Algo Diferente
por Melissa Lavinas
Quem nunca...
a) Amou
b) Idealizou
... que atire a primeira pedra.
Há alguns anos encontrei “Algo Diferente” num chat. No início achei pretensioso o nick... Algo Diferente... o que teria de diferente? O primeiro contato foi desagradável e me fez pensar que esse diferente seria ruim. Após uma boa chamada para a realidade (virtual, tudo bem, mas real!), esse “Algo” se tornou realmente “Diferente”. Trocamos e-mails e não conversamos mais, afinal havia sido somente uma conversa num chat na internet.
Algum tempo depois, algo trágico aconteceu em minha vida. Sempre fui muito melhor com as palavras escritas para expressar meus sentimentos. Sentei-me em frente ao computador e escrevi. Desabafei, chorei, desmoronei em palavras. Mas para quem? A pessoa que deveria ler aquelas palavras já não vivia mais. Escolhi um endereço de e-mail que já não me lembrava de quem era, enviei a mensagem apenas na esperança de que fosse lida por alguém, mas jamais respondida.
Dias depois recebi uma resposta. Surpresa! A pessoa do outro lado havia lido, compreendido e respondido com palavras tão carinhosas meu sentimento de dor, perda e angústia, que parecia me conhecer a muito tempo. A partir desse momento nossos e-mails se tornaram constantes.
Apresentei-lhe o Messenger, passamos a conversar quase diariamente e fomos nos conhecendo através de palavras, imagens e músicas. Foram muitas noites teclando, muitos assuntos abordados, muitas confidências ditas na tela do computador.
Sim, eu sei... você deve estar pensando “Que louca, deixar se envolver assim por alguém que não conhece.” Concordo com você, eu também pensava assim. Mas como disse no início, aquele “Algo” se tornou realmente “Diferente”.
Essas conversas foram evoluindo, a curiosidade foi aumentando e um dia Algo Diferente surgiu em pessoa, carne, osso e cavalheirismo no meu portão. Meu medo e insegurança foram superados pelo meu desejo de conhecer aquele homem que demonstrava tanto interesse em meus problemas, que aguçava minha inteligência e que vinha de tão longe para me ver.
Abri meu coração. Ele terminou de tomar posse, pois suas palavras já haviam aberto o caminho antes de sua chegada. Foram momentos maravilhosos, vivi um sonho, meu coração se encheu de uma esperança que acreditava jamais voltar a sentir. Algo Diferente me ajudou a voltar a sonhar. E nesses sonhos eu me perdi.
Como qualquer ser humano vivente na Terra, esse homem também tinha uma vida real, problemas, angustias, desejos e prioridades. Esse homem vivia comigo um sonho. Eu vivia com ele um sonho também.
Mas a realidade vem à tona e o sonho um dia acaba. Pior que o sonho acabar é tornar-se um pesadelo. Eu passei do sonho ao pesadelo. Algo Diferente fez escolhas que infelizmente não me incluíram. Sofri demais, fiz escolhas questionáveis tentando apaziguar meu sofrimento, mascarar meu sentimento, tudo em vão.
Aos poucos fui guardando os sonhos, as lembranças, as expectativas, fui “zipando” tudo para caber de novo dentro do peito, ocultei esse sentimentos. Mas Algo Diferente não deixava de existir, idealizado em minha mente, pulsando de leve em meu coração.
Alguns anos se passaram, nos encontramos novamente. Fui na expectativa de viver novamente aquele sonho, retomar de onde paramos e, quem sabe, viver o que não foi vivido. Algo Diferente surgiu educado e cavalheiro, como sempre, mas sem aquele brilho ao me olhar, frio e distante. Meu coração retraiu-se, aquele não era o meu sonho, o meu ideal. Fui embora acreditando que estava curada, que aquele sentimento havia desaparecido de dentro de mim.
Engano meu. Algo me dizia que havia alguma coisa errada. As peças não se encaixavam. Fiz um esforço para acreditar que minha mente tinha me pregado uma peça, que meu coração estava enganado ao dar tamanha importância a Algo não tão Diferente. E a vida continuou. O contato com esse homem diminuiu a meras mensagens ocasionais, uma ou duas vezes ao ano.
Eis que, alguns anos depois, Algo Diferente surge novamente em palavras. Eu revelo sentimentos dos tempos de sonho. Ele se detém aos momentos do pesadelo que me causou. Acreditando ter chegado a hora, um encontro torna-se necessário. Ambos concordam com isso.
O encontro acontece. Ele me pede perdão. Nunca um homem pediu o meu perdão por me causar sofrimento. Eu ouço, observo, tento compreender e digerir as palavras que ele me diz, os motivos que o levaram a lançar-me num pesadelo. Nunca foi sua intenção. Eu acredito. Percebo que esses anos foram marcados por “se” e “mas”, palavras tão pequenas que causam um estrago enorme, que tornam coisas possíveis em impossíveis.
Meu “Algo Diferente” realmente existiu. Ele existe. Vive sua vida real num lugar real, cheio de problemas reais. É um ser humano como qualquer um de nós, passível de erros e acertos. O que o torna diferente? Ele cuidou-me, me proporcionando uma vida sem ele. Poupou-me de uma vida infeliz longe das minhas raízes. Ele fez por mim o que nenhum outro homem jamais fez... Deu-me liberdade.
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