Na meia-luz do apartamento se estendiam. A lua ia alta no céu ao som de um vinil do Clube da Esquina e dos carros que varavam a Avenida Roberto Silveira. Ela sentou na cama; alça da blusa caída deixando um dos seios à mostra... cruzou as penas e olhou pra ele com jeitinho de menina que consegue tudo... Malu tinha 17 e era a mais gata do 3º ano do São Vicente de Paulo! Pele morena, mais pra escuro do que pra claro; cabelos negros levemente ondulados; face achatada e harmoniosa, olhos expoentes! Corpo reverenciado por quase todos os meninos e meninas da escola. Falava em fazer Desenho Industrial. Era fã de Lispector e Caetano, além de Radiohead e Garcia Márquez, e amava música eletrônica. Nem tímida, nem tão atirada. Não era esnobe, mas qualquer um se curvava quando Malu vestia um vestido curto...
Beto era engenheiro de uma multinacional. Contava 34 anos. Sem filhos. Já casara uma vez. Engraçado, sem ser bobo; inteligente, sem ser chato. Esbelto. Rato de academia de uns dois anos pra cá. E corria. Vida financeira estável, depois de um nebuloso período de turbulência. Estavam na casa dele. Saíam há 3 semanas. Olhava pra ela com olhos semicerrados e um sorriso maroto em meio à fumaça do cigarro que degustava. Malu procurava algo na bolsa. Achou. Abriu uma cápsula sobre a capa de um livro (Nabokov) na cabeceira. Enquanto batia, sorriu pra ele e disse:
- Vai um?!
- Vai com calma, moça! – disse – meio que cantando - com um riso sincero no rosto.
- Ih! Qual é?!! Vai ficar de papo careta agora? Ó quem fala! Fuma unzinho às vezes e bebe pra caralho! [risos].
- [Risos] Não é papo careta. Só to falando pra ir com calma. Sei que tudo nessa vida é meio perigoso, amor meu. “A vida é bem mais perigosa que a morte”, já dizia o poeta. Mas isso... isso é muito(!) perigoso, mocinha. A brincadeira é deliciosa, confesso. Fascinante! Mas... não se iluda. A força que ela te dá, ela tira de você mesma... E no início tudo é lindo e brilhante... E a beleza, meu anjo, – tocando de leve o rosto dela – fica ainda mais fugaz. - Malu enrolava a nota e balançava a perna a olhar pra ele.
- O fio da navalha vai ficando cada vez mais aguçado... Cuidado! Quanto mais satisfação, menos autocontrole. E quando ela te derruba, no meio da euforia errante, derruba pra valer. De repente, joga na sua cara, de uma só vez, toda sua fraqueza. Recolhe a magia e os afetos iniciais e tudo vira só fuga e solidão. Te esculacha e vai embora; mas volta sempre só pra te dar um prazer vazio e escravo. A alegria, do corpo, da mente e da alma, começa a se esfiapar. Eu me perdi... Me perdi! - calou e olhou pro chão. Deu um longo gole na taça do vinho tinto húngaro que tanto apreciava e continuou - Mesmo tendo começado com o pé atrás. Quando vi que tinha me fudido, já tava fudido há muito tempo! Não conseguia mais parar. Já estava completamente desequilibrado. Passou um ano... Passaram dois.... três... E mesmo prevendo tudo de ruim que me aconteceria se continuasse naquele ritmo, não consegui evitar. Me afastei da família... dos amigos. Perdi o emprego. Meu casamento acabou - claro que ela não agüentou -. A galera com quem comecei a usar já não me queria muito por perto. Me achavam sequela demais. Eles conseguiam se controlar e manter a vida, ainda que mais ou menos. Eu não. Pancava sem parar. Não fazia nada o dia todo. Passei a viver das minhas reservas no banco, que foram se esgotando rapidamente. Aí vieram as dívidas... Já ficava tão noiado e travado que não sentia nada. Depressão sem conseguir chorar. Quando descobri que iam me internar, fugi. Fumei uma pedra de crack e senti tanto alívio e prazer que logo fumei outra. E mais outra... Perambulei meses pelo Jacarezinho sem voltar pra casa. Ficou tudo revirado. Virei um zumbi. Um morto-vivo. Um fiapo de gente...
- Caramba! E como você conseguiu largar isso, cara?!
- Cristo!
- Jura? E qual igreja tu frequenta, que nunca falou?
- Nenhuma... O Cristianismo não é uma religião. É uma essência! Amar o Verbo a conjugar!
Malu ficou olhando pra ele estática. Meio risonha... Olhos fixos nos dele, que brilhavam, quentes e plácidos... Ela abandonou o canudo em cima da trilha e partiu pra um abraço gostoso. Em seguida – aos poucos -, ia lhe fazendo os carinhos que ele mais adorava... num sorriso lindo que cada vez mais se abria, em compasso perfeito com o peito, os braços e as pernas...
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