Túlia só queria descobrir um jeito glamouroso de sentir as coisas.
Não falta muito pra completar 1 ano que ele não a tenha visitado um só dia. 1 ano sendo lembrado todos os dias pela mesma pessoa. Não sei quantas pessoas têm esse privilégio e talvez ele seja privilegiado por gente demais, o que justificaria sua total falta de importância pra esse fato. Mas Túlia, embora tenha tentado diminuir o significado disso para muitos de seus amigos e até para si mesma, finalmente admitiu que isso era grande. E era grave.
E nesse quase 1 ano não foram poucos os esforços para se fazer notar. Túlia montou e remontou a sua tática inúmeras vezes; persistiu e desistiu tantas outras.
Ele a fazia se sentir viva e tudo a custo de que? Como pode alguém honrar quem te tira muito mais do que te dá? Foi-se o amor próprio, o juízo, a capacidade de se impor e de repente tudo lhe soava ameaçador. A troco de que, afinal? Sentir-se viva? Bom, Túlia não está se sentindo tão viva assim.
De todas as coisas que ela aprendeu com ele, sua habilidade mais notável era fingir. Fingir, agora, era uma virtude. Sobretudo porque se não fosse seu fingimento, talvez ela não fosse assim tão aceita. Sorrir quando queria chorar. Rir quando queria gritar. Conter-se quando queria extravasar. Mas na sua cabeça tudo isso era temporário, um dia ela teria a chance de ser ela mesma... E ela teve.
Por mais que ela se aproximasse do que realmente queria mostrar, ainda assim, seu jeito, aos olhos dele, nunca foi verdadeiramente revelado. Túlia não era uma pessoa assim, tão característica, de um jeito só. Suas nuances eram variadas. Túlia era a Lua. E os outros reconheciam isso, exceto ele, que a desestabilizava e exercia algum poder inexplicável que não a permitia mostrar-lhe todas essas camadas da sua personalidade, que a tornava aquilo que se poderia chamar de complexo. Ele a via daquele jeito destorcido e Túlia não conseguia se livrar da frustração de que ele nunca seria capaz de enxergá-la tão diversa.
Túlia, por sua vez, sentia o peso da injustiça de tudo isso, porque ela era capaz de enxergar o que ele tinha de melhor, mesmo que o que ele tinha de pior não parasse de apitar ao lado, lembrando-a da sua imperfeição. Imperfeição que ela conseguia aceitar e não importava que a incomodasse, ela não mudaria nada. Estava aí uma grande diferença entre eles! Ele não aceitava as imperfeições dela e, por essa razão, ele sempre conseguia colocar outras pessoas acima de Túlia, enquanto ela o colocava em um pedestal muito mal recebido para quem estava de plateia. E isso era o que mais a matava e matava e matava. E por mais que ela conseguisse sorrir em meio a sua própria morte, Túlia não via glamour nisso.
Capaz de mudar, renegar e se sujeitar, Túlia fez o que esteve em suas mãos para tê-lo, mas ele era escorregadio a ponto de ultrapassar os limites de sua compreensão, fazendo-a acreditar que o problema estava em suas mãos e não na natureza gosmenta da pessoa que deixa rastros, mas que não gruda a longo prazo.
Olhar pra baixo, olhar pros lados e olhar pra cima. Tudo era perigoso. Tudo a fazia pensar nas mais variadas situações que nunca chegariam a acontecer, nos diálogos que eles nunca teriam. Estava tão, mas tão difícil fugir dele, que ela só aceitou que ele era inevitável. Ele é inevitável. Ela queria dizer isso pra ele, mas pra que? Ele não ligaria, porque se ligasse, ela diria tudo aquilo que estava entalado.
Você é inevitável.
Você é um desastre.
Você é um terremoto.
Não, você não é um terremoto. Você é algum desastre natural que acontece continuamente. Você não passa. Não, você não passa. E você é ingrato. E você é egoísta. Eu sou egoísta. Mas você é mais.
Como dizer tudo isso a ele? Quando? Túlia não sabia. Muito provavelmente ele não gostaria de ouvir essas coisas e se ouvisse, riria e deixaria passar.
Porque Túlia passava pra ele.
Ele não passava pra ela.
Túlia passava por ele. Ele deixava passar.
Ele passava por ela. Ela não queria, mas ele acabava por ficar.
Túlia aceitou que as coisas são assim e permitirá que ele faça isso com o seu coração. Quem sabe um dia ele viva algo parecido com outra pessoa, talvez ele precise de alguém que lhe explique como são as coisas. Túlia terá o prazer de explicar como que é ter algum motivo para querer cair no vendaval*. Ela contava e ansiava pelo dia que ele se envergonharia e pediria desculpas por ter sido seu grande desastre natural. Ela aceitou se remoer até lá, deixando que coisinhas como essas lhe arranque alguns pedaços, grão por grão, pois o dia da sua erosão chegaria, era o que diziam. Tudo bem, ela esperaria por esse grande dia pacientemente, derramando algumas lágrimas ou engolindo todas elas pra não parecer assim tão dramática, porque Túlia só queria descobrir um jeito glamouroso de sentir as coisas.
*Trecho da música "Like This" de Tulipa Ruiz
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