Login
E-mail
Senha
|Esqueceu a senha?|

  Editora


www.komedi.com.br
tel.:(19)3234.4864
 
  Texto selecionado
Centenário da morte do Bruxo do Cosme Velho
A. Zarfeg

Boa noite a todos!

Exatamente no dia 29 de setembro de 2008, comemorou-se o centenário da morte de Joaquim Maria Machado de Assis ou, simplesmente, o Bruxo do Cosme Velho. O apelido é uma referência à Rua Cosme Velho e ao bairro homônimo, para onde Machado e Carolina se mudaram assim que se casaram, em 1869, no Rio de Janeiro.

Tal alcunha foi popularizada por Carlos Drummond de Andrade no poema “A um bruxo, com amor”, do qual reproduzo as duas primeiras estrofes:

“Em certa casa da Rua Cosme Velho
(que se abre no vazio)
venho visitar-te; e me recebes
na sala trajestada com simplicidade
onde pensamentos idos e vividos
perdem o amarelo
de novo interrogando o céu e a noite.

Outros leram da vida um capítulo, tu leste o livro inteiro.
Daí esse cansaço nos gestos e, filtrada,
uma luz que não vem de parte alguma
pois todos os castiçais
estão apagados”.

Esse mesmo Bruxo, passando-se pelo defunto autor das “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, separou os leitores em duas categorias distintas: os graves e os frívolos...

Nós, que não temos nada de frivolidade, já fizemos a nossa opção pelo Bruxo autêntico, aquele que foi um mestre na arte das bruxarias literárias; aquele que, em vez de lançar mão do esoterismo barato para iludir o leitor, se atirou à literatura de corpo e alma em busca da totalidade social e psicológica do homem brasileiro. Por isso, no centenário de sua morte, vamos homenageá-lo a valer. Até porque, agora que ele “está morto: podemos elogiá-lo à vontade”, não é mesmo?

No Brasil e no exterior, nos âmbitos público e privado, as homenagens ao Bruxo continuam sucedendo, como prova este IV Seminário de Pesquisa e Extensão unebiano, do qual participo com imenso prazer. Nada mais justo, em se tratando daquele que é, seguramente, o nosso William Shakespeare!

Vamos, pois, às notícias.

Graças à Lei 11.522/2007 (cujo projeto – de autoria do senador Marco Maciel – deu sustentação jurídica e política às homenagens), foi instituído o Ano Nacional Machado de Assis, no qual muitas homenagens tiveram lugar aqui e lá fora. A edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste ano prestou tributo a Machado, inclusive com direito à concorrida palestra do professor e crítico Roberto Schwarz, que na oportunidade leu texto inédito sobre o romance “Dom Casmurro”. Schwarz é autor de dois trabalhos essenciais sobre a obra machadiana: “Ao Vencedor as Batatas”, de 1977, em que enfoca os romances da primeira fase, chamada romântica; e “Um Mestre na Periferia do Capitalismo”, de 1990, em que interpreta “Memórias Póstumas de Brás Cubas”, marco da maturidade literária do Bruxo, a partir do método marxista. Schwarz admite que suas análises são influenciadas por Antônio Cândido.

Durante a realização da 20ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo, que aconteceu no mês de agosto, foram expostos e comercializados diversos livros do Bruxo, como as obras-primas Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), Quincas Borba (1891), Dom Casmurro (1899), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires (1908). Trata-se de criações literárias originais que fogem a qualquer denominação de escola literária (até porque estamos diante de um autor que, em vez de representar a realidade – como propunha o manual realista –, preferiu transfigurá-la de maneira criativa) e que fizeram de Machado de Assis o maior escritor das letras brasileiras e um dos mais significativos autores da literatura de língua portuguesa.

A Academia Brasileira de Letras (ABL) firmou parceria com o Ministério da Cultura para relançar todos os livros de Machado a preços populares (entre R$ 3 e R$ 5) e, até o final deste ano, vai publicar um dicionário sobre a obra do Bruxo. Mas, com certeza, não será algo como “O Manual Prático do Vampirismo”. Entre as publicações mais esperadas para este ano está o da correspondência (incluindo algumas cartas inéditas) de Machado, organizada pelo acadêmico Sérgio Paulo Rouanet. Além disso, a editora Nova Aguilar acaba de lançar uma nova edição – revista e ampliada – da obra completa do Bruxo, em três volumes, papel-bíblia, que é o sonho de consumo de muita gente, inclusive meu. Afinal, como diria o Bruxo, o preço é amaríssimo: R$ 550. A Record mandou imprimir o Almanaque Machado de Assis – Vida, obra, curiosidades e bruxarias literárias...

As homenagens prosseguem...

O Museu da Língua Portuguesa, em São Paulo, também homenageou o Bruxo com uma exposição, cujo eixo central – Machado de Assis: Mas Este Capítulo Não É Sério! – era o romance “Memórias Póstumas de Brás Cubas”. Logo na entrada, o visitante recebia um livreto com 50 páginas, em forma de um charmoso almanaque, com dez contos de Machado, que variavam de exemplar a exemplar.

A exposição era dividida em capítulos cujos nomes se referiam à obra machadiana. “Um Homem Célebre”, o prólogo, reproduzia uma sala do século 19, com um piano de cauda, de onde se ouvia uma trilha sonora ao gosto do escritor, com polcas, maxixes, Villa-Lobos, etc. Mais adiante, “Meu Caro Crítico” trazia a evolução da crítica à sua obra, com a participação de nomes contemporâneos do autor, como Sílvio Romero e José Veríssimo, até representantes da atualidade, como Roberto Schwarz e Alfredo Bosi.

A prefeitura do Rio de Janeiro, cidade onde Machado de Assis nasceu em 21 de junho de 1839, preferiu homenageá-lo promovendo o tombamento da obra literária do filho mais ilustre, declarada, a partir de agora, patrimônio cultural dos cariocas. Também foram tombados poesias, prefácios, textos teatrais, críticas e contos, além de obras assinadas sob 21 pseudônimos pelo escritor. Além disso, estão preservados, por decreto, dois imóveis no Centro onde Machado morou, de aluguel.

No dia 29 de setembro, no Salão Nobre da ABL, aconteceu a cerimônia oficial em homenagem ao maior dos escritores brasileiros. O evento foi presidido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, na oportunidade, assinou os quatro decretos de promulgação do Acordo Ortográfico dos Países de Língua Portuguesa. Dizem que, agora, o acordo tem a bênção do Bruxo...

Para os aficionados da Internet e entusiastas do Bruxo, as novidades não são poucas. É que, como forma de comemorar o centenário do criador de Capitu, páginas eletrônicas foram criadas para prestar informações sobre a vida e a obra do Bruxo. A exemplo de www.machadodeassis.org.br e www.machadodeassis.net – hospedadas, respectivamente, nos sites da ABL e da Fundação Casa de Rui Barbosa.

Já o endereço www.machadodeassis.unesp.br – que é uma iniciativa da Universidade Estadual Paulista – reúne textos de jornais e revistas com os quais o escritor contribuiu na segunda metade do século 19. Reuniu-se, em um primeiro momento, parte dos periódicos que representam os pouco mais de dez anos de iniciação literária do escritor, de 1855 a 1869. São textos publicados em O Futuro, Periódico Literário, Marmota Fluminense, Jornal de Moda e Variedades, Semana Ilustrada, Diário do Rio de Janeiro, Jornal do Povo e A Saudade.

O site, que traz imagens digitalizadas dos textos originais desses periódicos, foi devidamente apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e cujo objetivo é fortalecer os vínculos entre a pesquisa em literatura e as fontes primárias; e, também, estudar os mais de 50 anos da trajetória do autor em questão pelo jornalismo brasileiro. Como vocês sabem, Machado de Assis era também jornalista.

O Ministério da Educação e Cultura (MEC), por sua vez, disponibilizou o site http://portal.mec.gov.br/machado, através do qual é possível acessar toda a obra do Bruxo do Cosme Velho, inclusive os textos que ainda não saíram em livro. Lá está a produção machadiana na íntegra: romance, conto, poesia, crônica, teatro, crítica, tradução e miscelânea. Sem contar a cronologia, a bibliografia, os vídeos, etc. E tudo muito funcional e atrativo. E, sobretudo, um conteúdo confiável.

Para vocês terem uma ideia, além dos sete livros de contos, existe um link – Contos avulsos – que, através de um simples click, é possível acessar os 130 contos que foram publicados na imprensa da época. Nas versões digitais, “pdf” e “HTML”, a critério do internauta. Isso quer dizer que vocês podem ler no monitor ou, se preferirem, no papel após a impressão. E tudo de graça, uma vez que a obra do Bruxo caiu no domínio público. Portanto, usemos e abusemos dessa feitiçaria, que vai nos fazer um bem danado!

No próximo dia 9 de dezembro, a Globo vai levar ao ar uma minissérie baseada em “Dom Casmurro”, em cinco capítulos, com o título “Capitu”. Detalhe: antes das gravações propriamente ditas, os atores tiveram que se submeter a três meses de preparação, o que incluiu palestras sobre o universo machadiano e conversas com um psicanalista e um historiador. Isso lembra um ritual de iniciação. Pensando bem, quem pretende se aventurar na obra do criador de tipos geniais como Marcela, Capitu, Sofia, Flora e o conselheiro Aires, precisa tomar algum cuidado. Do contrário, pode se viciar em Machado, cujas “rabugens de pessimismo” podem matar...

As homenagens no exterior...

Nos Estados Unidos, especialmente em Nova Iorque, o centenário da morte do Bruxo foi lembrado com o lançamento do evento “Machado 21: A Centennial Celebration”. Enquanto isso, o jornal The New York Times publicou um artigo de Larry Rohter. Lembram dele? Aquele jornalista que Lula ameaçou expulsar do Brasil...

Rohter argumentou que, apesar de a morte de Machado ter passado quase que despercebida fora do Brasil, atualmente o Bruxo tem atraído a atenção dos anglófonos. Entre os fãs e admiradores do brasileiro nos EUA estão Susan Sontag, para quem Machado foi o maior escritor já produzido na América Latina. O cineasta Woody Allen, fã assumido das obras do autor de “O alienista”. E o crítico Harold Bloom, que definiu Machado como um autor negro supremo.

A França, que Machado não conheceu pessoalmente mas por cuja literatura tinha grande admiração, dedicou uma programação toda especial ao centenário do Bruxo, com direito a colóquios, leituras de suas obras, fotos e vídeos. As homenagens se estenderam por cinco dias.

Vocês sabiam que 15 obras do Bruxo já foram publicadas na França? Além dos debates acadêmicos, os fãs franceses do escritor puderam ver vídeos e fotos do Rio de Janeiro do século 19. O ponto alto das comemorações na terra de Moliére foi a exibição, pela primeira vez, do filme Brás Cubas, de Júlio Bressane, com legendas em francês. Em seguida, o diretor debateu com o público seu interesse pela vida e obra do escritor.

Na Espanha foi realizado um seminário, com recital lírico e mesas-redondas, como forma de marcar a passagem dos cem anos da morte do Bruxo. O evento aconteceu na Casa da América de Madri e, na abertura, contou com a presença da escritora Nélida Piñon. Para Piñon, que pertence à ABL, Machado foi o primeiro grande escritor da segunda metade do século 19 da América inteira. Para ela, “da mesma forma que há a pátria de Cervantes ou a pátria de Shakespeare, há a pátria de Machado de Assis”.

Os portugueses também organizaram (pois não!) um colóquio internacional dedicado exclusivamente ao escritor e sua obra. A Lusa, agência de notícias de Portugal, incluiu o criador de “Quincas Borba” na lista das 100 personalidades mais influentes da América Latina.

Por fim, uma perguntinha pouco machadinha para vocês. Afinal, Capitu traiu ou não Bentinho? Sim ou não? Através de uma enquete, a Folha On-Line fez essa mesma pergunta. O resultado, que não tem valor científico, ficou assim: 59% disseram sim, enquanto 41% optaram pelo não. Votaram 9.439 pessoas. Moral da história: o Bruxo continua confundindo a cabeça de muita gente por aí.

Agora um recado àqueles que ainda não resolveram essa questão que, à primeira vista, se revela tão simples: vocês não podem perder mais tempo. Vocês precisam, quanto antes, mergulhar fundo nas páginas de “Dom Casmurro” e tirar as próprias conclusões.

Mesmo porque a melhor maneira de homenagear o centenário do passamento do Bruxo do Cosme Velho é manusear as páginas de sua obra magistral e, assim, experimentar o gosto do feitiço que, como o próprio feiticeiro ressaltou, tem como matéria-prima ou ponto de partida a complicação do natural com o social. De que maneira? Astrojildo Pereira se encarregou de nos explicar: a ficção de Machado tem como base a família. “Ora, quem diz família diz casamento, e quem diz casamento diz amor, e quem diz amor diz complicação – “complicação do natural com o social”.

Por isso, caríssimos acadêmicos, cem anos depois de sua morte, o Bruxo do Cosme Velho nunca esteve tão presente e atual como agora. Não é mesmo uma bela bruxaria?

Muito obrigado!


Biografia:
Poeta, jornalista y otras cositas más.
Número de vezes que este texto foi lido: 61659


Outros títulos do mesmo autor

Poesias O que Drummond diria para Edilene neste dia 31? A. Zarfeg
Crônicas 27 ANOS A. Zarfeg
Ensaios “José” existencialista? A. Zarfeg
Crônicas Vai uma pimentinha aí, candidato(a)? A. Zarfeg
Crônicas Livro A. Zarfeg
Crônicas Gê ficou encantado A. Zarfeg
Poesias Ah, Izabel! A. Zarfeg
Crônicas É São João, minha gente! A. Zarfeg
Poesias À mestra, com carinho A. Zarfeg
Poesias You and me A. Zarfeg

Páginas: Próxima Última

Publicações de número 1 até 10 de um total de 16.


escrita@komedi.com.br © 2025
 
  Textos mais lidos
Os Dias - Luiz Edmundo Alves 63248 Visitas
Jornada pela falha - José Raphael Daher 63212 Visitas
O Cônego ou Metafísica do Estilo - Machado de Assis 63091 Visitas
Insônia - Luiz Edmundo Alves 63013 Visitas
Namorados - Luiz Edmundo Alves 63010 Visitas
Viver! - Machado de Assis 62993 Visitas
Negócio jurídico - Isadora Welzel 62959 Visitas
A ELA - Machado de Assis 62901 Visitas
PERIGOS DA NOITE 9 - paulo ricardo azmbuja fogaça 62851 Visitas
Eu? - José Heber de Souza Aguiar 62815 Visitas

Páginas: Próxima Última