Perdoar. A si mesmo, talvez o perdão mais difícil. A vergonha atormenta, os olhos julgadores fixam cada movimento e, com certeza, agora mesmo, estão a relembrar cada palavra dita, cada gesto escandaloso. É difícil ser o centro do universo. Mas não há como renegar o poder inebriante que o julgamento alheio exerce sobre o eu, sobre o teu, sobre o nosso. Mesmo que ele não exista. Mesmo que seja nosso próprio julgamento.
Hoje falei demais, agi demais, expressei demais, Todo dia falo demais, ajo demais, expresso demais. E depois, na solidão entre quatro paredes, vem a multidão de vozes na cabeça que dizem o quanto tu não serve pra esse mudo. Ah, a mania... que seja. Que seja o que for. Tem quem chame de falta de controle de impulso. Seja a labuta que não exige muito, seja o tda, seja a insistência em usar o mundo como divã do analista. O fato é que o mundo julga. Mas na minha cabeça o mundo julga com uma violência quase profana. E na minha cabeça o mundo executa. E na minha cabeça não há perdão. Porque todos os outros foram perfeitos, com todos seus comentários apropriados. Ninguém mais foi ridículo, todos são santos, rivotril não é a droga do século, meu chefe não precisa de férias.
O carrasco mora ali, logo acima dos ombros. Não mora sozinho, já disse, é uma tormenta lá em cima. Tem o rebelde que liga o foda-se e grita “eu sou assim”, azar de quem não gosta de mim, mas ele é vizinho de John Donne, que insiste: “nenhum homem é uma ilha”, o diálogo se arrasta até a máxima do ad nauseam xavierano ... qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim. Taí. Amanhã vou fazer diferente. Vai ser um novo eu. Há. Porque não pensei nisso antes?
E amanhã lá vai ela fazer tudo sempre igual... Não quero continuar nesse circulo vicioso. Mas porque o perdão? Porque se o coração não está em paz, se a cabeça não sabe o que faz, a espiral não para. A minha grande ideia para amanhã era chegar para todo o tribunal com o grand oppening preparado. Com argumentos embasados. Com a justificativa amplamente acatada de transtorno mental leve seguido de um “foi mal”, ou algo do gênero. A questão é que nem foi tão mal assim. A questão é que a maior parte disso tudo aconteceu só na minha mente predominantemente obsessiva. A questão é que quem tem que me perdoar sou eu. Ninguém mais. Porque, neste momento, quem usa o que eu disse contra mim, é esta que voz fala. O que faz de mim minha pior inimiga. É hora de fazer as pazes.
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