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Pax-vóbis
João Felinto Neto

Resumo:
A poesia traz paz de espírito, e é nessa intenção que o poeta traça sobre páginas, versos rabiscados em silêncio. Todo poema traz em ritmo, harmonia enquanto declamado. E esse ritmo compassado, arrasta o leitor ao eterno repouso em pacificação com seu interior. O poeta com seus versos, sabe arquitetar com diplomacia a fuga de correntes que nos prendem no dia-a-dia ao corre-corre da vida. Pax-vóbis traz em seus versos a atitude do poeta João Felinto Neto ante posições na vida, situando o leitor em cada íntimo, como aquele ao qual se refere. A escolha do título em latim, segundo o autor, foi para sugerir com uma língua morta um sentimento dos vivos: “Somente vivos, temos paz de espírito”. Pax-vóbis são poemas que permeiam o cerne do ser humano em confronto com seus questionamentos. É inquietante ler poemas que nos compele à reflexão. Essa obra é mais uma confirmação que o poeta mergulha na profundidade de si mesmo e nos faz emergir nos descobrindo.

Pax-vóbis

Que seja este livro,
Um jantar à luz de velas;
Do mar,
A mais tranqüila caravela.
Seja o vento nas cavernas,
A soprar.
Seja o condor a planar
Sobre a planície.
Seja um velho que sorri
De um jeito triste;
Uma noite
No alpendre à beira-mar.
Seja a mais distante ilha
Que a lua alta brilha
E o sol vem se espelhar;
Uma boca suspirando de amor;
Nos cabelos, uma flor
A enfeitar.
Seja um pássaro a cantar
Por entre galhos.
Seja um bonachão sentado
A escutar.
Seja a sua paz de espírito
Que o mais estrídulo grito
Não consiga abalar.
Por toda parte

Devo dizer-te, agora,
O quanto a amo.
Quero enxugar o teu pranto,
Com meus beijos.
Sei que não é tão cedo,
Mas nunca é tarde.
Mesmo que a morte trate
De me fazer partir,
Sempre estarei em ti,
Por toda parte.















Substantivo abstrato

O amor,
Alardeariam os eternos,
É optar céu ou inferno,
Deus ou Diabo.
Explicariam os letrados,
O amor é certo
Substantivo abstrato.
É um sentimento ultrapassado,
Assim, diriam os modernos.
É na verdade, um mistério,
Resumiriam os mais práticos.

O amor,
Sussurrariam os celibatos,
É casto, é puro.
Resmungariam os sisudos,
É apenas infantilidade.
É luta pela liberdade,
Exaltariam os dissidentes.

O amor
É para sempre,
Suspirariam os emotivos.
É simplesmente mito,
Afirmariam os mais céticos.
É tão somente sexo,
Falariam os impulsivos,
Impulso de uma vontade.
É perdoar a humanidade,
Ensinariam os profetas.
É a solidão e a saudade,
Declamariam os poetas.



















Pelo vento

O vento traz
Vozes tristes e distantes
Que interpreto no silêncio
Como sendo versos casuais.

E os meus ais,
O vento leva para longe,
Em rascunhos que jamais
Terão meu nome.

Ninguém verá o meu semblante,
Mas, saberão de minhas dores,
Pelo mesmo vento que antes,
Outras, a mim, trouxe.










Ao infinito

Na madrugada fria,
Eu caminho na areia.
O vento serpenteia
Numa brisa.

Enquanto a onda teima
Em tocar meus pés descalços,
Meus pés pisam em falso
Moldando a areia.

Eu tenho a impressão
Que o mar deseja apagar
O meu caminho.
Talvez, queira me ver sozinho
Caminhar.

Tamanha paz,
Arrasta-me ao infinito,
Metamorfoseando-me em cada onda
Que num singelo ritmo,
Na areia, se desfaz.



O ditador e o exilado

- É suficiente uma bandeira
Para acenar.
Pois, sendo ela brasileira,
Sei que posso voltar.
Grita, o exilado
Do partido popular.

- Rasgarei qualquer bandeira
Que estiver a acenar.
Pois jamais, à minha pátria,
Exilado voltará.
Grita, o exacerbado
Ditador militar.

Foram anos, felizmente, já passados,
Que não gosto de lembrar.
O direito era negado,
Mortos por todo lugar.
Até que um dia, enfim,
O ditador de pijama
Vê o presidente passar;
Pensa, então, desconfiado:
Ontem, fora um exilado.
Hoje, está em meu lugar.
Botão de flor

Sou taciturno
Como um ato de coragem.
Quem sabe
Essa imagem seja apenas ilusão?

Tenho na mão,
Uma flor que não se abre.
Talvez, se acabe
Nessa forma de botão.

A solidão
Seria o fogo que em mim, arde;
Que quando à tarde,
Reaquece uma paixão;
Aquela que me deixou taciturno.
Mesmo no escuro,
Ainda queima o coração.







Cena

Cada um de nós
Faz sua parte em cena,
Que é apenas
Uma só voz.

Mesmo falando uma só língua,
O mundo míngua,
Se formos sós.
















João olhos de gato

Eram tais olhos de gato,
Quando um farol ligado
Joga luz na escuridão.
Uma macabra assombração.

Foi no dia de finados.
Eu estava já cansado.
Vinha de uma procissão,
O terço ainda na mão.

Eu passava bem ao lado
Das barracas do mercado,
Quando tive a impressão
Que alguém chamara:- João.

Na rua do campanário,
Estava um escuro danado
Que era difícil à visão
Saber qual a direção.

De onde viria o chamado?
Não sabia de qual lado.
Todavia, tomei uma decisão,
Respondi: - Diga irmão.
Um vulto vinha apressado,
Parecia um ser alado,
Os pés não tocavam o chão.
Bate forte o coração.

Era o compadre Melado;
Vinha montado a cavalo.
O resto foi criação
De minha imaginação.

O pior do resultado
É que eu estava mijado
E borrara o calção.
Que triste situação.

Hoje, sou apelidado
De João olhos de gato
Pelo compadre Melado
E toda a população.








A rocha

Sou como uma rocha sólida
Que numa encosta,
O mar castiga, a desgastar.

Sou a mesma, a afundar
Sob as águas gélidas.

Sou insistente.
Porém, na insistência, cedo.
Sou sempre o mesmo
Ante o mundo que me cerca.

Estou perdido
Numa trágica descida,
Sem ensejo de voltar,
Qual a rocha esquecida
Nas profundezas do mar.







Filho único

Hoje
Não é apenas mais um dia
Entre tantos, a nascer.
É filho único,
Pois cada dia
Morre ao anoitecer.

Hoje
Tem que ser tão cativado
Quanto o filho que se tem.

Hoje também,
Deve ser comemorado.

Hoje
Nunca tem o mesmo nome;
Pois amanhã,
Será velado como ontem.






É porque não choro

Faltam lágrimas em meus olhos,
Foi assim a vida toda,
Não que seja minha escolha,
É porque não choro.

Sei que o peso que suporto,
Muitos dizem ser à toa.
Porém, não é a minha escolha.
É porque não choro.

Peço perdão, até imploro
A quem a morte tolha,
Por não ter lágrimas em meus olhos.

Não é frieza, nem é ódio.
Não é minha escolha.
É porque não choro.







Paciência, medo ou sabedoria

Paciência
É a espera cansativa
Até o momento azado.

Medo
É sinal de covardia
Ou seria
Ato de um ajuizado?

Sabedoria,
Equilíbrio e harmonia
Entre Deus e o Diabo.

Qual seria
O atributo mais louvável,
Paciência, medo ou sabedoria?








Cadafalso II

Não espero o amanhã,
Eu vivo o hoje.
Amanhã é mais que um dia,
É um passo além da vida
Que acabaria hoje.

O agora,
É preciso viver.
Essa história
De amanhã vou fazer,
Pode ser um passo em falso
Num cadafalso
Que venha surpreender.











Talhe

Talvez eu seja o escopo
De um velho escultor
Que talha seu triste rosto
Num tronco que encontrou

Nos arredores de casa
Num sombrio entardecer.
Como se pudesse ver
Sua face ali marcada,

Sua boca, uma falha
Que o tronco em si trazia
Num galho que não saíra.

Se eu não for o escopo,
Talvez, seja o próprio rosto
Que eu não reconheceria.







O próximo

O que eu espero
Nesse vazio enorme,
Nessa vida arrodeada de queixas?
Apenas as letras
Deixam-me falar.
Minhas palavras são tolas,
Evasivas de minha realidade.
Se todos soubessem a verdade,
O mundo, talvez, só fosse pranto
E se inundaria em nossas lágrimas.
Continuemos na ilusão
De que alma, coração e razão
São alicerces
Na construção de cada dia.
Pensemos num futuro próximo,
Onde o mundo evolua.
Continuemos no mundo da lua,
Sem sabermos se seremos o próximo.






Seres humanos

Quem são eles
Com seus rostos diferentes?
O que sentem?
O que querem pra si mesmos?

Os seus medos,
Seus desejos mais ardentes,
São diversos;
Seres humanos dispersos
Entre nós.

Não leio seus pensamentos;
Não escuto uma só voz;
Não conheço nenhum deles;
Não sei quais os seus tormentos,
Muito menos seus intentos
Mais secretos,
Seres humanos dispersos
Entre nós.





Vós II

Se ainda credes em Deus e Diabo,
Tendes todo o poder.
Vós podeis manipulá-los.

Se sentis o mal
Tentando se erguer,
Mandai o Diabo ao inferno,
Uma região do cérebro
Onde Deus tende a viver.

“Vós sois
O caminho, a verdade e a vida.”
Ninguém vai a Deus
A não ser por si.










Evidência    

Em um mundo aparente,
Onde Deus é o Diabo
E a maçã uma serpente,
O homem se torna barro,
A mulher costela quente.

Em um mundo decadente,
Tudo é manipulado.
A virtude é pecado,
O pecado tem um preço de mercado
Que é cotado, altamente.

Em um mundo encantado,
Onde o Diabo come gente,
Onde Deus em um cavalo,
Espada versus tridente,
O real é imaginado,
O quimérico é coerente.






Bem-vindo a Sarajevo

Estranho,
O silêncio me espanta.
Talvez,
Por estar preso na garganta:
Bem-vindo a Sarajevo.
Como escrito pelo medo
Na parede demolida.
Ainda há esperança,
Enquanto há vida.
As flores,
Aqui, nascem em segredo.
A chuva
Cai em bombas,
Entre os dedos,
Nos amputando sonhos e lembranças.
Bem-vindo a Sarajevo.








Mundo fictício

Uma criança brincava
Com a comida, na mesa.
Corria de pés descalços,
Sem ninguém a seu encalço,
Pela ruazinha estreita.

Não enxergava a sujeira,
No seu mundo fictício,
Do real desconhecido;
Tudo era brincadeira.

Contudo, era tão bonito
Ver o mundo d’aquela maneira:
Sem ter ódio,
Ser ter vício,
Sem sombra de sacrifício,
Sem pecado
E sem tristeza.






Soneto fúnebre

Se eu morrer amanhã
“Não quero choro, nem vela,”
Nem mesmo fita amarela
Como queria a canção.

Também não quero oração,
Nem elogios aleivosos
De inimigos maldosos
Querendo um frágil perdão.

Quero amigos chistosos
A desdobrar em sorrisos
O meu feral saimento.

Que os meus entes queridos
Não tenham tanto remorsos
E nem tanto sofrimento.







Jura e prece

E nasceu o sol,
Triste, solitário,
Esperando a lua
À beira do lago.

Que belo cenário
Ao entardecer.
O vento a dizer:
Vai chegar, a lua.

Surge à noite, a lua.
O sol desaparece.
De quem é a jura?
De quem foi a prece?










Um gato

Sete vidas eu teria
Se de verdade, fosse um gato.
Ronronando, eu andaria
Sutilmente em seu telhado.

A primeira, eu perderia
Tentando entrar em seu quarto.
Da janela eu cairia
Sem lembrar que era um sobrado.

A segunda, eu ceifaria
No seu lençol, estrangulado.
Teu olhar me perseguia,
Enquanto pelo meu era fitado.

A terceira, na certa acabaria
Como acaba um namoro.
Sem você eu sairia.
Você sairia com outro.

A quarta seria um fim
De um nada começado.
Você olhando para mim
Como se olha para um gato.
A quinta seria a tinta
Espalhada no sofá.
Você me jogando a trincha
Sem parar para pensar.

A sexta chega ao fim
Com as rosas espalhadas.
A bagunça no jardim.
Você me dando pancadas.

A sétima não passaria
Nem do primeiro encontro.
Você me atropelaria
E cairia em pranto.













É natural

É natural
Ter nascido numa senzala,
Ser escravo de uma terra
Que sem alma,
Fala em libertação.

É natural
Ter a doce ilusão
Que se tem alma,
Com a mesma calma
Que se fala em omissão.

É natural
Não ter o dom do perdão
Quando sua cela é forjada
Com o ferro da ambição.

É natural
Por ser inata,
Uma crença exagerada
Em um deus de ilusão.



Basta

Caminho para a praia
Sob lâmpadas acesas.
Não há na rua, areia;
Há muito, já foi calçada.

Lavo em lágrimas,
As pedras nas quais eu piso.
Meus ouvidos
Buscam o barulho da água.

Já na água, indeciso,
Molho as minhas sandálias.
Num agachar, as retiro.
Assim, sigo
Pela areia molhada.

O vento frio me acalma,
Traz ao meu rosto, um sorriso,
Então, grito
Qual um louco enfurecido:
- Basta.



De momento

Eu me enterro só,
Sob minha terra.
Pois, só assim,
A minha vida pode ser eterna.

Ninguém acredita
Que a minha vida
É de ocasião.
Se tenho razão,
Não importa ainda.
Minha vida finda,
Voltarei ao chão.

É fantasioso querer sair furtivo
Entre vermes
E galgar aos céus imaginários
Num abantesma intuitivo
Que é o cerne
Dos ingênuos e otários.

Eu me enterro só,
Sob minha terra.
Pois, só assim,
A minha vida pode ser eterna.
Sempre estamos sós

Reservo-me ao silêncio
E à espera
Até que a humanidade me esqueça.
O travesseiro, talvez me apodreça,
Enquanto espero a morte, meu algoz.

Não quero escutar a minha voz
Em forma de lamento e/ou gemido.
Surpreendo-me, às vezes, esquecido
Que sempre estamos sós.

Percebo que ainda permanece acesa,
A vela que puseram em minha mão.
Discordo da oração que alguém peleja
Tentando me arrancar da solidão.









Sombra de nanquim

Que a vida,
Mesmo frágil, continue.
Que perdure
Meu amor, além de mim.
Que não tenham fim,
Meus passos pela rua.
Que dissipe sob a lua,
Minha sombra de nanquim.
















A prova

Prefiro sucumbir-me ao silêncio
Do que falar o que está escrito.
Se em tais palavras já não acredito,
Seria assim, hipócrita e pretenso.

Maldito eu seria no momento
Em que pronunciasse um verbo seu.
Se não posso ser eu
Que seja ao menos,
A prova de que não existe Deus.














O poderoso omisso

Quem deixaria o mundo
Em meio às dores,
Tendo o poder de o manipular?

Faria dos espinhos,
Senão flores.
Das pedras no caminho,
Relva macia pra pisar.
Da fome e da miséria,
Lendas maquiavélicas
Sem ninguém pra escutar.

Faria dos perversos,
Bons senhores.
Das sombras dos infernos,
Luz e cores.
Do mundo,
Um paraíso pra morar.

Quem deixaria o mundo
Aos seus horrores,
Tendo o poder de tudo transformar?


Indefinido amor

Definiria, eu, o amor,
Na paz que vem após a guerra.
Na espera de quem não supera
O destemido vencedor.
Na chama que derrete a vela,
Mas ilumina a velha cela
Onde aprisionado estou.

Na tempestade que avaria
O barco que me levaria
A um terrível opressor.

Na lança que a árvore acerta,
Enquanto o cervo, assim, desperta
A fúria de um predador.

Na ponte de corda e madeira
Que se partindo aqui me deixa
Ante o abismo aterrador.

Nas asas livres de um condor
Que chama minha atenção,
Que liberdade é uma ilusão
Ante o indefinido amor.
Palavras tortas

O vento frio em minhas costas,
Arrepiando-me o pensamento.
As luzes que vêm lá de dentro,
Alumiam-me pela porta.

É nessa hora
Que algo macula o silêncio.
Sussurra o vento,
Palavras tortas.

Em meus cabelos que desgrenha,
Sinto a areia que me joga.
Não me desenha,
Mas me contorna.










Miramar

Por que o amor me fez viajar
Sem fazer planos,
Milhas e milhas,
Através de oceanos,
À mais remota ilha,
Para fincar bandeira
Numa nação de língua estrangeira,
Depois de atravessar
Metade do planeta
Na busca do mais tocante beijo,
Menosprezando meu desejo
De voltar,
Fazendo-me casar
Em uma terra estranha,
Com uma nativa que se chama
Miramar?








Desabafo

Talvez minha frieza
Seja dor
E essa dor,
Tristeza.
Não sirvo de consolo
E não suporto queixas.

Perdoa-me, o amigo,
A falta de afeto.
Não sei se sou severo
Ou um covarde omisso.

Ante o maior pesar,
Sou esquisito.
A quem me é querido,
Peço lembrar,
Que nem sempre chorar
É estar ferido.






Querela perdida

Lágrimas nos meus olhos,
Eu não me espanto.
São apenas gotas
De uma chuva fina.
Misturo meu pranto
Com a mesma tinta
Que borra teus olhos.
Querela perdida
Pra quem ama tanto.
Mais que uma dor física,
Expressão de espanto.
Desfaz-se na chuva,
Uma antiga jura
De quem diz: - Te amo.










Figuras de meu passado

Eu vejo a face de Deus,
Por mim vencido,
Adormecido em seus braços.
Vejo também o Diabo,
Por mim banido,
Envelhecido ao seu lado.
Figuras de meu passado,
De uma infância feliz.
Um deus de fraldas,
Calado.
Um diabo que tudo diz.













Visita indesejada

As palavras, às vezes, não dizem nada
E o silêncio nos ofende.
Nestas horas,
Dar as costas e ir em frente,
Pode não ser educado,
Mas, é o mais coerente.

Sua visita
Pode ser indesejada.
Sua estada,
Um equívoco evidente.

Entre silêncio
E evasivas palavras,
A decisão mais acertada
É dar a volta e ir em frente.








O morto

Quero ser a ponta do cigarro
Que queima na boca
Do policial sem farda.

Quero ser o anel da prostituta
Que ainda suja,
É usada.

A calçada
Onde pede ajuda,
Um mendigo que sorri sem graça.

A calça
Do grande executivo
Que nessa hora passa.

Quero ser a vaga
Que a pouco,
Foi desocupada.

O dente de ouro
Do crioulo
Numa estridente gargalhada.

A picada
Na pele inchada
De um dependente
Que nem mesmo sente
Sua dor de alma.

Contudo, sou o morto
Que observa o corpo
No meio da rua
Mal iluminada.

















Levado pelo vento

Ouço apenas um pássaro que canta.
O espanta,
Um trote de cavalos.
Uma carroça com outro emparelhado,
Arrasta-me ao tempo de criança,
Onde um velho corria, na esperança
De me ver homem feito e honrado.

Ainda vejo o portão escancarado,
Onde o gado
Corria ao seu encontro.
Nessa hora, o meu peito treme tanto,
O vejo caindo do cavalo.

Eis que o céu num instante está nublado.
Descuidado, tropeço pelo espanto.
Uma neblina mistura-se ao meu pranto,
Onde vejo o passado embaçado.

O meu filho observa-me calado,
Sem saber onde andava em pensamento.
Apesar de já fazer muito tempo,
Ainda lembro daquele dia azado.
Então, conto que um velho adorado,
Foi levado na chuva pelo vento.























A rua que me leva ao mar

A rua que me leva ao mar,
Sem nada falar,
Sempre me diz tanto.
O vento me entoa um canto,
Aliviando o sol
Que teima em me queimar.
Quantas passadas até lá?
Ninguém nunca me viu contando,
A não ser um cão que ladrando,
Insiste em me acompanhar.
A rua que me leva ao mar,
Deixa a lua passar,
Meu caminho iluminando.
A areia que já vem voltando
Nas costas do vento,
Tenta me barrar.
A rua que me leva ao mar,
Está sendo maculada:
São casas, postes e calçadas;
Com pedras é pavimentada.
À noite, toda iluminada,
Não vê que a lua quer passar.
A rua que me leva ao mar,
Traz-me de volta para casa.
Ensinamento

Não eduquei meus filhos
Com a mesma vara
Que meu pai me batia.
Talvez, por isso, um dia
Eu os senti com medo
Diante da vida.
Eu nunca fiz segredo
Do que lá fora, havia.
Também não fiz alarde,
Por saber que cedo ou tarde
O mundo se revelaria.
Tenho a plena certeza
Que as lições de ontem,
Mesmo não sendo as mesmas,
Ainda se escondem
Nas lições de hoje em dia.








Será que existia?

São tão raros
Os que sentiriam minha falta...
Talvez, cem seja exagero
Entre seis bilhões de tristes almas.
Mesmo em cem,
Ainda teriam as falsas lágrimas.
Outras iriam ao enterro,
Só por serem educadas.
Umas, mesmo em desespero,
Manter-se-iam em calma.
Todavia,
A esmagadora maioria
Nem ao menos saberia
Que existia,
O poeta que vos fala.









Despedida

Eu vejo, amigo,
Que se despede da vida
Com angústia, medo e dor.
Não vê que ainda tem a seu favor
Os amigos e a família,
Que manterão em vida, seu valor
E suas ações enaltecidas?

Eu sei
Que a morte, às vezes, nos obriga
A temê-la ante a vida que se esvai.
Mas odiar, talvez seja demais;
Fugir,
Também não é saída.

Estendo o braço
Pra dar-lhe o último abraço,
O abraço de uma despedida.






Insanidade

Meu desapego à vida
É uma ofensiva
Contra o medo de morrer.
Talvez, seja mais fácil pra quem crê
E tem uma fé sob medida.

Meu desespero me obriga
A uma luta desmedida
Entre a razão que me habita
E esse Deus que me castiga
E que me faz enlouquecer.

Eu sinto que a insanidade
Supera, enfim, minha vontade;
Sepulta o eu
Que em mim havia.








Eclipse lunar

Apenas minha sombra
Na janela;
Um cadáver sem ter vela
Para soprar.

A luz que ilumina às minhas costas,
Além da porta, contorna
Outra sombra, a me olhar.

As duas se encontram na cozinha,
Tua sombra junto à minha,
Até a luz apagar.

E numa escuridão sem fim,
Acabamos no jardim
Num eclipse lunar.








Quarenta anos

Olho para meu passado,
Moleque magro
Que em meu presente não tenho.
Não diviso meu futuro.
Hoje, quatro de outubro,
Homem maduro e sereno.
O que fiz em quatro décadas?
Quarenta anos de vida
Entre páginas amarelas
Que já foram coloridas.
Entre os cabelos grisalhos,
Estão dias de alegria,
De esperança, de cuidados,
De tristeza, de harmonia,
Do mais pueril afago
À malícia mais perversa.
O que fiz em quatro décadas,
Senão viver meus orgasmos
Em uma simples conversa,
No mais íntimo abraço?
Não sinto o peso da idade,
Talvez, por não percebê-la.
O que sinto é saudade
De não poder revivê-la.
Em meu lugar

Serei ossos sob a terra.
Na lembrança, um poeta
Que soube amar.
Minha alma que é vela,
Virá, a morte, à janela,
Num vento frio, apagar.

Sei que não irei voltar.
Mas, uma coisa é certa:
Minha obra de poeta
Ficará em meu lugar.













Dor sentida

Ah! Se eu pudesse lastimar em pranto,
A dor que a vida me imputou,
Um dia.
Pudesse eu sorver toda alegria
Que em meus lábios
Surpreende tanto
A quem não sorria.
Talvez, por minha natureza fria
Ou uma tristeza, por demais, calada;
Talvez, nem caiba
Em mim,
A dor sentida.
E ressentir
A dor em mim,
Não valha.









Boneco de pano

O peso de Deus sobre meus ombros,
Atola-me no lodaçal do inferno.
Na mão de um ser eterno,
Sou um boneco de pano.

As chamas,
O meu corpo, vão queimando.
Eu vejo o Diabo em pranto,
Que Deus diz ser cruel.

Sou a fumaça inalada pelo Diabo
Enquanto em cinzas,
Sou por Deus, enfim, soprado
Em direção ao céu.










Poesia equivocada

Não há nós ou amarras
Que me prendam,
Por ser eu, livre
Tal qual o vento
Sob as asas
De velhas garças
Que sobrevoam
Nossas casas
De cimento.

Não há preceito
Ou preconceito
Que me abata.
Sou resistente qual a vara
Que apesar de envergar
Por muito tempo,
Volta à posição primária,
Logo que se acalma, o vento.

Não há poder
Que me cale as palavras,
Por ser eu, firme
Qual a casa destelhada
Pelo mesmo vento;
Que há muito, abandonada,
Ainda resiste ao tempo.

Assim resisto,
Com um louco pensamento
E uma poesia equivocada.





















Cárcere estreito

Onde habitas, liberdade,
No meu crânio ou no meu peito?
A razão me desfigura a vontade,
Por direito.
O meu coração, sem jeito,
Só me faz sentir saudade.

Sou feliz na ilusão de que sou livre,
Vôo na imaginação.
Todavia, me acorda o coração,
Chorando triste.
Em seu pranto, ainda insiste
Em chamar minha atenção:
-Não se esconda da paixão,
Pois ela existe.

E cativo em um cárcere estreito,
Na mais fria solidão,
Perco a razão,
Golpeio mortalmente o peito.




Ocasional

Eu me pergunto
Se ainda sou real
Ou uma idéia dispersada no silêncio?
Se sou por dentro,
Um lampejo ocasional
Ou sou resumo
De uma vida santoral
Numa dimensão de tempo?

Não lamento
Se meu crime é passional.
Pois sei que a morte é natural
Tal qual é o nascimento.

Sei que a ocasião faz o pecado,
Que o rosto ao meu lado
Não parece estar feliz.
Há nele uma enorme cicatriz,
Uma lembrança do passado;
Quando entre Deus e o Diabo,
Era o fastígio e a raiz.



A rosa

Numa noite, vi o meu amor
Tal qual sombra na escuridão.
E nessa mesma ocasião,
Alguém, então, telefonou.
- Já sei, perdi meu coração.

Em solidão, na minha dor,
Eu optei pela razão.
As lágrimas seriam em vão,
Não reveria o meu amor.

Mas, a razão não contentou
Meu coração enraivecido.
Talvez, tenha sido o motivo,
Que a emoção a superou.

Começa a surgir em mim
Como uma rosa no jardim,
A ilusão de que a teria.
E foi tão grande a alegria
Que eu não percebi que enfim,
Eu era a rosa que nascia.


Uma carta anônima

Eu mergulhei em lágrimas contidas,
De uma paixão inibida
E platônica.
Pois, me dei conta,
Que eu sempre seria
Uma carta anônima.

Mantinha boa distância,
Daquela que eu mais queria.
Nascia em mim, a esperança,
Quando de perto, a via.

Será que um dia, leria,
Nos olhos deste que a ama
Ou nunca perceberia
E para sempre eu seria
Apenas uma carta anônima?







Último alvorecer

O dia amanhece
Como tantos outros,
E não tem nenhum problema
Para eu resolver.

A não ser,
Que a vida se dissipa
Para tantos outros,
Que eu jamais virei conhecer.

Se algo ainda eu pudesse fazer,
Não sairia do meu leito
Para protestar em luto
Por tamanho absurdo
Que é fenecer.

Só abriria os meus olhos
Quando cada fruto,
Dessa árvore genealógica,
Viesse a nascer.

Entre lágrimas que cortinam a visão
Tenho a nítida impressão
Que irei também perecer.
Nada mais posso fazer,
Por ser tudo, tão vago.
Aproveito o cenário
Do meu último alvorecer.























Porco taberneiro

Pior do que meu erro,
É meu desalinho.
Sem manga,
Sem colarinho,
É meu desmantelo.
Banho,
Não tomo direito.
Minha barba,
Espinho.
Sou um porco taberneiro.

Estou sempre atravessado
Em velhos batentes.
Já não escovo os dentes,
Vivo embriagado.
Moscas voam ao meu lado
Como damas inocentes.
Sou um bêbado inveterado.

A vergonha despediu-se
Já faz um bom tempo.
O amor próprio
Foi ao vento,
Fui abandonado.
A taverna é meu convento,
Onde em pensamento,
Estou entre Deus e o Diabo.
























Reflexo

Quando olho no espelho
E não mais me vejo,
Tenho ânsia e o desejo
De não mais voltar.
Sei que é o mesmo lugar,
Mas, um mundo inverso,
Onde eu sou meu reflexo
Tentando ocultar
O meu lado mais perverso,
O que eu tento evitar.














Última ceia

Não tenciono remover do mundo
Sua fé estóica.
Mas, abrandar
Esse mirrado punho
Que sustem a espórtula.
Quem se abstém
Da mesa que está posta?
É a ultima ceia.
Mesmo que os olhos de Deus
Já não veja,
O mundo morre de fome
Às suas costas.












Mandamentos

Eu ouvi dizer que Deus sorri,
Se o homem não cumprir
Seus dez mandamentos.
Apesar de todo o juramento
E a promessa de não repetir,
É levado a julgamento.

Por primeiro, não deve servir
Outros deuses ante a mim.
Apesar de eu me omitir
Quando chegar o seu fim.

Por segundo, não deve fazer
Para ti, imagem de escultura.
Apesar de a certa altura,
Elas me darem prazer.

Por terceiro, nunca vá dizer
O meu santo nome em vão.
Nem que seja pra você
Pedir um pouco de pão.



Por quarto, guardar o sábado.
Pois, para mim ele é sagrado.
Mesmo que venha a perder
O seu tão raro trabalho.

Por quinto, honre seus pais.
Nem preciso pedir isso;
Apesar de não ter feito mais
Que sacrificar meu filho.

Por sexto, nunca matar.
Não tente justificar
Com o velho testamento,
Foi só ira de momento.

Por sétimo, não adulterar.
Pois no caso de Maria,
Ao José eu tive que enganar.
Pois ao mundo salvaria.

Por oitavo, não furtar
Nem um pão para comer.
É até bom o jejuar.
Lembre que eu amo você.



Por nono, não levantar
Nenhum falso testemunho.
Apesar de eu precisar
De mais um pastor no mundo.

Por décimo, evite a cobiça
Da esposa do seu próximo.
Mesmo que ele seja bicha
E o mais desonesto sócio.

Eu gosto de sorrir
Se o homem não cumprir
Meus dez mandamentos.
Apesar de todo juramento
E a promessa de não repetir,
Eu o levarei a julgamento.











Plágio

Eu escrevo sobre letras apagadas
Num suposto plágio;
Sobre cartas redigidas ao acaso
Por alguém que chora.
Não há prova
De que eu psicografo.
Sou escravo
De minha falsa memória.
















Por partes

Por trás dos óculos,
Os teus olhos me perscrutam.
Teus ouvidos não escutam
Eu te chamar.
Aos teus lábios, dá vontade de beijar
Pra sentir o sabor de doce fruto.
O teu corpo impoluto,
Vivo eu a desejar.
Não consigo penetrar
Seu pensamento.
Porém, é só questão de tempo,
Eu poder te imaginar
Em mim, inteira,
Da maneira
Que o artista faz nas artes,
Por partes.








O louco na novena

Quem é Deus?
É a mão que apareceu dando adeus
Ao mundo em cena.
É o louco na novena
Que pergunta: - Quem sou eu?
E responde a si mesmo:
- Este é o meu segredo,
Eu sou Deus.

Com o dedo encostado
No seu peito ensangüentado
Se acusa:
- És um homem solitário,
Sob o peso do pecado,
Sentes culpa.

De repente,
Põe a mão no rosto e chora.
- E agora?
Sou a escuridão lá fora,
O meu nome é evitado,
Sou o Diabo,
Que usando o próprio rabo,
Se enforca.
Onde tu andas?

Onde tu andas
Mulher amada,
Onde tu andas?
Será que bates
Na porta errada,
Quando alguém chama?

Sinto teu cheiro
Na minha cama.
Deixaste em chamas,
Agora apagas.

Não fui primeiro,
Não me enganas.
Deste teu preço,
Quis tua graça.

Saiu mais caro
Que um desejo.
Custou-me o apreço,
Mulher amada.



És pervertida, sem endereço,
Roubas a alma
Através do beijo
De quem te paga.

Onde tu andas
Mulher amada,
Onde tu andas?
Será que bates
Na porta errada,
Quando alguém chama?
















Fênix

Devo renascer
De minhas cinzas
Como a ave mitológica.
Devo ser a glória
E não ruína.
Devo ser ainda,
A fogueira
Que me queima
A toda hora.















Fugitivo

Corro sob a lua que ilumina
O terreno adverso.
Vez em quando, tropeço,
Sem saber que fujo ainda.
Some a lua,
Cai neblina.
E na escuridão,
Oculto minha culpa.
Mas, meu coração
Pede desculpa
Pela razão
Que é assassina.
Eu matei a Deus,
Que me mantinha
Na mais inexorável prisão.









Cortina de fumaça

A cada passo,
Descortino meu passado
Em fagulhas silenciosas
Que perfuram o meu cérebro.
Qual o mistério
Nas terminações nervosas?

Medicamentos
Que me levam lentamente
A enxergar em minha frente,
Coisas que eu vira outrora.
Lindas senhoras
Com decotes indecentes.
Um dia quente,
Uma noite invernosa.
Uma criança
Convulsiva no batente,
Uma mãe que loucamente,
De pé, chora.

E mergulho
No silêncio de mim mesmo.
Desaprovo meus segredos
Por escrúpulos.
Ao entrar num beco escuro
E estreito,
Eu me vejo num espelho,
Num senhor de sobretudo
Que não passa de um sujo
E espalhafatoso bêbado.





















Cabelos de prata

O que procuras,
Inquieta criatura,
Na ilusão dos pesadelos;
Se a realidade
Não passa dessa brancura
Que prateia teus cabelos?

Será só medo
Dessa face escaveirada
Ou sentes falta
De tua vida de solteiro.

Se for para mentires a si mesmo,
Não dize nada,
Esqueças a imagem que te fala,
Do espelho.








O alvo

- Eis que a promessa
Daquele condenado,
Possa ser outra,
A de nunca me seguir.
Foi a conversa
Que eu pude ouvir,
Entre uma dama
E seu novo namorado.
O que a fizera partir,
Deixando o seu noivo amado?
Será que fora o ciúme,
O culpado?
De repente, ao meu lado,
Um rapaz com grandes botas
Empurra o pé na porta
E começa a atirar;
Sai correndo do lugar.
Eu adentro o recinto.
Você vai pensar que eu minto.
Mas, pode me acreditar,
Estavam os dois abraçados,
Buraco pra todo lado.
Não conseguiu o danado,
Nenhum tiro, acertar.
Rio abaixo

A água escorre
Pela fresta de uma rocha,
Rio abaixo.

O vento forte,
Pela brecha que há na porta,
Não me deixa sossegado.

Não abro os olhos.
Pois, ao mundo pouco importa
Se estou ou não, acordado.

Estou cansado
Para procurar respostas.

Estou a horas,
Procurando o melhor lado.

Esqueço o vento;
Então volto em pensamento,
Rio abaixo.



A fábrica

Que imensa estrutura
Ao céu aponta.
Chaminés onde a fumaça
Se levanta.
Onde a pedra se mistura
Na fornalha que insinua
Uma camada nua e crua
Do inferno.
Eis que o sol parece perto,
Bem mais perto
Que a lua.
Leva, o vento,
Um pó cinzento
Que molhado,
Em pouco tempo,
Se transforma
Em pedra bruta.







Unanimista

Sou intérprete de tuas angústias.
Minhas súplicas
Revelam teus segredos.
Os meus medos
Sustentam tuas culpas.
Minhas dúvidas
Explicam teus anseios.
Minha mão unciforme te estrangula.
Em tua urna,
Deposito o meu pó.
Mesmo só,
Sou a multidão confusa,
Que me acusa
De mostrar sua dor,
Sem dó.









Humilde perdão

Deus esqueceu a terra
Nos lugares onde a guerra
Sobrepujou a razão.
Talvez, não tinha noção
Do que o homem era capaz
E entregou a satanás
Essa impiedosa missão.

Deus não tinha coração
Ou era louco demais
Por pedir a nossa paz
Em troca da salvação.

Deus errou em omissão.
Ainda fala em condenar.
Deveria avaliar
Sua difícil situação.
Olhar para baixo e aceitar
O nosso humilde perdão.





Chupim

Longe vôo em fingimento,
Para se esconder de mim
Como a ave no capim
Que se insinua
Entre folhas quase murchas,
Não se apercebendo, assim,
Quando esvoaça ao vento.
Fujo, não por sentimento,
Mas, por medo de no fim,
Tornar-me presa cativa
Que só consegue estar viva
Quando em forma de chupim.












Estátua II

Não podia falar,
Quando quis,
Não consegui me ouvir.
Não podia chorar,
Refletir,
Entre lágrimas mentir.
Não podia gritar
Nem pensar.
Como então, me calar
De uma vez.
Não podia enxergar-me feliz
E nem ver
Que só imaginei.
Agitar os meus braços, não dava.
Pelo menos tentei.
Porém, me conformei
Que era estátua,
O que eu me transformei.






Amor em febre

Amo
Com a impiedade dos homens,
Com a convalescença das mulheres.
E esse amor em febre
Arde
Tal a vontade
Em minha pele.
O amor me fere
Na saudade.
Que em mim se acabe,
A dor
Que esse amor
Expele.











Quando jovem

O que há além de minha inquietude,
Meu menosprezo pela vida,
Minha coragem e juventude?

Vôo ao limite em altitude,
Salto sobre a lei da gravidade.
Desço à profunda escuridão,
Subo com o peso da pressão,
Sem encontrar maioridade.

Tem uma tristeza progressiva
Que acompanha o meu sorriso.
Minha atitude intempestiva
Já não sabe o que preciso.

Essa vontade desmedida
Insiste sempre estar comigo.
Sou inimigo
Da razão que me acompanha.
Em tantas camas,
Sofro pelos meus caprichos.

E eu com isso?
Digo a minha liberdade
Pois, na verdade,
Não importa o que faça eu comigo,
Estarei em mim detido.
























Uma jura

Se, é para ter de volta
A paz,
Peço desculpa,
Eu quero um pouco mais
Do que morrer de culpa.

Quero enfrentar a luta,
Retroceder jamais.
Ante meus ancestrais,
Manter minha postura.

Faço uma jura,
Pela angústia de teus ais,
Que nunca mais
Cometerei outra loucura.









Soneto do ciúme

Como livrar-me dessa insegurança,
Do medo de perder-te, amada.
Ao caminharmos nessa estrada,
Olho-a com um fio de esperança.

Seu passado, um martírio à lembrança.
Meu presente, uma vida condenada.
Onde a carícia fere como faca afiada,
Minha pele e a tua em semelhança.

Meu esforço pode até ser em vão;
Mas, por esse amor eu tudo busco,
Mesmo que atinja o próprio coração.

Eu prefiro vê-la, então, de luto
Do que ver cerrada em um caixão,
Aquela por quem tanto amor desfruto.







Homo sapiens sapiens

Já nos primeiros passos,
Caminhamos pro abraço
De nossos ancestrais
Que em nossos pais,
Estão representados.
Crescemos dependentes e ligados.

Em nossas brincadeiras,
Demonstramos sentimentos adversos.
Nós somos tão perversos,
Assim o mundo queira.
Mesmos dispersos,
Cometemos mais asneiras.

A nossa juventude
É uma chama acesa
Que abrasa e encandeia
As nossas atitudes.
Nós arriscamos
Até a vida alheia.
O jovem é uma centelha
Que a idade, enfim, consome.


Quando adultos,
Prezamos nossos nomes.
Uns, apesar de cultos,
Esquecem os que têm fome.
Eis que o homem
Comete absurdos.

Nós disfarçamos bem
Nossa civilidade,
Fingimos caridade
Àqueles que não têm.

Sentamos pra comer
Em nossas mesas.
As velas são acesas,
Em homenagem a quem?

Cortamos nossas unhas,
Deixamos nossos dedos
Para o outro, acusar;
O gatilho puxar.
Fora tão cedo.
Mas, não quis executar.

Um banho por asseio,
Cabelo bem cuidado,
O terno engomado,
Parece um bom sujeito.
Porém, seu predicado
É sempre descuidado
Com o próprio meio,
Devastando floresta.
Fechamos nossas portas.
Forçamos serem retas
Árvores tortas.
E a resposta,
A natureza presta.

Cobrimos nossos órgãos genitais
Por tamanho pudor.
Mas que horror,
Matamos as florestas e os animais.

Dormimos em santa paz
Por sermos bons e honestos.
A nossa omissão nunca é demais.
A nossa oração nos torna certos.
O próprio teto
Da igreja é de madeira.

Arrancamos da terra
Nossa sobrevivência.
Não temos a decência
De preservar a mesma
Nem mesmo consciência
Por arrasá-la.

O coração se cala
Em nome do dinheiro.
Assim, o mundo inteiro
Se declara.

O bem, assim, não passa
De nossa hipocrisia.
O que somos de dia,
À noite, se acaba.
Somos vampiros
Consumindo a própria alma.

De uma forma ou outra,
Uma criatura louca
Que de sã, se disfarça.

Juntamos os amigos à mesa farta
Enquanto o semelhante não tem nada,
Nem mesmo o que comer.
O que devo fazer?
Pergunta errada.
A conversa é fiada;
Ninguém quer se meter.

A terra não importa.
Dizem os idiotas.
O céu é o meu lugar,
Não vim para ficar.
Se alguém não se conforma
Que lute em meu lugar.

Às vezes, conseguimos enxergar,
Quando a velhice chega,
Que toda essa sujeira
Não podemos limpar.
Deixamos nosso quarto à luz acesa,
Com medo da escuridão chegar.
Tememos nossa própria natureza
Pela fraqueza de não poder suportar.

O mundo não consegue o equilíbrio
Por um motivo:
O homem que em seu coroamento,
Não passa de fingimento,
Seu honrado compromisso.

Às vezes, parecemos submissos.
Talvez, para com isso
Enganar.
Assim, nossos sorrisos
Em lágrimas suplantar.
Nossos enganos,
As águas dos oceanos
Não cobrirão.
Somos aquilo
Que para nós não desejamos,
Somos estranhos
À razão.

A civilização tão avançada,
Em marcas de escala
É medida.
Assim, a nossa vida
É elevada
Ou rebaixada
Ao chão em que se pisa.

Em degraus de escada
Galgamos a altura.
Nossa lisura
É definida pelos cargos,
É defendida pelos magos
Da postura.

Somos os mais inteligentes,
Estamos à frente,
Somos uma fonte de desculpas.

Desbravamos o universo,
Foi um sucesso.
Eis a genética,
O genoma humano
É coisa certa
Em alguns anos.

O homem de algo esqueceu:
O aquecimento do planeta.
Quem sabe é Deus.
Diz um fanático na igreja.

Não haverá água potável
E essa gente miserável,
O que podemos esperar?

Não é saudável
Que você fique a se preocupar.
Somos o ápice da criação.
Deus vai nos dar a redenção
E um paraíso pra morar.
Chama a minha atenção,
Um bobo da religião.

Tamanho cérebro evoluído,
Tornar-se tolo, sem sentido,
Ao ponto de não enxergar
Que a terra é nossa salvação,
Que a vida é o nosso pão,
Que a união
Pode o planeta conservar,
Que não devemos esperar
A mão divina,
Usemos a sua e a minha,
Pois, é preciso começar.

Lembrar os nossos descendentes
Que são agora, inocentes,
E que jamais terão um lar.
E se algo ainda, aqui restar,
Será tristeza,
Por termos nós denegrido a natureza
Em nome de uma certeza
(Salvo conduto em outro lugar).

Está assim, em nossas mãos.
Chega de tanta ilusão.
Vamos lutar.






A seita

Numa seita,
Sou o cálice na mesa,
Emborcado.

Sou o punhal afiado
No pecado.

Sou a dor
Da jovem tola e eleita.

Sou a divindade oculta,
A cabeça ainda confusa
De um jovem alucinado.

Sou o livro
Que se encontra escancarado
Sob o altar do sacrifício.

Sou o riso
Da criança que ali se inicia.

Sou aquele que ela via.

Sou o Diabo.
Vez em quando

Lembrei de você.
Lembrar seria
Uma tarde vazia,
Em silêncio.

A lembrança desvia
O pensamento,
Traz de volta o passado,
Dia-a-dia.

Minhas lágrimas, diria
Com certeza,
Que não são de tristeza.
Todavia,
São de contentamento.

E lembrar, vez em quando,
De momento,
Não nos deixa esquecer.

É assim que eu mantenho,
Sem querer,
Sua imagem no tempo.

Para mim, saudade

As dobras do vestido de cetim,
Arrebatam em mim,
Toda a saudade
De quando passeavas no jardim
Em tua pouca idade.
Teus lábios contornados, carmesim
Num tom de escarlate.
Teus dedos acenavam para mim,
Num toque de amizade.

Jamais, tive coragem
De contar a verdade.
Que continue assim,
Você para mim,
Saudade.









Poeta vaqueiro

Entre garranchos,
Debate-se na caatinga,
O vaqueiro.
Em garatujas, eu escrevo
Sobre linhas,
Meus poemas tão avessos.

O meu gibão
É meu couro cabeludo.
Meu alazão,
Uma cadeira de veludo.
Minha chibata,
A caneta em movimento.
Cada chifrada,
Um verso de sofrimento.

Envelheço,
Recostado no selim.
Também assim,
Envelhece o sertanejo.




Velhas fotografias

És uma doce criança
Que ainda corre pela rua
Quando fina, cai a chuva.
Revivida na lembrança
De si mesma.

És eterna chama acesa
Que ilumina os meus dias
Em velhas fotografias
Sobre a mesa.

Esquecida das sandálias
Sob as roupas encharcadas
Espalhadas no jardim,
És assim,
Uma jovem engraçada
Que a todos encantava,
Principalmente a mim.

És a única razão
Que mantém viva,
Essa dama envelhecida
Que espera empedernida,
Pelo fim.
Lábios de cor

Eu poderia te chamar mais cedo.
Mas não tão cedo, pelo mesmo amor.
O meu amor pode ser só desejo.
O meu desejo pode ser sabor.
Esse sabor viria do seu beijo,
Um doce beijo de lábios de cor.
De cor vermelha tal o movimento,
O movimento de quem faz amor.      
















O amor que há em mim

Se eu plantar
O amor que há
Em mim,
Nenhum jardim
Poderia sustentar.
Pois, até mesmo do rude capim,
Flores vermelhas iriam brotar.
Quando perfume, viessem exalar,
Todo inseto viria, enfim.
E sendo assim,
Iriam polinizar
E espalhar
O amor que há em mim.











Já morei aqui

Eu já morei aqui.
Pelas raízes que cortam a calçada,
Pelo telhado,
Pela parede rachada
E pelo galho que serve de armador.
Aquelas cordas
Sustentavam um balanço.
Vê esse galho,
Eu agora o alcanço.
Assim fazia meu querido avô.
Não vou entrar,
A casa está em ruínas.
Naquele canto
Eu sempre mantinha
Uma fêmea de jabuti.
Eu já morei aqui.
E saber
Que dessa forma termina
Tudo que vi construir.




Biografia:
No dia 04 de outubro de 1966, nasce João Felinto Neto, em Apodi, Rio Grande do Norte. Em 1969, parte com sua família para Tabuleiro do Norte no Ceará. No mesmo ano passa a residir em Limoeiro do Norte, sua pátria emotiva e ponto de partida de uma fase migratória que duraria toda a sua infância, e o levaria até Santa Isabel/PA (1971), Limoeiro do Norte/CE (1973), e Mossoró/RN (1974), onde ingressa, no Instituto Dom João Costa no ano de 1975. Retorna novamente a Limoeiro do Norte (1977), onde permanece até 1982, ano em que conclui o 1º grau no Liceu de Artes e Ofícios. Retorna definitivamente, com sua família à cidade de Mossoró. Conclui em 1985 o 2º grau na Escola Estadual Prof. Abel Freire Coelho. Em 1986 ingressa no serviço público, como técnico de biodiagnóstico do Hospital Regional Tancredo Neves, atual Tarcísio Maia. Conclui o curso de Ciências Econômicas, pela UERN, em 1991. Somente aos 34 anos, começa escrever e catalogar poemas e crônicas. Até então seu mundo literário se resumia à leitura e ao pensamento.
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