É preciso ter a paciência do tempo, quando abro a porta e tenho a visão que se choca com meu espanto no choro de uma pessoa. Fico ao lado da porta, imaginando ouvir o choro em desordenados sons no repassar a mágoa do instante ao revelar em fio de voz o sofrimento e a dor transferida d’alma como ferramenta de consolo. Segundo Mia Couto, “Triste é escolher entre o mau e o pior. Entre a realidade e o sonho, qual deles preferir?...”.
Quem chora tem sua hora de dúvida, de dor, do medo como explicação do valor do tempo, onde palavras soam a verdade em reforço da própria vida. No mundo só se aprende a verdade quando há a súbita perda do sentido na ausência do descaso. Pois não se sonha sem a lembrança que aconchega as imagens dos retratos no tempo, tal em Lima Coelho, “Na imaginação / Em teus mares / Naveguei / Nas ondas da emoção / Aportei / Nas palmas / De tuas mãos / Chorei...”.
Atravessamos os atalhos do tempo, os degraus das razões do choro com a leveza do conforto, porque guardamos, entendemos e ratificamos a infância e a morte como páginas mal rabiscadas no poema triste que em cada palavra represa as lágrimas, como demonstra Lúcio Lins, “Não tenho horizontes / tenho sonhos à vela // e a tempestade da história...”.
Quando choramos o tempo vivido, sentimos a estranheza que não sai da memória, de tal modo que não sabemos exatamente como sentimos o coração. Momento em que a vida só se torna suportável porque os pensamentos “conversam” com os sentimentos. A tristeza se instala quando não encontramos o passado e inexiste o tempo das impressões das carícias no lusco fusco do por do sol e com ele a saudade.
Semeamos luzes com a paciência que sentimos nos nós do tempo, ao redesenhar as longas tardes em que o tempo grita por respostas e começamos um desses prantos que revelam a indecifrável tristeza que estremece a visão do horizonte. Nas palavras de Cacaso, “... Ó realidade, / há séculos eu te procuro! / Nas regiões do dia e da noite / sou lâmina que respira...”.
O choro desarruma a alma, desfaz a verdade e revela a emoção em que nos flagramos com o sentimento que inviabiliza o tempo dos encantamentos. Espantamos-nos com o tempo iluminado apenas pelo silêncio na voz alterada da tristeza e com o olhar ausentado da vida.
De um momento para outro, o choro se torna sombra ao redescobrir o sofrimento no enfrentar, abrir a porta do tempo e sentir a luz que nos impede de atravessar o cinzento mundo.
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Biografia: Pedagoga. Articulista e cronista. Textos publicados em sites e blogs.Participante e colaboradora do Projeto Passo Fundo. Autora dos livros: Amantes nas Entrelinhas, O Exercício das Vozes, Autópsia do Invisível, Comércio de Ilusões, O Eco dos Objetos - cabides da memória , Arte em Movimento, Vidas Desamarradas, Entrelaços,Eles em Diferentes Dias e
A Linguagem da Diferença. |