Olho o fio da faca e o sinto em macio toque;
escuto, vindo dos confins da noite, o choque
de sua língua com a carne do coração tombado:
ereto, parado, vou de encontro, transfigurado...
Saber-me vivo a mim bastaria se não fosse o outro,
o pedaço que me completa, me torna o mesmo tesouro;
campeio em campo de estátuas e mármore apodrecido,
procuro o pulsar que instantes antes era vivo...
Apanho um fragmento de mim e o colo como azulejo;
sinto o frio que emite, suspiros, grunhidos, medo,
o aqueço com a palma da mão junto ao meu peito...
Assim colho mil pedaços e teço a figura que serei,
a componho num estranho mosaico que ainda não sei
o que se tornará: o que ama ou o imperfeito...
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