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No apagar das luzes
Roberto Queiroz

O rock n' roll rendeu-se a um bom mocismo exagerado e alienado, com direito a muita maquiagem, caras, bocas e combinações estéticas esdrúxulas. A MPB outrora brilhante abraçou de vez esse arremedo de música que anda tocando nas rádios, tornou-se refém de discursos machistas, chauvinistas, sexistas e misturou alhos com bugalhos em letras que superam e muito a insanidade narrativa. O teatro, pobre coitado, esse dá pena! É obrigado a aplaudir toda sorte de bobalhões e careteiros e suas "piadas" (tem que ser com aspas) infames e sem sentido, isso entre um musical corruptela da Broadway e outro. Da tv já desisti faz tempo, prefiro nem falar. Hoje em dia quando sento em frente ao aparelho já trago minha programação gravada previamente num pen-drive que eu batizei de bóia salva-vidas. Quando entro em qualquer livraria atrás de algo para ler eu preciso antes de mais nada fazer uma breve oração, uma singela Ave Maria, na porta da sala, antes de entrar. E suplicar: "Ó pai, faça com que eu encontre um mínimo de sabedoria neste lugar". E às vezes a oração acaba sendo em vão. São tantas opções ruins que eu eu às vezes saio da livraria gritando, penso estar sonhando. Será que tudo não passa de um pesadelo? Não. Não é. É a mais pura verdade. A geração é que quer ganhar dinheiro fácil mesmo. Mas é bom que se diga, antes que me acusem de resmungão, que sou salvo pelo gongo de quando em quando com alguma boa surpresa, nada que se assemelhe a um Dostoiévski, um García Marquez ou mesmo um Autran Dourado, mas dá pro gasto. E não bastasse tudo isso, toda essa reclamação, o mundo parece cantar ad eternum aquela música do Justin Timberlake, can't stop the feeling, e todos saem dançando por aí, como se nada estivesse fora do eixo, como se não existe miséria na África, como se não existissem refugiados tentando encontrar um lugar para morar, como se todos os problemas ocasionados pelo aquecimento global fossem desaparecer num estalar de dedos. Acho que foi por isso que eu decidi encerrar a minha carreira artística hoje, nessa coletiva para imprensa. Ando cheio. De tudo. Não vejo espaço para a arte nesse mundo de meu Deus, me socorre, por que eu já não sei mais o que fazer! Os meus colegas de profissão tentaram me convencer do contrário, disseram que eu estava exagerando, que era só uma fase, mas achei melhor não dar ouvidos. Não parece só uma fase. Parece algo maior. Algo pior. Uma espécie de avalanche ou tsunami social. Sei lá... Posso estar divagando apenas ou mesmo enlouquecendo... Enfim... Decidi parar. Ou como bem dizia meu pai, que não chegou a testemunhar o meu sucesso nos palcos: "fechei para balanço". Por tempo indeterminado, é bom que se diga! Não quero mais viver de falsas promessas, de ilusões tolas, de caprichos dos poderosos, capitalistas, desalmados, que fazem de tudo para tornar a nossa vida, nós, pobres mortais, sempre um pouco pior. É isso. Agradeço aos jornalistas que compareceram à coletiva, digo-lhes que não responderei a nenhum pergunta, não estou no clima para isso, e saio pela porta de emergência. Os organizadores do evento estranham minha saída à francesa, mas é o meu jeito de dizer que não aguento mais, que cansei. Cansei mesmo. E como já disse antes e repito: por tempo indeterminado. Até a próxima. Ou não. O último a sair apaga a luz porque eu sempre me esqueço dessa parte.


Biografia:
Crítico cultural, morador da Leopoldina, amante do cinema, da literatura, do teatro e da música e sempre cheio de novas ideias.
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