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GUARDA A ROUPA
Caio Lemos Sales

Resumo:
O conto narra os momentos de um homem antes de ir à sua primeira consulta psicológica. A narração acontece no quarto do homem, quando ela sai do banheiro e vai ao guarda-roupa para escolher o conjunto de roupas que usará no início de terapia.

Saiu do banheiro ainda molhado e com a toalha enrolada na cintura. Ficou de frente ao guarda – roupa para escolher o conjunto de peças que usaria para ir à consulta com a psicóloga que sua tia tinha arrumado. Parece até engraçado dizer, mas ele passou a semana inteira pensando em qual seria a combinação de tênis, blusa e calça, mais adequada para se apresentar naquele início de terapia.
     Se perguntassem a ele o que iria fazer na segunda – feira, respondia:
     - Vou à consulta com a psicóloga!
      A resposta tão exaltada era motivada pela empolgação da primeira vez. Era a possibilidade do novo, era como se ele fosse o único a fazer aquilo no mundo.
     Mas no fundo, no fundo (lá onde o coração dói como que uma linha nylon amarrada nele, dando aquela dor que incomoda e causa um desconforto no estômago só em lembrar, que até se confundiria com saudade, mas não) ele sabia que ia mesmo era despir a alma através de palavras, perguntas e reflexões. Despir a alma. Ele se orgulhava disso, de ter pensado nessas palavras soltas e depois uni-las, dando um sentido metafórico e especial a uma normalidade e também em saber que seria capaz de pensar igual aos poetas e filósofos que lia no início da faculdade.
     Ainda parado de frente ao guarda – roupa lembrou-se do que possivelmente o levara a estar naquela situação. Não o fato de estar molhado e com atoalha amarrada na cintura, mas por estar tão pensativo e buscando um sentido para todos os atos de sua vida, desde o início até aquele momento.
     Ele já buscava essas explicações inconscientemente. E isso o cansava. O desgastava mentalmente e também o deixava fraco. Mas essa busca tinha um sentido prático: encontrar um tema para a primeira consulta, uma conversa que não o fizesse parecer louco. Pois se fosse, desejaria que as pessoas ao seu redor o alertassem dessa contradição social.
     De repente, notou que ainda estava de pé em frente ao guarda – roupa e que seus pés tinham deixado uma pegada d’água no chão. Pensou em acabar com toda essa besteira de pensamentos e que então pegaria qualquer roupa e iria para a consulta. Assim, não chegaria atrasado e continuaria sendo a pessoa mais pontual do mundo, como exclamava a sua avó. Porém, lembrou-se de duas coisas que fizeram sua mão soltar a chave do guarda – roupa e voltar para o encontro de suas coxas.
A primeira era que ele sabia que não adiantava fugir de um problema, por mais que parecesse bonzinho, muito bonzinho, eufemisticamente bonzinho.
     A segunda coisa é que lembrara que uma vez, um amigo disse que não adiantava ir com um assunto pronto. Pois lá as suas verdades cairiam por terra. Assim, como despimos nossa roupa antes de fazer sexo. Sexo.
     Sendo assim, acalmou-se mais. Por mais que ainda tivesse de escolher um conjunto de peças para ir. Por isso ainda não tinha conseguido abrir o guarda – roupa. Decidiu se secar mais um pouco e enxugar aquelas pegadas d’água no chão.
     Foi até à janela e viu que a noite começara a parecer. Um céu apocalíptico com nuvens fragmentadas dava lugar a um céu mais limpo, que não chamava tanta atenção. Apenas se você se propusesse a olhá-lo. Como fazia seu pai, quando ainda moravam juntos, antes dele se separar da sua mãe. A imagem dele vendo o pai deitado na calçada olhando o céu era ainda tão nítida que até o assustou. Fechou os olhos para ver se conseguia esquecer aquela lembrança e um conjunto de roupas veio na sua mente como um assalto.
     Ele tirou a toalha da cintura, ficou pelado ali de frente para janela sem se importar se os vizinhos dos outros apartamentos o veriam. E seu corpo ainda conseguiu abrigar os últimos raios avermelhados da tarde, dando uma cor especial à sua pele, dando um brilho especial aos seus pelos, dando aos seus olhos a oportunidade de enxergá-lo bonito sem precisar se olhar no espelho. Ele já não era mais o mesmo.
     Ele já não era mais o mesmo, mas ainda tinha medo do novo. Daquela nova situação que viveria. Falar de si mesmo para uma pessoa que nem conhecia, mas por incrível que pareça já confiava bastante só em ter ouvido a voz da sua psicóloga pelo telefone. Quando ela o ligou para confirmar o horário da primeira consulta. E de supetão, por um impulso desconhecido...foi tão rápido que não sei como descrever. Ele se virou para o guarda – roupa e o abriu, olhou para as cruzetas e pegou o conjunto de roupas que tinha vindo à sua memória quando observou o céu indo embora.
     Era assim que as melhores coisas na vida dele aconteciam: de supetão. Como ele costumava falar. E foi assim que se vestiu, como se vestiu inutilmente, pois ele mesmo sabia que a verdade está no corpo nu, por mais que gostasse de ver sua barriga quando o os raios do sol, ao passar pela cortina laranja do quarto de sua mãe, tocavam sutilmente sua barriga dando um contraste bonito e sensual à cor da sua pele.
      A verdade está no corpo nu, na alma despida e nos olhos virgens de criança. Mas ainda precisava ser descoberta, ainda era preciso tirar aquela duna móvel de seu coração para que ele conseguisse enxergá-la e por fim, tocá-la.


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