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O terapeuta e a paciente
Fabrizio Guardino

Mariza era uma mulher de seus quarenta e poucos anos e mãe de dois filhos; Carla de vinte e seis e Manoel com vinte e dois. Ambos maiores de idade e vacinados.
Ela sempre foi afeita a eventos sociais e ultimamente, após mais de vinte anos freqüentando as rodas sociais, se dizia cansada e insegura com relação a algumas amizades.
Em casa, as coisas não iam nada bem, seu marido trabalhava quase doze horas por dia e vivia estressado, pelo menos era isso que alegava quando chegava tarde da noite em casa; ele pouco ou nenhum afeto demonstrava para com ela.
Era advogado especializado na área criminal e de um ano para cá, cuidava de causas maiores, o que aumentou substancialmente a renda da família, o deixando ainda mais ganancioso e pretensioso.
Mariza desconfiava dele, nos últimos tempos o percebia mais ausente, se preocupando demais com a aparência e viajando muito a trabalho. Não era nem de longe um galã global, embora tivesse seu charme; seus olhos eram negros, seu nariz aquilino e sua testa ampla, principiando uma careca. Sua altura era mediana e possuía uma barriga saliente, que se não ficasse de olho, muito em breve o impediria de ver o próprio...Umbigo.
Seu nome era João Paulo de Albuquerque e Mendonça.
João Paulo não poderia ser considerado um marido atencioso, longe disso, ele pouco sabia de sua mulher e nada se esforçava para mudar isso. Ambos tinham pouco ou nada em comum e os raros momentos que passavam juntos se resumiam a jantares familiares ou sociais; onde eram considerados o casal modelo.
Mariza por vezes se encarava no espelho e tinha vergonha do que via, seu olhar era profundo e pesaroso, vivia constantemente angustiada e descontente. Justo ela, que sempre foi bem disposta e esportista. Hoje, sua atividade aeróbica era praticamente inexistente, pois se sentia cansada e desanimada; chegou até a arriscar algumas aulas de pilates, mas desistiu logo, assim que percebeu que as pessoas mais falavam do que se exercitavam.Tentou a yoga, no intuito de relaxar e aprender a meditar, mas a partir do momento que flagrou seu guru, Sai baba lama, uma pessoa que se dizia iluminada, gastando boa parte do dia em redes sociais, Mariza se revoltou e nunca mais voltou.
Em um desses eventos sociais regados a bom espumante e muita hipocrisia, Mariza conheceu o Dr. Frederico, uma figura única, que iria mudar sua vida.
Dr. Frederico era um psiquiatra de seus sessenta e poucos anos, razoavelmente conservado, que usava óculos e possuía sobrancelhas grossas e bagunçadas.
Seus hábitos variavam entre caminhadas ao ar livre e a prática do tênis, esporte que iniciara em tenra idade. Seus pacientes em sua grande maioria eram mulheres, pois Dr. Frederico era considerado o entendedor da alma feminina; era compreensível, bom ouvinte, e sabia exatamente quando e como se posicionar.
Tinha três filhas e um gato, de quem se sentia muito próximo.
De todas as mulheres que cruzaram o seu caminho, a única que não compreendia e portanto, não conseguia ajudar, era Joana, sua consumista e deslumbrada esposa,com quem permaneceu casado por quase trinta anos. Hoje, tinha certeza que escolhera mal, não que Joana fosse uma má pessoa, longe disso, mas já não via razão alguma para continuar com essa relação. Ambos se viam pouco, quase nunca se tocavam e no convívio diário pareciam sócios, daqueles que não se suportam mais. Nenhum dos dois sabia dizer como as coisas chegaram onde chegaram, tampouco moviam uma palha para tentar descobrir.
As filhas, não moravam mais com eles e talvez isso possa explicar muita coisa.
Eles provavelmente ficaram juntos enquanto viram a necessidade de formar as meninas e depois, quando já não era mais necessário, pois cada uma já sabia cuidar do próprio umbigo, perceberam que a falta de afinidade e empatia entre eles, tornava o convívio insustentável.
Numa noite fria de julho, após chegar em casa cansado e com dor de cabeça,
Dr. Frederico se deparou com um agrupamento de umas quinze pessoas, todas pareciam visivelmente embriagadas e fingindo uma felicidade utópica e falaciosa. Nesse mesmo dia, Dr. Frederico decidiu que era o fim, seu casamento estava terminado.
Joana, depois de se recuperar do porre, tentou a todo custo convencê-lo do contrário, alegando que o amava e que tentaria mudar. Ele até que foi paciente, ajeitou os óculos um pouco caídos e coçou o cavanhaque, dando a entender que refletia sobre o assunto.
Passados alguns minutos e utilizando uma fala espaçada e pautada em argumentos históricos, Dr. Frederico a convenceu de que a separação seria o melhor para os dois e que, apesar do momento ser delicado, era a decisão mais certa a se tomar.
Ela o abraçou com força e cada um seguiu seu caminho.
Dr. Frederico e Mariza se olharam incessantemente durante todo o evento, ela o ouvira discursar para um grupo de pessoas e achou sua voz sexy e envolvente.
Os olhares entre os dois foram se tornando mais e mais intensos até que Dr. Frederico, num instante de reflexão, se lembrou de seu papel de macho alfa e resolveu estabelecer contato com a fêmea.
Nessa festa, havia uma mesa linda de doces decorada com gerânios e lírios, que formavam um espetáculo de cores e odores capaz de inebriar a mais rígida alma.
Dr. Frederico, com toda sua sagacidade e desenvoltura, logo percebeu que Mariza se encontrava inebriada pela decoração do ambiente e resolveu se aproximar, sempre com passos curtos e cautelosos, pois não queria assustá-la.
Mariza, que também não era nenhuma noviça imaculada do convento São Lurdes, o percebeu próximo e resolveu facilitar as coisas, mantendo um cigarro entre os lábios, como que a procura de uma chama amiga .
Era o sinal que Dr. Frederico precisava.
- Permita-me madame, e assim que pronunciou tais dizeres sacou de seu bolso um isqueiro imponente, todo enegrecido e com detalhes em azul.
- Muito obrigada pela gentileza. Que isqueiro lindo o seu, presumo que seja um modelo Alfred Dunhill de mil novecentos e trinta e quatro? Perguntou Mariza.
- Estou impressionado. Como conhece tanto de isqueiros? Indagou o Doutor.
- Na realidade acabei conhecendo um pouco mais sobre hábitos masculinos por conta de meu marido, que além de apreciador de charutos, também colecionava isqueiros.
- Desculpe a indiscrição, nós pouco ou nada nos conhecemos, mas a senhora se referiu ao seu marido no passado. Por acaso é viúva?
- Não, nada disso, eu que lhe peço desculpas pelo desacordo de informações, ainda estamos casados; passando por uma fase difícil é verdade, mas casados.
Outra coisa, lhe peço por favor para que não me chame de senhora, o espelho já cumpre diariamente a função de me manter informada a respeito da minha idade.
- De forma alguma, a senhora, quer dizer, você, está deslumbrante.
E enquanto Mariza se envaidecia com os elogios do médico da alma feminina, Dr. Frederico, mostrando uma descrição Freudiana, fustigava seu corpo com olhares maliciosos e mal intencionados.
Mariza, por outro lado, se sentia incomodada e a conseqüência disso era que não conseguia se soltar. Ao perceber isso, Dr. Frederico tentou por diversas vezes extrair tal inquietude, mas Mariza continuava absorta e indecifrável.
Nesse momento, Dr. Frederico já se mostrava encantado pela moça, que mesmo dando sinais de embriaguez, se mantinha elegante e discreta.
- Gostaria de lhe fazer uma proposta, e desde já a deixo a vontade para aceitá-la ou refutá-la, comentou o médico, mantendo sempre a formalidade e a compostura.
- Confesso que estou com vontade de aceitar antes mesmo de saber qual seria, embora já lhe tenha confessado anteriormente que sou casada. Respondeu Mariza.
- Mais a madame mesmo me relatou vivenciar uma fase difícil, não é verdade? O que a impede de se separar? Indagou o psiquiatra.
- Eu adoraria saber, talvez eu esteja esperando um motivo.
- Uma traição quem sabe?
- Quem sabe.
Nesse momento o olhar de Mariza foi longe, do outro lado da piscina para ser mais exato. Sua feição havia mudado e ela parecia outra pessoa. Começou a ranger os dentes e a apertar com força um copo de whisky momentos antes de entorná-lo.
- Aconteceu alguma coisa? Perguntou Dr. Frederico, percebendo sua repentina mudança.
- Você se lembra ainda há pouco quando lhe disse que esperava um motivo?
Talvez eu o tenha encontrado.
- Do que você está falando?
- Está vendo aquele velho careca do outro lado da piscina?
Aquele com a mão na bunda da loira siliconada.
- Sim, o que tem eles?
- O velho careca e tarado é meu marido.
- Você só pode estar brincando. Aquele é o Dr. João Paulo de Albuquerque e Mendonça, respondeu incredulamente Dr. Frederico.
- Você o conhece? Perguntou Mariza, mantendo a incredulidade.
Nesse instante, um silêncio pesaroso se instaurou no ar.
- O Dr. João Paulo é aquele meu paciente advogado, o que tem escritório na Avenida Paulista.
- Não é aquele que a amante está grávida de sete meses?
- O próprio.




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