Até os 27 anos de idade morei com meus pais. Filho único, fui educado dentro dos preceitos da época, onde a família e as conversas entre seus membros eram muito valorizadas. Morávamos num antigo sobrado que tinha um jardim e um grande quintal, onde meu pai cultivava um belo pé de abio amarelo e uma pequena horta, além de seu viveiro de pássaros e um gramado onde minha mãe estendia as roupas.
O sobrado possuía três quartos e banheiro na parte superior e, na inferior, copa, cozinha, sala de visitas e sala de jantar, além de um terraço envidraçado. E é sobre a sala de jantar que vou falar aqui. Era o local em que mais conversávamos, com meus avós maternos por vezes presentes, pois eram nossos vizinhos. A conversa fluía durante o jantar em si e por um bom tempo depois. Não havia TV na nossa sala de jantar. Possuíamos apenas um aparelho em branco e preto que ficava na sala de visitas. A TV era mera coadjuvante. Cresci nesse ambiente, valorizando cada vez mais aquelas nossas conversas. Lembro-me bem quando os militares tomaram o poder em março de 1964 e aquela sala de jantar foi palco de inúmeras conversas sobre o tema. Eu, com 15 anos, ainda um tanto cru na política, mas muito interessado em saber o que se passava no país. Certamente foi ali que me politizei. E a sala de jantar foi palco de muitas outras conversas que, se for citá-las aqui, não terminarei o texto.
Hoje, percebo com tristeza que acabou esse tipo de papo que ocorria na sala de jantar, ou apenas na mesa de jantar, pois a maioria dos apartamentos não comporta uma sala de jantar. As pessoas usam a mesa de jantar apenas para comerem. Acabou aquele papo em família em volta da mesa. Isso quando as pessoas jantam juntas ou, o que é pior, quando ainda jantam e conversam.
O que se percebe hoje em dia é que cada um está envolvido com seus próprios problemas e sente vergonha em dividi-los, ou apenas citá-los, com aqueles que o cercam. As pessoas comem rápido e em silêncio, e cada um deixa seu lugar tão logo termina a refeição. Conversar, então, nem pensar!
Até pouco tempo atrás, os mais jovens corriam para o quarto, ligavam seus computadores e se esqueciam do mundo. Não do mundo lá fora, mas do universo que existe dentro de casa – o universo do amor, do carinho, da compreensão e, por que não, da divisão de problemas. Agora já nem precisam correr mais para o quarto, pois o computador está presente ali mesmo, na mesa de jantar, na forma de um celular antenado com as redes sociais. O jovem (e por vezes nem tão jovem assim) dá uma garfada e uma olhada na telinha e assim sucessivamente. E a conversa fica a zero.
O que essa gente ainda não sabe – e isso só a vida mostrará um dia – é que na hora da dor, do sofrimento, da perda não será a tecnologia que o consolará, que lhe dará uma palavra amiga, um conforto. É bem possível até que, ao procurar um amigo pela Internet, não consiga encontrá-lo, porque “a caixa de correio está cheia” ou ele ainda “não tem facebook” ou “twitter”.
Que pena! O homem abandonou a sala de jantar...
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