Não havia palavras. A porta havia sido aberta, acabando os sonhos de uma jovem apaixonada. Quem diria que um amor poderia tornar-se pesadelo em um dia? Bom, há quem imagine, mas poucos vivenciam, e creio eu que apenas quem vive realmente entende do que digo e da minha indignação. Mas chega de enrolação, estou aqui para contar a história de Clarisse Delark.
Era, de fato, uma bela moça, com cabelos loiros cacheados e olhos castanhos sensíveis. Com seus pensamentos confusos, construiu uma ‘’máscara’’, uma pessoa que não era ela. Nunca foi uma garota de seguir padrões e desejar agradar às outras pessoas, não precisava andar em grupos na escola. Mas no Ensino Médio as coisas mudam, e com isso, mudamos também, para ela não foi diferente.
Deixou o cabelo longo, passou a usar o tênis que os outros usavam (mesmo não gostando), escutava músicas que antes ela nunca ouviria e começou a entrar em grupos e fazer teóricos ‘’amigos’’. Antes, uma garota forte e excluída por todos, agora, uma garota doce, meiga e irreal.
Seria simples assim, se não houvesse se apaixonado pela ‘’pessoa errada’’. Na verdade, não existe isso de pessoa errada, aprendi com o tempo que o que existe é o tempo errado e a interpretação errada de outros. Mas era assim que ela pensava naquele tempo.
Ela nunca tinha sentido algo parecido, era um desejo que dominava seus pensamentos e não conseguia tirar isso da cabeça. Não podia ser verdade, não poderia gostar de tal pessoa, era errado! Era obsceno! Nojo! Doença! Aberração! Imaginava todos os gritos de ordem dos pais:
- Não pode ser! Você não e assim! Isso é uma doença! Não pode ser minha filha!
Conseguia sentir cada tom da voz do pai, podia sentir o tapa que receberia, mas ao mesmo tempo, sentia como se tudo pudesse cessar e apenas valeria a pena amar. Antes de dormir pensava nisso, tentava criar soluções, descobrir maneiras de acabar com tudo que sentia, mas era avassalador.
Quando aconteceu o beijo, tudo isso sumiu, só restou o amor, a vontade de viver em prol dele. Segurava em seus cabelos e podia sentir os lábios se tocando, a mão que deslizava sob seu corpo. Estavam em um beco escuro perto da escola, ninguém escutaria, ninguém veria. Seu corpo estava em chamas, sua perna bamba. Queria se entregar, mas não podia faze isso ali. Pediu paciência, e voltaram a beijaram-se com mais suavidade agora.
Chegando a casa pegou uma tesoura no estojo, foi no banheiro e cortou aquele cabelo, que considerava ridículo demais. Deixou- o batendo no ombro. Tomou um banho, tirou aquela maquiagem, jogou as roupas em uma sacola para a doação. Abriu o armário pegou um jeans e cortou no joelho, colocou uma blusa vermelha e o tênis.
Ligou o computador e passou suas músicas favoritas para o celular. ‘’ Chega, cansei de ser o que não sou!’’, pensou. Desceu as escadas e não falou com a mãe, simplesmente foi para a rua com o skate antigo. Colou o fone e deixou a música no máximo. Precisava pensar, queria pensar, mas só conseguia sentir, sentir desejo, sentir o amor e a vontade de ser livre. Parte dela estava livre.
Chegou à casa da pessoa amada e tocou a campainha, lá estava ela. Surpresa, puxou-a para dentro e a beijou intensamente. Foram para o quarto e despiram-se. Foi um momento de puro prazer, Clarisse só queria estar ali para ao seu lado.
Até que a porta abriu. Acabou o sonho. A mãe de Florence, a amada, começou a gritar todas as ofensas que Clarisse imaginou, puxou-as pelo cabelo.
- Como você pode, Florence? Sua aberração! Você para fora agora! Não volte aqui! Saia daqui sua suja!- disse para a garota enquanto colocava-a para fora da casa. – Florence, considere-se morta! Seu pai saberá disso! Já falamos sobre isso!
Clarisse saiu correndo com a lençol ao seu redor pela rua chorando, corria e sentia o vento em seu rosto. Chegou a casa, finalmente.
- Sua pecadora imunda!- gritou o pai colocando-a contra a parede da cozinha- Já sabemos de tudo, a mãe de Florence é minha patroa, sua aberração! Você não pode ser lésbica, não é minha filha!- deu um tapa em seu rosto
- Acalme-se querido!- implorava a mãe em prantos
- Cale a boca, mulher! Ela tem que aprender! Você vai embora dessa casa, você sujou nosso nome! Pegue suas coisas e saia daqui hoje! Agora!- jogou-a no chão
Clarisse correu para o quarto pegou tudo que pode e saiu, chorava tanto que mal enxergava. Com o rosto sangrando foi até a praça da cidade, já era noite. Segurava um frasco de remédios para depressão. Pegou um papel e escreveu:
‘’ Eu não tenho o direito de amar, não posso ser quem sou. Sou aberração, tenho doença, sou pecador e mereço ir para o inferno. Tenho que ser curada de algo que não tem cura. Querem que eu finja ser o que não sou, querem me ver sofrer. Sujo o nome da minha família por gostar de uma mulher. Eu sou só mais uma garota que quer ser livre e pelo menos em alguns minutos eu fui completamente livre e feliz, e para mim, isso basta. Obrigada a todos por não saberem que o amor é uma força que não tem limites, que não tem padrões.
Adeus,
Clarisse Delark Olivers’’
Pegou o frasco e tomou todos os comprimidos. Ajoelhada sobre as escadas da igreja morreu. Aprendeu a voar sem asas. Florence, foi espancada pelo pai e quando soube da morte de Clarisse foi internada em uma clínica contra a depressão que adquiriu.
Os pais de Clarisse viveram com a culpa. A carta foi escondida de todos, mas o pai ainda a lê. Todos os dias antes de dormir ele diz chorando:
- Filha, desculpe-me... ''O amor não tem padrões''. Eu te amo demais.
De fato, o amor não tem padrões, mas alguns ainda não conseguem entender isso.
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