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O Taxista
Dikizeko Pires

Vivia, na cidade de Luanda, um taxista chamado Samuel. Era um jovem moreno, tinha um rosto magro com olhos fundos e media cerca de um metro setenta e dois. Ele trabalhava com um Toyota Hiace azul e branco, como é óbvio. Olhava para o seu carro com muito orgulho e sempre que terminavam as suas tarefas diárias lembrava-se sempre de o deixar impecavelmente limpo. Ele lidava muito bem com o seu cobrador, Venâncio, apesar de serem muito diferentes. Samuel era um jovem inteligente e, por isso, gostava sempre de um bom debate. Sempre que entravam na via, as cinco da manhã, e quando terminavam, as dezoito horas, Samuel tentava sempre iniciar um debate com o seu companheiro Venâncio, mas ele não gostava muito de argumentar e, portanto, encerrava o debate de imediato dizendo: “wi você gosta muito falar desses mambos vamos só bumbar camone”. Mas Samuel não ficava aborrecido porque ele sabia que em algum momento encontraria um passageiro que gosta de argumentar. Samuel era muito gentil, falava com modos para os passageiros e sempre que tinha a oportunidade de ter uma conversa longa com algum passageiro não se esquecia de dizer que ele queria tanto ser um advogado e não se tornou um ainda por falta de oportunidade, mas que agora as coisas poderiam mudar porque lhe foi atribuido um Hiace novo e então ele poderia trabalhar sem problemas durante o dia e ir para a faculdade de Direito a noite. Samuel era, também, muito solidário, andava com livros sobre direitos humanos no carro e ficava desesperado sempre que olhava para realidade social de Luanda, não parava de criticar o baixo nível intelectual.
“Não gosto desse desse Cota”- disse Samuel aborrecido ao ser interpelado por um agente regulador de trânsito.
“Esse Cota só nos estraga o dia”- respondeu Venâncio.
Samuel parou o carro e encostou fora da faixa de rodagem, deu de cara com um senhor alto e assustador. O agente pediu-lhe os documentos e Samuel passou-lhe os documentos de imediato. O agente segurou os documentos e, sem dizer nenhuma palavra, foi-se embora. Samuel ficou aborrecido e, sem saber o que fazer, começou a pragueja-lo.
Samuel ligou o carro e seguiu o agente que não parava de acelerar a sua moto. Samuel também acelerava o carro mas não teve muita sorte porque ficou preso no engarrafamento que encontrara no Zé Pirão.
Depois de longos minutos imóvel no engarrafamento, finalmente conseguiu chegar a Mutamba. Ele odiava ficar sem os seus documentos e não gostava nada da ideia de que um agente regulador de trânsito levasse os seus documentos ou os documentos dos seus colegas. Por isso meteu-se a perguntar, aos seus colegas, o paradeiro do agente Miguel, mas infelizmente não obteve uma resposta satisfatória. Segurou o telefone e ligou para o seu patrão para avisa-lo que um agente levou os seus documentos e os documentos do carro e que até agora não aparecera. Trabalhou sem os documentos o dia todo e, por sorte, não foi parado por mais nenhum agente.
As dezoito horas e cinquenta e seis minutos foi quando Samuel chegou em casa, ao chegar encontrou sua mãe, sua irmã e mais duas vizinhas no portão, cumprimentou-as com toda a educação, que era sua característica, e foi para o quarto. Seu quarto era espaçoso e bem confortável e ele gostava de ficar lá. Tentou ligar o ar condicionado mas infelizmente não tinha energia eléctrica. Acendeu uma lanterna enorme e sentou-se numa poltrona velha porém confortável. Tinha uma pilha de cds de R.A.P no quarto que iam MCK e IKONOKLASTA até Common e A Tribe Caled Quest e tinha também uma pilha de livros cuidadosamente arrumados ao lado dos cds. Queria ler alguma coisa ou ouvir um R.A.P, ou talvez fazer as duas coisas mas depois lembrou que não tinha energia eléctrica, então meteu-se a pensar no dia difícil que teve, pensou na humilhação que quase todos os taxistas passavam nas mãos dos agentes de trânsito e depois pensou em como seria o seu destino se o seu pai não tivesse morrido na guerra quando ele era apenas uma criança. Pensou nestas três coisas durante horas até que subitamente adormeceu.
Quando eram cinco da manhã Samuel e o seu companheiro Venâncio já estavam na paragem a levar os primeiros passageiros que saíam dos Congolenses e iam para Mutamba. Nesta hora ainda não há engarrafamento e nem muitos agentes de trânsito, nessa hora eles ainda cobram cem Kwanzas.
Samuel conduzia sempre atento á procura do agente Miguel. O agente Miguel era um homem cruel que o irritava com a grande quantidade de dinheiro que extorquía dos taxistas e por ele o apelidara de o carrasco dos taxistas.
Quando eram dezassete horas e oito minutos Samuel vinha da Mutamba e dirigia-se para os Congolenses quando viu três Hiaces parados em fila indiana e a frente uma moto que reconheceu imediatamente como sendo a moto do agente Miguel.
Samuel parou o carro e foi até ao agente.
“Boa tarde chefe”- saudou.
O agente Miguel olhou para o Samuel com todo desprezo e, depois de quase quarenta segundos perguntou: “o que queres?”
“Preciso dos meus documentos.”
O agente retirou da algibeira um bloco e aproximou-se dos taxistas que estavam parados. Extorquiu-lhes algum dinheiro e os despachou.
Disse, então, ao Samuel: “siga-me.”
Samuel começou a segui-lo e depois e depois de algum tempo percebeu que ele não ia a Mutamba. Então ele sugeriu ao Venâncio que deixassem os passageiros.
Venâncio abriu a porta aborrecido e pediu aos passageiros que saíssem enquanto o Samuel se desculpava pelos transtornos.
Samuel acelerou e viu agente no fundo. Continuou a segui-lo e quando deu por si estava novamente na Mutamba.
Samuel desceu do carro aborrecido e gritou com o agente: “se o que esperas é o meu dinheiro então é melhor esqueceres porque eu estou bem legalizado.”
Samuel estava acostumado a ler livros de Direito e livros sobre Direitos Humanos por isso não media as palavras quando falava com os agentes.
Foi nesse momento que o agente o pediu para acompanha-lo a esquadra para buscarem os documentos. Ele o acompanhou até a esquadra e quando lá chegaram o agente o mandou prender acusando-o de desacato.
Meteram-no na cela sem menos ser ouvido, tentou se explicar mas o outro polícia o mandou calar-se dizendo: “tu tens sempre uma resposta para dar, pensas que és o advogado dos taxistas?”
Na verdade a maioria dos polícias eram semi-analfabetos e para eles exigir que a lei se cumpra era um ato de desrespeito.
Samuel foi enfiado a força na cela por dois polícias corpulentos. Dentro dela encontravam-se quatro ou cinco jovens que não paravam de vituperar. A cela era escura , assustadora e não muito espaçosa. Do lado direito tinha um recipiente com água cujo volume media sete ou oito litros e do lado esquerdo estava a retrete que exalava um odor forte de urina que sufocava todos que se aproximavam dela.
Samuel caminhou até ao fim da cela e deitou-se de forma descontraída. Os jovens continuavam a vituperar e faziam ameaças graves ao outro jovem que se encontrava na cela paralela a deles. Samuel mexeu a cabeça três ou quatro vezes para a esquerda e para a direita e lamentou o modo como os jovens rapidamente se acostumaram com o uso da violência.
Um dos jovens, depois de tantos gritos, sentiu vontade de beber água. Dirigiu-se então até o recipiente e segurou um copo feito de garrafa plástica recortada encheu com água e bebeu desesperadamente como alguém que se perdera no deserto e agora encontrara um oásis. Samuel olhava para o jovem que bebia água sem respirar enquanto lhe saía água pelos cantos da boca que molhou todo seu peito.
Um carcereiro abriu uma portinhola e através dela atirou o jantar como quem atira comida aos animais . Samuel disse que não queria comer e um dos jovens puxou o seu prato com uma rapidez incrível e comeu o jantar insípido servido pelos guardas.
Depois da refeição um guarda passou e avisou-os que não queria mais gritos e então todos ficaram em silêncio. Samuel decidiu aproveitar o silêncio para tirar um cochilo mas mil pensamentos pairavam sobre a sua cabeça. Começou, então, a balançar a perna esquerda fazendo movimentos relaxantes na esperança de adormecer.

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