Definitivamente aquela era uma manhã de sexta atípica. Os raios solares inundavam o pequeno quarto mal decorado de cores em bege e amarelo. Miguel fizera uma observação mental de que aquele cômodo precisava, com urgência, ser arrumado. Roupas amarrotadas estavam desorganizadas e jogadas pelo chão, além de vários sapatos femininos estarem empilhados próximos a uma estante onde se encontrava uma televisão velha, desbotada, sem vida.
De súbito, Miguel pensara em correr dali e ir à busca da sua segurança, de seu porto seguro. Porém, ele balança a cabeça em negação instantaneamente como se tivesse se lembrado de algo.
E, como se tivesse percebido a tremenda loucura que fizera na noite anterior, ele vagueia sua mão esquerda por entre os lençóis e, logo depois, toca em um cabelo totalmente desconhecido. Em uma pele totalmente desconhecida. E, mesmo ela sorrindo ao contato de seu mínimo toque, ele desconhecia aquela expressão. Ele não queria estar ali. Não mesmo. O que eu fiz? Lamenta Miguel passando as mãos pelos cabelos desgrenhados meio desesperado.
Ele claramente não estava em seus melhores dias. Sabia disso porque seu coração parecia afundar em meio a tantos sentimentos impertinentes. Ele sabia que não podia ficar parado esperando uma resposta cair do céu e nem ficar se lamentando eternamente como um covarde. Sim, um covarde e do pior tipo.
Cuidadosamente, então, ele se levanta e corre pela porta a fora silenciosamente. Em seus últimos pensamentos antes de sair daquela casa desconhecida ele a tinha em todos os suspiros, em todas as suas frustrações e em todas as suas desculpas. Antes de sair fizera uma prece na expectativa de que fosse perdoado. "Ah, meu amor, seja capaz de me perdoar. Seja capaz de me perdoar". Com os olhos estranhamente marejados e com o coração apertado, Miguel resolveu enfrentar seu destino e foi, assim, decidido, ao encontro da única pessoa que queria acordar todos os dias, todos os anos, décadas e séculos...
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Júlia acordara atordoada. A noite passada havia sido tempestuosa. Porque ele tinha de ser tão impulsivo? Depois de quatro anos de amizade, Júlia não conseguira entender a mudança de Miguel tão repentinamente.
Quer dizer, ele sempre fora atencioso e sempre dissera para ela encontrar um namorado e sair para espairecer ao invés de ficar em casa lendo romances de séculos passados.
Miguel costumava proferir a ela que idealizar namorados perfeitos não era um bom começo para relacionamentos. Até ai ele estava certo. No entanto, como Júlia poderia idealizar se nunca houve alguém com quem quisesse namorar? Ah não ser, é claro, por...
"Ah, Miguel... Se apenas você soubesse", suspira Júlia inocentemente enquanto tenta, sem sucesso, ler Razão e Sensibilidade de Jane Austen, enroscada por entre os lençóis e travesseiros da cama.
Com a cabeça ligeiramente inclinada para cima, Júlia cobriu seus incríveis olhos castanhos cor de mel com as mãos, como se o pequeno gesto pudesse impedir qualquer pensamento doloroso de entrar em sua mente.
Tudo em vão.
A pobre Júlia abraçou seus sentimentos inapropriados novamente e permitiu sonhar um mundo em que Miguel a via como mulher e não como mera amiga de universidade. Seria um mundo perfeito, concluiu a garota.
E ela o amava.
Amava seus olhos azuis. Amava seus cabelos pretos e lisos. Amava o modo como seu sorriso se alargava naquele perfeito rosto. Ah, como o amava. Porém, contra vontade, Júlia foi fadada a deixar de suspirar por tal para que pudessem ser amigos, já que ele nunca demonstrara sinal de que o sentimento era reciproco.
No entanto, algo na noite anterior fez com que ela se permitisse sonhar como nunca havia antes. Ela teve esperança e isso de certa a forma a magoava, pois sabia que nunca ia acontecer. Depois de muito pensar em Miguel, Júlia resolveu levantar-se da cama. Afinal, aquilo já estava ficando depressivo.
Foi quando a campainha tocou e ela rapidamente correu até a porta para se certificar quem era. E se surpreendeu ao encontrar um par de olhos azuis familiares estranhamente brilhantes. Eles estavam grandes demais até. Ela de súbito perguntou-se mentalmente o que havia acontecido e, preocupada, iria lhe indagar o motivo de tanta emoção, quando ele puxou-a para seus braços abruptamente como se sua vida dependesse daquilo.
Como se ele precisasse dela.
E aquilo bastou para que seu coração palpitasse dentro do peito. Bastou para que surgisse novamente aquela esperança.
- Ah, Júlia... Desculpe-me por ontem, eu senti ciúmes... Você não deveria sair com alguém daquele tipo... Eu... Err... – Ele passou as mãos pelos cabelos e deu alguns passos para trás para poder ver o rosto de sua amada. – O que eu quero dizer, é que eu fiquei completamente descontrolado quando vi vocês dois se beijando e ainda por cima o vi passando as mãos pelo seu corpo e...
- Pare. – Ela o interrompe. – Não faça isso, Guel.
- Fazer o quê, Juh? – Miguel não conseguia descrever a confusão que perpassara o rosto de Júlia. Como se fosse difícil demais acreditar que alguém pudesse amá-la. Que ele pudesse amá-la. E isso era ilógico, pois Júlia era o mais perto da perfeição que alguém poderia chegar.
Ela era pura.
Quando viu seu colega mais cabeça oca da faculdade colocar suas mãos grossas e indelicadas naquele corpo perfeito, ele se descontrolara. Afastou os dois na mesma hora e proferira algumas palavras ofensivas em direção aos dois. Depois, estressado demais para ficar em casa, dirigiu-se a uma festa qualquer procurar uma garota para satisfazê-lo. Para fazê-lo esquecer de Júlia e de toda aquela situação.
Mas, como o previsto, não adiantou, pois fora a primeira vez que dormira ao lado de uma desconhecida sem antes procurar satisfação.
Miguel simplesmente dormiu e em todos os seus sonhos, Júlia com seus lindos cabelos pretos e sedosos o beijava delicadamente, com uma veneração só encontrada em anjos.
- Isso. Você fica com essa cara... Eu nunca ficaria com raiva de você. Só acho que me deve uma explicação. Aliás, não é você quem sempre diz que eu devo beijar e sair mais? – Diz Júlia despertando-o de seus devaneios.
- Mas, não ele. Ou qualquer outra pessoa. Não quero ver você com alguém, Juh - Ele balança a cabeça freneticamente. Segundos depois ele aproxima-se dela e toca delicadamente seu queixo, acariciando sua pele macia.
Ele podia observar a confusão em seu rosto. Podia observar seus olhos ancorados ao mel ficarem marejados diante daquela confissão. Podia observar o formato perfeito de sua boca se abrir de surpresa, ao mesmo tempo em que seus olhos expeliam lágrimas involuntárias. Ela estava emocionada e isso o deixou feliz de uma maneira indescritível.
- Não brinque comigo, Guel. – Diz ela em meio às lágrimas, fungando sem parar. – Não fale nada do qual vá se arrepender, por favor. Sou capaz de não aguentar. Você... Err... Você sabe o que eu sinto, não é? Então, não me deixe ter esperanças se não for para ser assim.
- Ei, ei, não chore. Eu estou aqui com você e por você. Por nós. Você entende? – Como ela não respondeu, Miguel resolveu aproximar-se lentamente invadindo seu espaço pessoal. Beijou cada centímetro de seu rosto e antes de beijar seus lábios intensamente, pronunciou as seguintes palavras em um tom encantado e apaixonado:
- Eu amo você, Juh e não aguento dividi-la com ninguém. Desculpe por demorar tanto tempo para ver a mulher incrível e inteligente que você é. – Ele falou tão rápido que precisou recuperar o folego antes de continuar- Fique comigo hoje e sempre. Faça-me feliz – Implorou ele, beijando-a. Devorando-a. - Faça-me feliz.
- Sim – Respondeu Júlia por entre lágrimas, sorrisos e beijos. Mas, apesar da extrema felicidade que estava sentindo, ela não entendia ainda essa mudança. Não entendia quando ele passou a amá-la daquela forma. "No entanto, qual a hora exata de se saber que é amor?" Pergunta-se Júlia mentalmente.
Ela mesma não sabia. Ou melhor, só sabia que o amava e com um ardor impressionante. Júlia precisava saber quando o sentimento dele mudara. Porém, não hoje.
Hoje ela só queria abraça-lo ou beijá-lo até os dois se cansarem.
Amanhã talvez, seria um bom começo para as perguntas. Para as frustações. Assim, diante de tanta tagarelice mental, a única palavra que Júlia foi capaz de pronunciar para aquele par de olhos azuis mais límpidos e brilhantes, foi:
- Sempre, Guel. Sempre.
E, assim, diante de tanta emoção e comoção os dois declararam seu amor naquela manhã atípica de sexta-feira. E, ainda naquela mesma noite, uniram-se tanto em corpo, como em alma e seguiram felizes e sem brigas durante muito tempo...
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