Segunda Parte.
Seguindo os gritos, deparei-me com a ave imóvel sobre um crucifixo de madeira que eu tinha em casa. Assim que me viu silenciou por completo. Seu olhar era o mesmo que me dirigira naquela manhã:a morte estava nele.
Sem ousar pôr-lhe as mãos, abri mais duas janelas e retornei à cama. O restante da noite fora calmo e normal,sem quaisquer ruído ou grito, diferentemente do que estava por vir.
De manhã, a ave já estava novamente na gaiola,que por estranho que pareça estava trancada, diferente de como eu a deixara. Fiquei um pouco perturbado, mas naquela hora não pude pensar em nada o que fazer;estava atrasado para o trabalho.
Assim que retornei para casa naquele dia, a primeira coisa que fiz foi procurar um destino para a ave. No final das contas resolvi abandoná-la em qualquer ponto distante de mim.
Deixei isso, porém pra manhã seguinte. Pensava em abandonar o pássaro em qualquer lugar à caminho do trabalho. Minha noite, mais uma vez fora perturbada pelos gritos da ave. Os ponteiros do relógio marcava três da manhã quando fui despertado. A criatura miserável parecia que ia explodir de tanto gritar. Irritado, levantei à grande custo e me dirigi à sala.
Lá estava um vulto negro sobre voando o cômodo à grande velocidade. Ia de um lado a outro, quebrando tudo que encontrava pela frente. Enquanto eu recolhia vasos quebrados e tentava repor tudo no lugar, as janelas repentinamente se abriram sozinhas, e por elas um vento furioso devastou a sala, revirando tudo que já estava revirado e dando cabo do pouco que restava lugar.
Berros inaldíveis saíam da minha boca com intenção de intimidar ou espantar a criatura, enquanto que em meio a confusão que se tornara minha sala, eu tentava, em vão fechar as janelas.
Uma loucura sem igual invadira minha casa e mente, e em seu auge vi o corvo por um instante crescer, pousar sobre o crucifixo, jogá-lo ao chão e abrir as enormes asas negras. E no momento em que soltara três gritos que gelara meu coração, uma sombra hedionda surgiu atrás dele,assomando contra a única luz que ainda brilhava naquele recinto de devastação. Por um momento cresceu em esplendor, dando a parecer que ia engolir a sala inteira, depois se dissipou com o vento, que no mesmo instante aquietou-se.
O corvo, para aumentar minha loucura, escapou da minha visão, e quando pus-lhe os olhos novamente, estava na gaiola, o único objeto que ainda permanecia intacto.
Ainda com um assombro estampado em minha cara, olhava à distância para a gaiola. Desesperado, abri caminho por entre a bagunça à minha frente, apanhei um lençol negro entre os móveis caídos e a cobri. Agarrei as chaves do carro e sai porta à fora com o objeto na mão.
Se alguma alma viva passasse pela rua naquele momento-o que era praticamente impossível -, veria um homem tão pálido quanto uma folha de papel em branco.
Entrei no carro e mergulhei no sereno da madrugada. Estava frio. Um silêncio forrava as ruas à minha volta. A ave não dera um pio sequer no caminho, fazendo-me várias vezes verificar se ainda estava lá. Mas toda vez que eu entre olhava por debaixo do lençol negro, lá estava a coisa, parada feito pedra, com aquele olhar de morte.
Passei por algumas ruas e esquinas, e quando a aurora ja tingia os céus sobre a minha cabeça,cheguei a uma planície extensa alguém das fronteiras da cidade. Ali, num riacho veloz e razoavelmente largo, arremessei gaiola e pássaro.
Voltei para casa e contemplei à luz do dia a bagunça que ela agora se tornara. Definitivamente não seria um bom dia, mas mesmo assim eu precisava trabalhar. Deixei tudo como estava e aprontei-me para sair.
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