Quando eu era criança costumava brincar fingindo que era adulta e levava uma vida difícil para sustentar minha família. Passava horas falando sozinha, perdida em meio a minha imaginação, absorta nas criações de minha mente.
Agora mais de 20 anos se passaram, e para minha surpresa aqueles sonhos que minha mente infantil criava se tornaram realidade, mas ela não é exatamente tão doce quanto eu pensava.
Sou adulta, finalmente! Essa afirmação inunda todos os aspectos da minha vida e pauta meus movimentos, mas ao contrário do que acontecia nas minhas elucubrações infantis agora não tenho certezas nem segurança, tenho dúvidas, e muitas.
Uma centena de vezes já estive pensando sobre o que é mesmo ser adulto.
Lá, naquela época boa, ser adulto era muito bom. Eu poderia ter liberdade para fazer as coisas que quisesse, sem precisar pedir permissão a outras pessoas. Aquelas inseguranças de criança desapareciam quando me imaginava adulta. Eu poderia ir e vir; poderia me vestir conforme eu quisesse; comer o que quisesse; fazer o que tivesse vontade na hora que me aprouvesse, porque afinal de contas seria adulta, e os adultos possuem autodeterminação, não se submentem, são senhores de si, não é?
E vejam só qual foi a minha decepção quando ainda jovem descobri que desde pequena estava iludida.
A vida real está mesmo muito longe da ideal. A verdade de ser adulto é que você tem muito menos do que tinha na infância e vai se lamentar o resto da vida por isso. Não afirmo isto só em um sentido quantitativo, mas, e principalmente, qualitativo.
Comecemos, pois, com aspectos básicos.
Às crianças é permitido dormir, isto inclusive é estimulado. Claro que não poderia ser diferente, as crianças crescem enquanto dormem, logo, precisam dormir. Os adultos, esses já cresceram, não precisam mais dormir. Então, meu filho, você será compelido, obrigado, forçado a pular da sua cama antes mesmo do sol se espreguiçar ouvindo o barulho estridente do despertador. Levante-se! Você precisa correr atrás do prejuízo! Na China o Sol nasceu já faz doze horas. Você foi deixado para trás, está perdendo tempo precioso. Sono? Tome um café bem forte, tome um banho gelado, e esqueça-o. Agora você é adulto, e adultos não dormem, porque isso é perder tempo, é uma atividade vulgar, coisa de criança.
Pronto. Agora que está devidamente paramentado com o uniforme da empresa onde você apaixonadamente desenvolve suas atividades, e o seu estômago está cheio de café para manter sua mente acordada, você pode ir trabalhar. Sim, eu disse trabalhar! Então você achou mesmo que a tal da liberdade que sonhava enquanto era criança existe? Quanta ingenuidade. Agora você passará no mínimo oito horas do seu precioso dia desenvolvendo atividades que detesta, sendo forçado a conviver e manter a urbanidade com pessoas que detesta, e que detestam você também, a pensar e a desejar o dia todo estar em algum lugar com a sombra de uma árvore, fazendo algo de útil a sua vida além de elaborar relatórios. Um bom livro talvez. Ou talvez meditar sobre a vida. A liberdade? Essa ficou lá atrás, vinte anos atrás.
Agora você tem um sorriso falso bem no meio da sua cara, mostrando seus dentes brancos e perfeitos que custaram mais da metade do seu salário. Alguns generosos gramas de corretivo e pó compacto para esconder suas olheiras, blush para mostrar o quão saudável e corado você está e um estômago vazio, afinal ser esguio é essencial.
Neste momento você tem autodeterminação. É adulto. Apesar disso, descobre que tudo não passa de falácia. Aqui ninguém se manda. Cada um está diretamente ligado a alguém acima de si que lhe controla, mesmo que nem se dê conta disso. Seu comportamento, suas roupas, sua comida, seus pensamentos, tudo isto está sendo manipulado, moldado, lapidado por outras pessoas. Não haverá seus horários. Haverá cronogramas e prazos. Os horários do trabalho, os horários da faculdade, os horários do programa que você adora tanto assistir, o prazo para o protocolo do trabalho de Direito Processual do Trabalho, a data de vencimento da TV a cabo. Corra! Você está atrasado.
E então, volto a perguntar: o que é mesmo ser adulto?
Ser adulto neste século, meu bem, é ser condenado a passar o restante da sua vida preso a formalidades e cerimoniais inúteis. Significa deixar suas vontades reais de lado e adotar uma vida que não é sua, mas a que lhe deram para você viver. É precisar tomar Fluoxetina, Sertralina, Amitriplina, Venlafaxina, para se manter nos eixos quando a pressão dentro da sua cabeça está te deixando a ponto de não querer fazer mais nada, porque você não consegue nem ao menos se sentar a mesa e comer as coisas que gosta sem ter um lembrete mental de que precisa comer rápido porque está atrasado para o trabalho. Ser adulto é nadar contra a corrente, camuflar suas tristezas, angústias e fragilidades com a academia, o óculos de gatinha da Chanel, as bolsas Vitor Hugo, os tratamentos estéticos que te fazem parecer outra pessoa. Porque bonito; bonito é ser feliz! E gente triste, insegura, feia, pobre e insatisfeita é chata.
A verdade é que as brincadeiras de criança se foram e agora você tem você contra você mesmo e um time de outras pessoas atrás de si tentando te ultrapassar, nem que para isso seja preciso lhe pisotear.
A verdade é que entre pessoas e coisas o que sobra é a infelicidade de ser adulto.
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