, mas ficava da outra sala vazia, observando e Kelly Cristina passava a aula inteira de cabelos presos. Sentada. Pedra sem forma, porém, no momento em que eu chegava, Kelly virava uma estátua viva de Rodin, movimentando-se por toda a sala e suavam a enlouquecida Camile e seus mamilos eretos. Sempre de cabelos soltos. Ah, essa não soltava os cabelos para si mesma, não...
E nos seus cabelos soltos estava a minha força. A certeza de que haveria uma confluência, mas ao avançar na tese, com ternura, alisando a minha mão, rindo, a professora Kelly confessou que os seus cabelos soltos disfarçavam apenas a cabeça chata.



Biografia:
Lasana Lukata é poeta, escritor por usucapião, São João do Meriti, RJ.
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